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As dificuldades na África na pandemia vão além da vacina, diz pesquisador da Fiocruz 

20/07/2021

Cristina Azevedo (Agência Fiocruz de Notícias) 

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As dificuldades dos países africanos em relação à Covid-19 não se resumem à vacina: são necessários também recursos para a logística de uma campanha de imunização, o que envolve câmaras frias e mesmo geradores, explica o pesquisador do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz) para Assuntos sobre a África e para a Cooperação África & Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Augusto Paulo Silva. “Muitos países tiveram que devolver vacinas porque não conseguiram aplicá-las devido à falta de dinheiro para sustentar suas campanhas”, explica Silva, que foi vice-ministro da Saúde de Guiné Bissau de 2009 a 2012. Ao falar de políticas para a região, onde somente 1,2% da população (cerca de 15 milhões de pessoas) foi vacinada até agora, o pesquisador do Cris destaca ainda a necessidade de lançar um outro olhar sobre a região: ver as muitas Áfricas que existem, não generalizando um continente com 55 estados.

Silva: muitos dos 55 países africanos tiveram que devolver vacinas porque não conseguiram aplicá-las por falta de dinheiro para sustentar as campanhas (Foto: acervo pessoal)

 

AFN: Os países africanos têm enfrentado dificuldades em receber ajuda para vacinar sua população. Como resolver a situação?

Silva: Quando se fala da África Ocidental, você tem 15 países. Se falar da África Oriental e Austral, são 21. Tem a África Central. E em todo o continente há organizações regionais e sub-regionais. No imaginário brasileiro, a África é única. Então, nós temos que ver de qual África vamos falar. A pandemia no continente também tem localizações. Seis países detêm a maioria dos casos de Covid-19 no continente. África do Sul, os países do Norte da África — Tunísia, Marrocos, Argélia, Egito — e Etiopia concentram mais de 80% dos casos de Covid, mas também temos relatos de Uganda. Começa essa terceira onda, a mancha está se alastrando e não sabemos ainda onde vai parar. E a única saída é acelerar a vacinação 

AFN: Há uma iniciativa da União Africana (UA) para obter vacinas... 

Silva: Muito antes da pandemia, a União Africana criou o CDC África [Centro para Controle e Prevenção de Doenças na sigla em inglês] porque compreendeu, com base na experiência com o ebola, que precisava ter uma agência especializada em saúde. A OMS Afro [Escritório Regional da Organização Mundial da Saúde para a África] cobre 47 Estados-membros. E os países africanos magrebinos estão numa outra região da OMS, a região do Mediterrâneo. Então, quando se vai falar da Argélia, Tunísia, Marrocos e Egito, fala-se de uma África, e o Sudão do Norte já é uma outra. Já a União Africana cobre os 55 países. O CDC também. 

Voltando às vacinas, a União Africana também aderiu à Covax [iniciativa da OMS para obtenção de imunizantes contra a Covid-19]. Só que muito antes de os europeus começarem a doar vacinas para a Covax, doaram dinheiro. Mas esse dinheiro nunca foi suficiente. Para o abastecimento e fornecimento da Covax, contava-se com China e Índia. Mas a Índia teve uma explosão de casos, as vacinas começaram a não ser suficientes, e a Covax passou um tempo quase seca.  

A UA entrou com esse plano de 400 milhões de doses como suplemento se a Covax falhar. Mas os países não vão receber gratuitamente essas doses adicionais. A União Africana, por meio dos seus bancos de fomento, agiu como se fosse caução para garantir o pagamento. E o Banco Mundial está fornecendo dinheiro aos países para adquirirem essas vacinas. Mas a maioria está endividada, tem tetos de gastos já limitados pelo Banco Mundial por causa dos programas de ajuste estruturais.  

E o problema da vacinação é muito mais complexo. Um programa de imunização tem toda uma logística por trás. E essa logística tem gastos. Por isso, muitos desses 55 países tiveram que devolver vacinas porque não conseguiram aplicá-las por falta de dinheiro para sustentar as campanhas. Precisam de câmaras frias, geradores. E como o Estado está endividado, não tem como bancar isso. São problemas estruturais que vêm lá de trás e que foram exacerbados pela pandemia. É por isso que a vacinação na África é muito lenta, não só por falta de imunizantes, mas por toda a cadeia de infraestrutura e logística. A África ainda nem chegou a 2% de vacinados. Um continente de 1,2 bilhão de pessoas não é fácil vacinar. 

AFN: O senhor vê alguma iniciativa que possa melhorar esse panorama? 

Silva: Não há terceira alternativa. A primeira é a Covax. A segunda é a iniciativa da UA. E há os países com mais recursos como África do Sul, Marrocos, Argélia, que compraram mais vacinas. Por isso não podemos generalizar. 

AFN: Fala-se muito na cooperação Sul-Sul, mas como ela funciona num momento em que os países do Sul Global também enfrentam problemas para conseguir vacinas? 

Silva: No que diz respeito aos países africanos, a cooperação Sul-Sul funciona muito mais com a China. Quando começou a pandemia, foi graças à China que muitos países receberam insumos através da União Africana. Contam com China e Cuba, países que já têm uma tradição [de cooperação na África]. Por exemplo no meu país, que é a Guiné-Bissau, Cuba está lá não só com médicos, mas na faculdade de medicina, no ensino. A cooperação Sul-Sul na pandemia é diminuta. E o Brasil, que foi um ator importante anos atrás, está fazendo sua parte, mas é muito pouco. 

AFN: E a Fiocruz, que sempre atuou muito com países de língua portuguesa na África? 

Silva: A Fiocruz, como agente do Ministério da Saúde, faz cooperação em tempos normais. Quando chega uma pandemia, não é especializada em ajuda humanitária. Houve troca de informações, webinários especializados. A Fiocruz só poderia fazer, como o CDC dos EUA, se recebesse mandato do governo brasileiro para isso.  

Moçambique é onde a Fiocruz está mais presente. A Fiocruz já formou muita gente. Ainda hoje a Cristiani [Vieira Machado, vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação] disse que em 10 anos, a Ensp [Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca] montou cursos em Moçambique e já formou mais de 80 mestres em saúde pública. A cooperação se dá mais no ensino, na pesquisa, no âmbito das redes de escolas, institutos... 

Agora começa um grande projeto em Angola com a ABC [Agência Brasileira de Cooperação] sobre mortalidade materna. Ele envolve a Fiocruz como agência de execução, através do Instituto Fernandes Figueira [IFF]; a ABC; o Fundo das Nações Unidas para a População [Unfpa]; e a Direção Nacional de Saúde Pública do Ministério da Saúde de Angola. Está em fase avançada, e acho que o acordo deve ser assinado até o fim do ano. A Fiocruz age no Unfpa como centro internacional em saúde reprodutiva, onde se inclui a mortalidade materna, para cooperar com todos os países africanos. Angola é como um projeto piloto.

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