04/12/2015
Por: Cecília Lopes (Fiocruz Brasília)
Com a participação do presidente da Fundação Oswaldo Cruz, Paulo Gadelha, e do professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Norberto Rech, a mesa “Ciência, tecnologia e inovação no SUS” foi um dos destaques desta quarta-feira (2/12), na 15ª Conferência Nacional de Saúde, em Brasília.
Com o auditório lotado, Paulo Gadelha defendeu investimento em ciência, tecnologia e inovação para garantir a consolidação do Sistema Único de Saúde, argumentou sobre a relevância do complexo econômico industrial da saúde e a importância da participação social na ciência e também criticou o ajuste fiscal que atingiu áreas importantes da saúde e da ciência, tecnologia e inovação do país.
O presidente da Fiocruz alertou também para o risco das definições de agendas em um planejamento de apenas quatro anos e citou o programa criado pela Fiocruz em parcerias com outras instituições, o Saúde Amanhã, que apresenta prospecções futuras no campo da saúde, da ciência e tecnologia e da demografia. “A prospecção para a década de 2030 mostra que a quantidade de idosos irá duplicar. Eles serão maioria na população. Essas alterações têm repercussão imensa sobre todo o padrão epidemiológico, carga de doenças e sobre a forma como o cuidado deverá se dar”, disse.
Os casos de microcefalia detectados nas últimas semanas e confirmados pelo Ministério da Saúde e pela Fiocruz foram citados por Paulo Gadelha para exemplificar a importância da ciência, tecnologia e inovação no enfrentamento de doenças e na capacidade de resposta do Estado. “Pelas experiências anteriores, o zika circulava em regiões com pouca população e com manifestações pouco graves. Então, a ideia era de que no Brasil poderia passar sem uma repercussão tão grande para a Saúde Pública. Quando o drama imenso da microcefalia foi associado ao zika, começamos a pesquisar e havia evidências lá atrás da associação do zika com esse problema. As descobertas e as ações que são tomadas a partir disso só são possíveis porque temos ciência e tecnologia”, explicou.
O presidente da Fiocruz classificou de “admirável mundo novo” as tendências da medicina personalizada, que podem impactar o modelo de cuidado e o financiamento do SUS. Trata-se de tecnologias de rastreamento genético para avaliar se a pessoa tem probabilidade ou não de ter uma certa doença. “Ao mesmo tempo em que há um avanço nesse sentido, você coloca pressões de custo e de inequidade sobre como a população vai poder receber essas tecnologias”, assinalou.
Sobre o complexo econômico industrial da saúde associado à ideia de segurança e autonomia estratégica do país, Paulo Gadelha defendeu o papel central do Estado como agente que faz com que haja uma atração entre os setores público e privado, para que a base produtiva nacional necessária para o SUS seja adequada às demandas da população. “A Aids é um caso exemplar, que significou, fundamentalmente, capacidade de produzir no país os antirretrovirais para que fossem dados de maneira universal e gratuita”, lembrou. Gadelha alertou para o caso da oncologia, que necessita de biofármacos monoclonais, medicamento muito utilizado para tratar câncer.
“Se não tivermos capacidade de desenvolver aqui os biofármacos monoclonais, vamos perder essa guerra. E quem vai ter acesso? Quem tem mais dinheiro. Porque o SUS não vai poder fazer isso por falta de base de ciência, tecnologia e produção”, alertou.
Paulo Gadelha também salientou a importância da participação social para direcionar a capacidade de ciência, tecnologia e inovação para as necessidades da população. Apresentou dados de uma pesquisa do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz que mostra o grande interesse da população em saúde e medicina. “Precisamos que a população se aproprie, possa interferir e que em muitos casos seja co-produtora do conhecimento. Se a população não estiver incorporada nos processos de definição de políticas e na co-produção de conhecimento, continuaremos falando de uma ciência descolada da sociedade”, comentou.
Ao fim de sua apresentação, o presidente da Fiocruz criticou o Congresso Nacional e o ajuste fiscal, mas não deixou de lembrar os avanços alcançados, como a Emenda Constitucional 85/15 e a Lei de Biodiversidade, principalmente com relação à repartição de benefícios. “Por incrível que pareça nós tivemos avanços e isso só foi possível pela intensa mobilização de pessoas e instituições”, finalizou.
A importância das parcerias
Afinado ao discurso de Gadelha, o professor da UFSC Norberto Rech incluiu o tema das patentes no debate e criticou o distanciamento entre a academia, as políticas públicas e o sistema de saúde, principalmente no caso das doenças negligenciadas. “A pesquisa em produtos e inovação neste campo é absolutamente restrita, quase inexistente. Quando buscamos a academia, que deveria realizar pesquisas importantes, ela está de costas para esta questão porque não há interesse econômico e não há interesse em termos de produção científica para contar pontos no currículo”, disse.
Rech comentou a fragilidade do SUS diante dos medicamentos monoclonais para câncer que estão sob patente e defendeu parcerias público-privadas para atacar as vulnerabilidades internas. “Certamente não basta ter dinheiro para comprar medicamentos biológicos ou tecnologias de última geração para incorporá-las ao SUS. Há uma necessidade clara de uma decisão política de estímulo ao desenvolvimento dessas tecnologias com internalização da sua produção no Brasil. Isso se dará em cooperações entre o público e o privado e em cooperações internacionais”, declarou.
Por fim, Norberto Rech alertou para as “ameaças que o sistema de ciência, tecnologia e inovação sofre no Congresso Nacional”. Ele convocou todos a se posicionarem contra o Projeto de Lei 200/2015, que trata da redefinição do sistema de controle de ética e pesquisa. “Se este projeto de lei for aprovado, elimina a possibilidade do controle social do SUS continue tendo definições sobre os parâmetros éticos sobre definição e autorização de pesquisas clinicas no país. É importante que nós façamos ver que a possível aprovação desse PL fará com que as pesquisas clínicas no Brasil possam atender mais aos interesses do mercado e menos aos interesses da saúde. Mais aos interesses do capital internacional e menos os interesses da cidadania”, finalizou.
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