15/05/2014
Fonte: IOC/Fiocruz
No Dia de Combate à Infecção Hospitalar, celebrado em 15 de maio, a pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Marisa Zenaide Ribeiro Gomes, alerta para os principais desafios do combate às infecções hospitalares. Para a especialista, o combate aos micro-organismos resistentes, dentro e fora do ambiente hospitalar, depende de um esforço conjunto das autoridades, dos profissionais de saúde e da população em geral. Este ano a celebração do Dia de Combate à Infecção Hospitalar foi precedido pela publicação de um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) que aponta que as bactérias resistentes a antibióticos são uma ameaça à saúde pública em todo o mundo. Confira a entrevista.
Por que o problema das bactérias resistentes a antibióticos se tornou tão grave?
Esta situação vem se agravando por causa do uso abusivo de antibióticos, o que ocorre por vários motivos. Mesmo na situação de dúvida sobre a origem de uma infecção simples, como um resfriado, muitas vezes os antibióticos acabam sendo recomendados. Nos hospitais, em função das dificuldades para o diagnóstico microbiológico rápido dos agentes causadores das infecções, se torna freqüente a realização de tratamento antibiótico empírico, ou seja, sem a identificação da bactéria que provoca a doença. Com o uso indiscriminado, as bactérias apresentam resistência e há necessidade de usar ainda mais antibióticos nos tratamentos. O resultado é que precisamos voltar a utilizar drogas que já tinham saído do mercado.
Quais os riscos se não houver avanços no combate à resistência a antibióticos?
Nos últimos 20 anos, o desenvolvimento de novos antibióticos não acompanhou a rapidez com que os micro-organismos desenvolveram resistência. Já existem bactérias contra as quais não há recursos terapêuticos disponíveis. Qualquer pessoa pode ser atendida na emergência de um grande hospital, adquirir uma infecção com micro-organismo resistente e ter dificuldade de se recuperar ou até morrer. As bactérias resistentes também não estão restritas aos hospitais, podendo ser adquiridas no ambiente comunitário, ou seja, fora dos serviços de saúde. Se não houver antibióticos para tratar as infecções, estaremos ameaçando a medicina como um todo. Tratamentos mais complexos – como a terapia contra o câncer, o transplante de órgãos e as cirurgias cardíacas, para citar os tratamentos mais caros – correm o risco de ser comprometidos se não for possível tratar as infecções que podem ocorrer após estes procedimentos.
Considerando que não se pode deixar de usar antibióticos, o que deve ser feito?
As medidas para minimizar o desenvolvimento de resistência antibiótica interessam a todas as especialidades médicas e, portanto, todos que participam da assistência à saúde devem estar atentos e contribuir para as ações de prevenção e controle. Todo uso de antibióticos nos hospitais deve ser notificado, no momento da prescrição, às Comissões de Controle de Infecção Hospitalar (CCIHs). Assim, elas poderão adotar medidas para adequar o tratamento às políticas de uso de antibióticos recomendadas para suas unidades. As CCIHs devem desenvolver e atualizar sistematicamente rotinas de tratamento para as infecções mais frequentes e de maior risco nas diferentes áreas do hospital, considerando o perfil microbiológico destas infecções e o histórico de consumo de antibióticos.
Como as bactérias desenvolvem resistência aos medicamentos?
As bactérias são organismos unicelulares, mas que têm uma capacidade de organização e comunicação muito grande. Tentando explicar de uma forma bem simplificada, quando uma delas adquire um gene de resistência a um determinado antibiótico, ela transmite essa característica para as gerações seguintes e também para as ‘amigas e vizinhas’ – as bactérias próximas, que podem ser até mesmo de outros gêneros e espécies. Portanto, as bactérias podem se tornar resistentes por uma mutação genética ou pela aquisição de um gene de outro micro-organismo, pois são capazes de transmitir estes mecanismos de defesa entre elas.
De que forma as bactérias resistentes são transmitidas nos hospitais?
As bactérias tendem a ser mais resistentes dentro dos hospitais porque nestes locais há um uso maior de antibióticos. A transmissão pode ocorrer de um paciente para outro, a partir de uma superfície contaminada ou até mesmo entre partes diferentes do corpo da mesma pessoa. O importante é que estes micro-organismos são transmitidos sobretudo pelo contato, por isso higienizar as mãos é a principal medida de prevenção. Em infecções hospitalares, dizemos que as mãos participam ativamente da transmissão dos micro-organismos, porque elas tocam o maior número de superfícies e pacientes. No entanto, outros tipos de contato – como, por exemplo, o toque entre superfícies de equipamentos e pacientes – também podem ser responsáveis pela disseminação das bactérias. Daí a importância da higiene de superfícies clínicas e da desinfecção e esterilização de equipamentos médico-hospitalares.
O que mais pode ser feito para prevenir a disseminação das bactérias resistentes?
A higiene das mãos é uma medida que precisa ser adotada sistematicamente por profissionais de saúde, acompanhantes e visitantes sempre antes e após o contato com pacientes e superfícies hospitalares. Além disso, em casos específicos, é recomendado uso de luvas, capotes e máscaras, conforme a situação de cada paciente. As informações sobre como prevenir infecções hospitalares devem ser conhecidas não apenas pelo pessoal da área de saúde, mas também por recepcionistas, profissionais de limpeza, cozinheiros, enfim, todos que trabalham ou frequentam o hospital.
O que as pessoas podem fazer para contribuir neste processo?
A automedicação é uma questão crítica: é preciso ir ao médico para saber se realmente é necessário tomar antibióticos. Nas doenças provocadas por infecções virais, por exemplo, estes medicamentos não têm nenhuma efetividade. Quando há indicação de usar antibióticos, é importante tomar os remédios na hora certa e fazer o tratamento durante todo o período recomendado, sem interrupção. Antibióticos também não devem ser jogados no lixo comum, para não contaminar o meio ambiente. Além de tudo isso, deve haver cuidados especiais quando as pessoas vão a um hospital. O ideal é evitar o excesso de visitantes e acompanhantes e não manter contato com outros pacientes. Em caso de dúvidas, os profissionais de saúde devem ser consultados.