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Conselheira editorial da Editora Fiocruz analisa estratégias de divulgação da ciência


17/07/2014

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Colaboradora da Editora Fiocruz há muitos anos, a pesquisadora Cecília Minayo, da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), destaca a importância de popularizar o conhecimento científico e analisa como autores, editores e jornalistas podem contribuir para essa divulgação a partir dos livros acadêmicos. Autora de vários livros, Cecília é conselheira editorial da Editora Fiocruz e defende uma linguagem acessível, que estabeleça um diálogo com o leitor. Cecília foi entrevistada por Letícia Taets, aluna do Colégio Pedro II (Duque de Caxias) e participante do Programa de Vocação Científica (Provoc/Fiocruz). Letícia realiza um projeto relacionado aos 20 anos da Editora Fiocruz, que foi criada em maio de 1993 e teve seus títulos lançados em julho de 1994.

Como avalia o desenvolvimento das editoras acadêmicas, em geral, e da Editora Fiocruz, em particular?
Cecília Minayo:
Acompanho a Editora Fiocruz desde o seu começo. E também fui vice-presidente da Fiocruz para a área de informação, comunicação e informática. Uma das atribuições desse cargo era presidir a Editora, tarefa gratificante, já que adoro trabalhar com divulgação científica. Embora a Editora nunca vá estar totalmente construída, mas em constante processo de construção, naquela época, ela ainda começava a se estruturar e contava com um orçamento bastante limitado. Para mim, é um equívoco resumir uma editora acadêmica a uma pequena empresa, que deve ser autossuficiente e cobrir os próprios gastos. Por um lado, isso é bom, pois evita que editores ‘descansem nos louros’, ou seja, impede que se publiquem quaisquer livros, livros que não vão vender. É claro que é necessário produzir livros que tenham mercado. Porém, é preciso também reconhecer que o mercado dos livros acadêmicos é bem mais reduzido do que o mercado dos livros em geral. Então, ao mesmo tempo em que se deve levar em conta, com bastante responsabilidade, o lado financeiro-administrativo, também é preciso haver o entendimento de que editoras acadêmicas não se mantêm apenas com a venda dos livros que publicam: é imprescindível o apoio das instituições às quais elas estão vinculadas.

Como uma editora acadêmica poderia atingir um público maior, não com o objetivo de vender mais livros, mas porque isso representaria também uma maior difusão do conhecimento científico?
CM:
Acredito que isso seja um sonho de todos nós: não só produzirmos conhecimento, mas também popularizá-lo. Há formas de se fazer isso. É bastante possível escrever livros acadêmicos com uma linguagem popular. Os livros com uma linguagem mais técnica, conhecida apenas entre pares, podem ser reescritos pelos autores em uma linguagem mais acessível, especialmente quando abordam conhecimentos relevantes e de interesse para a população. É preciso ter mecanismos para estimular essa prática. Outra iniciativa importante é investir no trabalho jornalístico: a partir da leitura de um livro acadêmico, o jornalista produz um texto de divulgação em que apresente os principais conteúdos que interessem ao grande público. Como editora-chefe da revista Ciência & Saúde Coletiva, estamos nos esforçando para produzir press releases sobre cada edição mensal e transformar pelo menos dois artigos com informações relevantes e que trazem novidades em textos com linguagem popular, de tal forma que o público em geral possa ter acesso àqueles conteúdos. Nesse sentido, os Estados Unidos são nosso grande mestre. Por exemplo, como ficamos sabendo que determinado tema saiu na revista Science? Todas as grandes revistas científicas americanas têm, acopladas a elas, um forte investimento no trabalho jornalístico de divulgação do conhecimento.

São diferentes estratégias de popularização da ciência...
CM:
Muitas vezes, as editoras estão mais preocupadas em fazer a propaganda do livro em si, em vez de destacarem o que esse livro está trazendo de novidade e contribuição para a sociedade. Na TV, quando um autor de livro é entrevistado, geralmente ele é estrangeiro. Considero muito importante que a Editora Fiocruz e outras editoras acadêmicas trabalhem no sentido de ocupar esses espaços na mídia. Hoje, a visão contemporânea é de que não se deve fazer uma ciência para a ciência, mas uma ciência para a sociedade. Há várias formas de se realizar isso, sendo os principais tornar o conhecimento mai acessível e incorporá-lo à vida social e às políticas públicas. 

Como funciona o Conselho Editorial da Editora Fiocruz?
CM:
O papel do Conselho é o de, juntamente com o corpo executivo da Editora, traçar a política editorial. E, a partir dessa política, em reuniões periódicas, discutir questões como que originais aprovar, que obras já estão no prelo, que livros reeditar ou reimprimir, que novos temas incorporar etc. Mais: na pauta do Conselho, destaca-se a discussão acerca de novas possibilidades para a Editora, como os e-books, os livros em língua estrangeira etc. O Conselho também dá atenção às questões de preservação da memória e do conhecimento em saúde pública. Por exemplo, às vezes, algumas obras são pouco vendáveis, mas fundamentais para a história da área. A decisão de publicá-las passa também pelo Conselho.

No prelo: diz-se do livro que se encontra já na gráfica, em processo de impressão e, portanto, prestes a ser publicado.

Como podemos definir “política editorial”?
CM:
A política, na verdade, consiste em estabelecer as grandes linhas que definem o escopo da Editora e as diretrizes e estratégias para que ela alcance seus objetivos. Na Editora Fiocruz, uma grande diretriz da política editorial é que todas as áreas da saúde pública sejam contempladas. Outra é a indução de determinados campos como o de políticas de saúde e o biomédico. Estas são áreas sobre as quais muito temos falado no Conselho, mas que editorialmente têm caminhado pouco. As razões das dificuldades são diferentes. Na área das políticas de saúde, há muito discurso e pouca escrita, mas, quando os livros saem, costumam se tornar grandes referências. Na área biomédica, os pesquisadores têm costume de publicar mais artigos do que livros. Neste último caso, os livros, embora menos frequentes, acabam por se configurar como grandes tratados e como obras referenciais. Outra diretriz da política da Editora Fiocruz diz respeito à criação e manutenção das coleções, como a Antropologia e Saúde e a Criança, Mulher e Saúde, que privilegiam determinados temas de interesse. Enfim, o que considero política editorial não é uma coisa abstrata: ela é um conjunto de definições das linhas de publicações e das diretrizes concretas que norteiam as decisões, para que a Editora tenha a cara, o feitio e os propósitos que se esperam dela.

A senhora é autora também. Como é a sua relação com a escrita?
CM:
Gosto muito de escrever. Pensam que tenho muita facilidade para escrever, mas me exige bastante suor. De tanto praticar, desenvolvi uma arte de comunicação. Quando escrevo, penso exatamente em quem vai ler o meu texto. Converso com o leitor e procuro utilizar uma linguagem compreensível, embora não deixe de ser uma escrita científica.

Que dicas daria para autores iniciantes?
CM:
O grande segredo é que você não deve se ater demais a certos formalismos científicos. Por exemplo, muita gente é incapaz de escrever uma frase sem colocar, no final, o nome de outro autor entre parênteses – as tais das referências. Evitar o excesso de referências não quer dizer que você está plagiando. É preciso estudar, ler variados autores, apropriar-se do conhecimento deles e, a partir daí, construir o seu próprio pensamento transmitido com as suas próprias palavras. É claro que, em algum momento, você tem que se referir aos autores que leu, mas, no momento da escrita, é você que está falando para o seu leitor. Essa é a dica fundamental. Quando comecei a escrever textos, na faculdade, a primeira coisa que escrevi foi um estudo sobre trabalhadores da Baixada Fluminense. Para realizá-lo, tive que ler muito as obras de Marx sobre todas as questões que envolvem o trabalho. Apropriei-me desses conhecimentos e os transformei num texto mais compreensível, preservando o essencial dos conceitos trabalhados por Marx. O que aconteceu? Meus colegas da faculdade, em vez de lerem as obras de Marx, queriam ler o texto que eu tinha escrito. Para mim foi uma lição. Passei a considerar um ato político não escrever difícil: comunicar-me com o leitor. Sempre achei que quem escreve difícil se esconde atrás das palavras. Porque, quando uma pessoa está insegura sobre o que dizer, é mais fácil enrolar do que falar claramente. Portanto, minha dica é a seguinte: escrevam para que uma pessoa com uma formação mediana possa entender, mesmo que o tema seja difícil. Insisto muito com meus alunos e orientandos: vamos escrever para sermos lidos; não vamos nos esconder atrás das palavras!

Foto: Revista Radis, n. 30

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