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Cartilha Saúde na Favela pela Perspectiva Antirracista é lançada na Fiocruz


21/12/2023

Luiza Toschi (Cooperação Social da Fiocruz)

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O seminário de lançamento da cartilha “Saúde na favela pela perspectiva antirracista” reuniu pesquisadores da Fiocruz, profissionais de saúde, moradores de favelas, articuladores de promoção da saúde e militantes do Movimento Negro Unificado (MNU) no auditório do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz), no campus Manguinhos da Fiocruz, no dia 13 de dezembro. O evento foi realizado pela Coordenação de Cooperação Social da Presidência da Fiocruz (CCSP) em parceria com o MNU, movimento também responsável pela produção da publicação. O projeto “A saúde na Favela pela Perspectiva Antirracista” realizou, durante o ano de 2023, o trabalho conjunto com lideranças de quatro territórios de favelas do Rio de Janeiro para a formação de promotores populares de saúde.  

A abertura do evento foi feita por Valéria Montezuma, psicóloga e bolsista de pesquisa da Cooperação Social. Valeria apresentou o projeto, sua composição e etapas e explicou que fez parte dele um monitoramento dos fatores de violência que atingem as populações dos quatro territórios. “Entendemos que o que une as quatro comunidades é a violência armada, mas ela se manifesta com particularidades para cada território”, disse Valéria. 

Em seguida, o documentário “Saúde antirracista na favela, é possível?”, produzido pela Fiocruz em parceria com nove organizações da sociedade civil, foi exibido e muito aplaudido pelo público ao final.  O filme dirigido por Edilano Cavalcante pauta os processos de formação e construção de redes nos territórios de favelas da Vila Cruzeiro, Jacarezinho, Vila Kennedy e Mangueirinha, localizadas no Rio de Janeiro. A obra apresentou a narrativa de moradoras, moradores e profissionais da saúde dos quatro territórios sobre a experiência do racismo no Sistema Único de Saúde (SUS). “O filme é um produto de divulgação científica mas é também um instrumento para levantar esse debate em qualquer outro espaço, seja um festival de cinema ou a sala de aula. Queremos fazer essa ponte com outros espaços sociais”, disse o diretor. 

Leonardo Bueno, coordenador do projeto pela Cooperação Social, fez uma saudação antes da mesa de debate, reconhecendo a articulação de Marcelo Dias, do MNU e de Leonídio Santos, coordenador da CCSP, para criar estratégias de intervenção nos territórios de favelas  para enfrentamento do racismo.  

“Nós vemos como uma obrigação de quem recebe dinheiro público atuar pela maior porcentagem da população trabalhadora desse país. Reconhecemos o desafio de discutir as questões raciais em âmbito local e a importância de criar bases aonde normalmente não chegam as atuações do movimento negro. Isso, apesar de esses territórios serem aonde a maior parte da população é negra e por isso sofre diversas consequências do racismo: econômicas, de acesso, de violência armada”, disse Leonardo, destacando a necessidade de reparação histórica do projeto para deixar um legado relacionado ao SUS.  

“O legado do projeto é formar cada vez mais as lideranças territoriais para que as ações de saúde não se deem apenas de maneira formal, mas nos determinantes sociais da saúde, que mudam de fato a vida das pessoas”, completou. 

A mesa “A saúde nas práticas antirracistas em favelas”, mediada pela integrante do MNU/RJ, Fátima Monteiro, contou com a participação de Hilda Gomes, coordenadora de Equidade, Diversidade, Inclusão e Políticas Afirmativas da Fiocruz (Cedipa/Fiocruz) e com João Batista, coordenador do MNU no Rio de Janeiro.   

“Nós somos de uma geração em que falar de racismo não era uma dinâmica na nossa vida e nós fomos criados e condicionados a não falar, a ficar em silêncio, andar devagar ou de cabeça baixa, a não sermos vistos para não incomodar, principalmente fora dos nossos espaços”, relatou Fátima Monteiro durante a abertura. Sobre as experiências e o conhecimento compartilhado durante a atuação do projeto a mediadora destacou: “Esse projeto não chegou lá para trazer uma proposta e depois ir embora e as pessoas ficarem lá. Foi um projeto pensado  para perpetuar essa busca incansável pela coletividade, pelos acessos, pelos direitos”.  

De forma explícita ou velada, o racismo ainda está presente nos ambientes de trabalho, universidades, equipamentos de saúde e espaços públicos, de acordo com os debatedores. Até mesmo geograficamente é possível observar os danos do racismo enfrentados pela população negra periférica que convive diariamente com diversos tipos de violência, segundo eles. 

“Essa violência diária, ela além de nos matar do ponto de vista físico, ela nos mata simbolicamente o tempo todo quando nos dizem que somos pessoas suspeitas, vítimas de desconfiança. Até hoje eu ando em uma loja e eu não levo uma bolsa grande e se eu quero pegar alguma coisa eu procuro a câmera, fico debaixo dela e abro a bolsa”, relatou a educadora Hilda Gomes. “Isso é muito doloroso o racismo é um problema de saúde pública, além de ser crime”.  

Em sua apresentação, Hilda destacou a questão do 18º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável de igualdade racial em complemento aos 17 já definidos pela ONU, por meio da Agenda 2030. “O ODS 18 já estava dentro de todos os outros objetivos quando a gente começa a pensar a quem afeta mais a pobreza, a miséria e violência no Brasil”. Além disso, a coordenadora destacou a atuação da Coordenação de Equidade, Diversidade, Inclusão e Políticas Afirmativas (Cedipa)  potencializando e fortalecendo as dimensões presentes nos enfrentamentos ao racismo, capacitismo, machismo, misoginia, xenofobia, LGBTQIA+fobia e diferentes violências de gênero e violações que comprometam o direito à vida das pessoas. 

O microfone foi aberto para receber perguntas do público, que em sua maioria trouxeram vozes sobre suas experiências durante a formação, as vivências de racismo vividas em seu cotidiano e a importância da luta para a sobrevivência dos jovens. Uma das participantes perguntou sobre o papel da espiritualidade na luta antirracista. Ao final do debate, o artista Joy fez uma improvisação contando a história da Vila Kennedy e sua experiência como homem negro morador da favela.  

“Ontem na Mangueirinha, eu ouvi do companheiro que tudo isso que estamos falando aqui o fez decidir que em 2024 ele quer fazer sua faculdade. Quando estamos juntos, repensamos, criamos força e coragem para fazer mudanças na nossa vida e na vida dos nossos”, disse Clarice Ávila, integrante do MNU, antes de abrir a segunda etapa do evento. Em seguida, ela recebeu a Assessora Técnica da Superintendência de Promoção de Saúde da Secretaria Municipal de Saúde (SMS/RJ), Cristiane Vicente. A mesa “Promoção da saúde integral da população negra” foi uma conversa com o público sobre a importância do debate sobre o racismo institucional nos serviços prestados pelo SUS. 

Após apresentar suas origens, Cristiane contou a história da construção da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, em 2009, e como a partir dela o racismo passa a ser reconhecido como um determinante social de saúde. No entanto, Cristiane observa que não há uma política implementada no território nacional e mesmo no município do Rio de Janeiro. “A primeira pergunta que me fazem é por que precisamos de uma política direcionada à população negra? Porque a branquitude não quer discutir o que nos adoece e como o estado está influenciando no fato de que um jovem negro morra a cada 23 minutos enquanto estamos aqui conversando”, explicou Cristiane sobre a importância da política. 

“Não dá para um profissional duvidar que a Cleo se chame Cleo por conta do preconceito advindo da sua prática religiosa. Se você não sabe cuidar de pessoas independente das suas crenças e ideologias, você não pode ser profissional de saúde”, completou. Ela continua dando exemplos de necessidades de adaptação dos atendimentos às especificidades étnico-raciais que, na sua concepção, não são discutidas nas práticas. 

Lançamento da cartilha 

No momento do lançamento da Cartilha “Saúde na favela numa Perspectiva antirracista”, um material para uso de moradoras, moradores e profissionais dos territórios, o pesquisador da Cooperação Social, Heitor Silva fez uma apresentação dos conteúdos da publicação. São temas do livreto: garantia de direitos e participação social através de propostas construídas pela periferia; diferenças, favelas, conjuntos habitacionais e loteamentos clandestinos: diferenças, semelhanças e contribuições a cidade; a atuação dos promotores e da população em busca de direitos da saúde; racismo e violência armada; crimes raciais; história, racismo e intolerância e saúde e violência obstétrica.

Em sua apresentação, Heitor falou sobre as informações colhidas no mapeamento durante o projeto em relação a outros dados pré-existentes sobre os territórios e bairros no município do Rio de Janeiro. Ele ressaltou, por exemplo, a questão da expectativa de vida comparando o bairro da Gávea, com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Rio de Janeiro e o Complexo do Alemão. Distantes um do outro 23km, a diferença de expectativa de vida entre eles é de mais de 15 anos. “Quem nasce no Complexo do Alemão tem uma expectativa de vida de 66 anos. Estamos falando de um século de diferença: na Gávea a expectativa de vida de 66 anos é coisa do século passado”, explicou. Ele ressalta que essa diferença tem relação direta com os determinantes sociais da saúde: acesso aos serviços de saúde, alimentação de qualidade, racismo, entre outros. 

Ao final, o livreto foi distribuído para todas as pessoas presentes. A política de distribuição da cartilha será a partir dos quatro territórios que participaram dos ciclos formativos, através das redes construídas com as organizações territoriais. Além disso, está sendo estabelecida uma agenda com outras localidades que tenham interesse em fazer parte da campanha: veiculando a publicação e o documentário. 

O seminário foi coberto na ocasião por jornalistas da página Vila Cruzeiro RJ Oficial. Após o evento, o lançamento da cartilha foi divulgado pela Agência Brasil, o portal Terra e pela página Alma Preta Jornalismo.

Sobre o projeto  

O projeto “Saúde na favela pela perspectiva antirracista” objetiva a formação em Promoção da Saúde com acolhimento, escuta ativa, e enfoque antirracista voltada para moradores de quatro favelas do Rio de Janeiro que tenham passado por violações de direitos humanos. Também visa analisar as demandas locais frente a disponibilidade de serviços psicossociais para moradores dessas favelas na perspectiva antirracista do compartilhamento de Saberes Ancestrais, sobretudo reconhecendo e valorizando tais saberes que estão presentes nos quatro lugares de atuação do projeto. O projeto é realizado pela Coordenação de Cooperação Social da Fiocruz, em parceria com o Movimento Negro Unificado (MNU) e conta com o apoio da Biblioteca Parque de Manguinhos, do Centro de Referência Para a Saúde da Mulher (Cresam), da Associação Brasileira Terra dos Homens, do Projeto Cultural Arte Transformadora, da Igreja Batista Central do Centenário e do Centro Comunitário Irmãos Kennedy.

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