16/12/2014
Por Clarisse Castro/Portal Fiocruz
A recomendação da Organização Mundial de Saúde é clara: o melhor alimento para o bebê é o leite materno, e até os seis meses a orientação é de que ele seja único. Longe de ser um consenso, no entanto, a amamentação exclusiva é uma prática cercada de mitos e nem sempre realizada de modo simples para a mãe e para o neném. Pensando em esclarecer as principais dúvidas que surgem durante o processo de amamentar, conversamos com a enfermeira Nina Savoldi e a médica Marlene Assumpção, do do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz). Vejam a seguir o que elas explicam sobre algumas das principais dificuldades apresentadas por quem procura o IFF.
Leite materno: os desafios de garantir amamentação exclusiva até seis meses do bebê
O bico do seio
Existem três tipos mais comuns de bicos de seios: normal, plano, e hipertrofiado (ou hiper grande). Com o bico normal a mãe vai conseguir amamentar mais rápido e com menos dificuldade, mas nenhum outro tipo impede a amamentação. “A recomendação é que a mãe posicione bem o bebê, de modo que ele abocanhe a aréola do seio, pois o bico vai se formar no ato da sucção”, descreve Nina Savoldi. Estimular a formação do bico através de massagem pode ajudar, mas não em excesso, especialmente se a mulher ainda estiver gestante, pois o estímulo nervoso na região pode ajudar na produção do hormônio ocitocina, que manda mensagem ao útero para se contrair e acelerar o trabalho de parto.
O uso de acessórios como bicos e conchas de silicone também não é recomendado pela OMS, e a enfermeira explica a razão. “As propagandas incentivam bastante a compra de acessórios, alegando que aquilo pode facilitar a formação do bico ou a pega do leite, mas o uso desses aparatos pode ocasionar diversos problemas. O principal deles é que o bebê vai se acostumar com aquele tipo de bico e não vai se esforçar para se adequar ao da mãe, o que desestimula o aprendizado da amamentação”. A mesma coisa ocorre com a mamadeira, porque nenhum bico artificial se compara ao natural. Se a mãe precisar utilizar a concha por sentir que dá mais comodidade ao evitar eventuais vazamentos de leite, ela deve ficar atenta para não deixar que o bico fique úmido por muito tempo, pois isso ajuda a formar fungos.
Durante esse processo de aprendizagem da amamentação correta, tem um ponto que faz muitas mulheres sofrerem bastante: o bico do peito fica ferido ou machucado. Nesses casos, embora alguns médicos recomendem pomadas à base de substâncias naturais, uma receita simples que não é muito ensinada às mães quase sempre é a melhor solução: passar um pouco do próprio leite sobre o peito. A publicitária Rosa Rocha aprendeu isso na prática. “Meus seios racharam e doeram bastante. Eu sempre limpava após a amamentação, depois passava uma pomada própria, mas com o tempo fui percebendo que o próprio leite materno era cicatrizante. Foi quando melhorei muito”. Lavar demais o peito também é desnecessário, orienta Nina. “Fórmulas, pomadas e óleos deixam o peito muito liso, o que aumenta a dificuldade da pega. E lavar demais o seio reduz sua imunidade. Hoje nós recomendamos lavar bastante as mãos, mas essa dica não vale para as mamas, que devem ser lavadas apenas no banho”.
Rosa Rocha e Maria Flor, que mamou até os 11 meses. Foto: Carlos Lustosa
O leite “empedra” no peito
Em algum momento dessa reportagem, você vai perceber que as recomendações parecem repetir um mantra: massagear, massagear, massagear. A receita vale especialmente para quando o peito está cheio demais, o que ocorria com a professora Raquel Felipe, mesmo quando sua filha Isadora passou a ter horas certas para mamar. “Achava o máximo o peito encher de leite quando se aproximava a hora de amamentar, mesmo minha filha não estando comigo. Pensava: como a natureza é perfeita”, relembra. A massagem serve tanto para estimular a produção quanto a saída do leite. “Quanto mais macio estiver o peito, mais fácil se torna a mamada para a mãe e para o bebê. Quando o seio estiver muito duro, o recomendado é também fazer ordenha. Em alto estado de rigidez, o bebê não consegue fazer a sucção”, explica Nina.
Raquel e a pequena Isadora, o peito cheio na hora de mamar. Foto: Talita Felipe
Se o leite se acumula demais no peito, é comum gerar a mastite, processo inflamatório que pode ocorrer em uma mama ou nas duas, caracterizado por vermelhidão, endurecimento dos seios e muita dor. “No que se refere aos seios, geralmente um problema leva ao outro. Deixar de amamentar pode levar à mastite, mas é importante ressaltar que nenhuma dessas situações impede a amamentação. No caso da mastite a mãe vai tomar medicamento, geralmente antibiótico, mas não precisa parar de amamentar”.
Livre demanda
Outro dilema com o qual as mães se deparam durante a amamentação é sobre deixar o bebê mamar livremente ou controlar o horário das mamadas desde o início. No IFF, os profissionais recomendam a amamentação por livre demanda, sempre que bebê e mãe quiserem e necessitarem, porque estimula a produção de leite, fortalece o vínculo da mãe com o bebê e faz com que ele ganhe o peso que necessita, dentre outros fatores. E como reconhecer essa necessidade no bebê? Para a comunicóloga Tyciane Vaz, o tempo ajudou a dar segurança. “Acredito que no primeiro mês esses sinais eram mais difíceis de serem identificados. Talvez por ainda estarmos nos conhecendo e por eu não saber se o choro era mesmo fome, cólica, fralda suja ou somente sono. Passado o primeiro mês, mais caótico para toda mãe de primeira viagem, acredito, comecei a identificar melhor os sinais, que também ficaram mais claros, como o bebê abrir a boca ao encostar no meio seio”, conta.
Lucas, Tyciane e o pequeno Arthur, que ainda mama
Se o neném buscar superfícies para sugar, movimentar muito os lábios, mexer os olhinhos, é hora de acionar o peito, explica Nina. “Às vezes a mãe quer acreditar que é outra razão e dá a chupeta, o que confunde e prejudica o desenvolvimento natural da criança. Amamentar por livre demanda não deve ser uma preocupação para a mãe porque essa prática não vai prevalecer o tempo inteiro, ocorrerá apenas até o segundo, terceiro mês, tempo necessário para o bebê aprender a mamar de forma mais proveitosa, e se saciar mais plenamente. Daí ele mesmo passa a solicitar menos”. O ideal também é não regular os minutos que o bebê vai passar em cada peito. A boa mamada é aquela onde ele fica bastante num mesmo seio até alcançar o leite posterior, que é mais rico em gordura e em proteínas. “Na próxima mamada, aí sim, troca de seio”.
Treinar a ordenha para armazenar o leite é uma boa estratégia para dar continuidade à amamentação quando a mãe precisar retornar ao mercado de trabalho. Ela faz a ordenha, armazena, congela e transporta o líquido sempre em bolsa isotérmica. Quando o bebê for tomar o leite, a pessoa responsável deve descongelá-lo em banho-maria, mexer de modo a deixa-lo homogêneo e dar ao bebê. O leite armazenado tem validade de 15 dias e, depois de descongelado pela primeira vez, de doze horas. Por isso é importante guardá-lo em recipientes pequenos, para evitar desperdício.
O leite é fraco ou pouco?
Esse é um dos maiores mitos que envolvem o processo de amamentação. Segundo a médica Marlene Assumpção, não existe leite fraco, pois todos os leites maternos têm a mesma composição. “Quem toma ômega ou outros tipos de vitaminas pode ter algo a mais no leite, mas nada disso é fundamental. Mulheres que passaram por cirurgias plásticas, como a mamoplastia — sobretudo as mais antigas, quando eventualmente os processos retiravam glândulas mamárias das pacientes — podem até passar a produzir menos leite, mas não em qualidade inferior”, afirma. Nos casos em que de fato ocorra uma redução na produção de leite, então a recomendação é complementar com um copinho, com leite doado, se conseguir, ou fórmula recomendada pelo pediatra. Mas esses são casos muito raros, diz a médica.
Quanto mais e melhor a mãe está amamentando, especialmente nos primeiros meses, mais o bebê solicita o peito, o que pode gerar a ilusão de que a criança não está conseguindo se alimentar bem. A questão é que o leite materno tem maior digestibilidade que qualquer leite artificial, por isso o neném sente fome mais rápido. “O leite materno é o melhor alimento porque é mais leve e consegue atender a todas as necessidades alimentares do bebê. Além disso, ajuda a deixá-lo mais seguro e ensina sobre saciedade, evitando a obesidade no futuro. Passados os primeiros meses, é possível estabelecer horários com maior segurança, já que o bebê estará mais pleno, mais nutrido”, assegura Marlene.
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