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Creche promove palestra sobre o tempo e o educar para incertezas


18/08/2023

Giana Pontalti | Cogepe

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A Creche Fiocruz promoveu, na terça (8/8), palestra com o psicólogo Eugênio Carlos Lacerda, que falou sobre “Quanto tempo o tempo tem? Educando para a incerteza” com os trabalhadores, pais e mães das crianças da creche, com os alunos que recém ingressaram no curso de desenvolvimento profissional em educação infantil e com as educadoras do colegiado de creches federais do Rio de Janeiro. O evento aconteceu no auditório do Museu da Vida e foi transmitido pelo canal da Asfoc no YouTube. Para revê-lo, acesse aqui. 

“Vamos jogar peteca? Não podemos deixá-la cair”, provocou Eugênio, no início da palestra, convidando os participantes para brincar. “Se vamos falar de algo que envolva criança, não podemos falar sem brincar. Brincadeira é coisa séria. Hoje, muitos adultos se perderam no tempo, não conhecem as brincadeiras atuais e esqueceram como se brinca”, afirmou. O psicólogo reforçou, logo na sua chegada, a importância da brincadeira como ferramenta educativa.

Há mais de duas décadas na Fiocruz, Eugênio atuou na Creche Fiocruz por 23 anos e, hoje, trabalha no Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (CSEGSF/Ensp).  Em sua exposição, discorreu sobre o desenvolvimento humano em nosso tempo, repleto de dúvidas e inseguranças e com expectativa de vida de mais de um século.

“É fundamental lembrarmos que as crianças e adolescentes que estão aí têm perspectiva de viver 120 anos. Não podemos mais educar sem pensar nisso, não podemos mais educar da forma tradicional”, pontuou. O psicoterapeuta destacou que a educação deve incentivar a autonomia, a capacidade das crianças e adolescentes de refletirem sobre suas realidades, criando e recriando caminhos em suas trajetórias.  

“Estamos nos iludindo por acreditar que nossos filhos terão um futuro garantido por estudarem nas melhores escolas, cheias de conteúdos, que isso lhes trará emprego, dinheiro e felicidade. Eles vão viver mais de um século, possivelmente trabalharão até os 90 anos ou mais; vão mudar de profissão em 10 anos e, em 20, a profissão que escolheram possivelmente não vai mais existir”, lembrou.

Eugênio lembrou que é fundamental reservar tempo para as crianças em uma rotina com demandas excessivas no trabalho, nos estudos e nas atividades domésticas. “A criança vai para a creche às 7 horas da manhã e sai só no final da tarde. É natural que ela chegue em casa e queira brincar. No consultório, vejo pais dizendo que queriam que a criança dormisse, que os deixasse descansar. Mas a criança precisa deles!”, ressaltou.  

Amparado em exemplos da literatura, do cinema, da música e em charges, Eugênio trouxe para a palestra referências que ajudam a pensar as relações humanas e a educação infantil na contemporaneidade. Citou Cora Coralina, José Saramago, Hannah Arendt. Comentou filmes como “A história sem fim”, “Deus da Carnificina” e “Star Trek”. Abordou histórias como a de Peter Pan e o mito de Sísifo, dentre outros que exemplificam e relembram que as incertezas são inevitáveis. “Em Avatar, o protagonista diz que o pai protege. E ele falhou, o filho morre. Afinal, o pai protege, sim, mas não é divino”, comentou.

O psicólogo, que também é pai, reforçou que o papel dos pais é de amparo e apoio. “Filhos intocáveis não são filhos amparados e apoiados. Ao tornar o filho intocável, tiramos a possibilidade de construírem a sua autonomia”, enfatizou.  

Uma das mães presentes ao evento, a bióloga e pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) Mariana David disse que a palestra vem ao encontro do que tem debatido em casa. “Eugênio traz reflexões que são nossas preocupações. Eu e meu marido já conversamos sobre a importância de reservar tempo para as crianças. Evitamos trabalhar à noite e nos finais de semana”, disse.

Trabalhar com crianças

Ao longo do evento, Eugênio falou em grande parte do tempo para os pais, mas também questionou e motivou os educadores infantis. Para os alunos do curso de desenvolvimento profissional infantil, promovido pela Creche Fiocruz em parceria com a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, perguntou: “Por que você escolheu trabalhar com crianças? O que, de sua história, te levou a trabalhar com crianças?”.

A pergunta também ecoou nas educadoras do colegiado de creches federais do Rio de Janeiro. A doutora em educação Isabela Lopes, do Colégio Universitário Geraldo Reis (Coluni/UFF), disse que não foi fácil conseguir tempo para participar do evento, pois as demandas da educação são cada vez mais complexas.

“Participar de momentos como esse nos ajudam a dar força para as famílias. Com a pandemia, percebemos que os desafios são ainda mais complexos. Temos recebido muitas crianças com indicação de procurar neurologistas e fazer terapias. Podemos fugir da medicalização da infância, dando suporte às crianças e às famílias. Percebemos que, muitas vezes, precisamos falar o óbvio, precisamos educar não só as crianças, mas também as famílias. Sentamos e fazemos combinados, com todos”, disse.

Parte da equipe de profissionais da Creche Fiocruz também esteve presente. “Saímos do encontro repletos de conflitos, comuns ao momento atual. Estamos aprendendo a viver de novo, e esse tipo de interlocução com o Eugênio nos ajuda a compreender coisas que estamos passando, nos ajuda a imaginar que temos um caminho com muitas possibilidades. Temos muitas coisas para aprender todos os dias”, concluiu Silvia Motta, diretora.  

Ao propor a brincadeira da peteca no início da palestra, Eugênio quis lembrar que ela vai cair - isso é inevitável. Mas é possível pegá-la e jogá-la novamente.

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