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Fiocruz amplia monitoramento de hepatite Delta em comunidades ribeirinhas


19/07/2024

José Gadelha (Fiocruz Rondônia)

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Silenciosa, a hepatite Delta (HDV) vem preocupando pesquisadores da Fiocruz e autoridades da saúde, em comunidades ribeirinhas localizadas na região Sul do Amazonas, para onde uma equipe de pesquisadores do Laboratório de Virologia Molecular da Fiocruz Rondônia e profissionais de Saúde de Lábrea-AM se deslocou no último mês de junho. Às margens do Rio Purus, a cidade de 45 mil habitantes – que fica a 407 km de Porto Velho e a 850 km de Manaus – tem aproximadamente 1,4 mil casos notificados da doença e apenas 140 pacientes em acompanhamento, de acordo com o Centro de Testagem Rápida e Aconselhamento (CTA) da Secretaria Municipal de Saúde (SEMSA-Lábrea).

Durante dois dias foram realizados testes rápidos e exames laboratoriais, mas o foco principal da equipe foi o diagnóstico e rastreamento das hepatites virais, em especial a hepatite Delta, que é o tipo mais agressivo (Foto: Fiocruz Rondônia)  

Entre 2000 e 2022 foram diagnosticados no Brasil 4.393 casos de hepatite Delta. A maior incidência ocorreu na Região Norte, com 73,1% dos casos, seguida das regiões Sudeste (11,1%), Sul (6,6%), Nordeste (5,9%) e Centro-Oeste (3,3%). Em 2022 foram 108 novos diagnósticos, com 56 (51,9%) casos confirmados na Região Norte e 23 (21,3%) no Sudeste. Os dados estão disponíveis no último Boletim Epidemiológico sobre Hepatites Virais (2023) divulgado pela Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde e revelam a gravidade do problema de saúde pública que se junta a numerosas demandas sanitárias que essas localidades de difícil acesso na Amazônia enfrentam diariamente. 

Em Lábrea, a equipe de pesquisadores e profissionais de saúde percorreu as comunidades ribeirinhas de Várzea Grande e Acimã, no Rio Purus. Durante dois dias foram realizados testes rápidos e exames laboratoriais, mas o foco principal da equipe foi o diagnóstico e rastreamento das hepatites virais, em especial a hepatite Delta, que é o tipo mais agressivo. O atendimento clínico de 40 pacientes que já haviam sido diagnosticados com a doença, em ações anteriores, foi realizado pela médica gastroenterologista e hepatologista Eugênia de Castro e Silva, do Ambulatório de Hepatites Virais de Porto Velho. 

Na ação de junho foram atendidos 113 moradores nas duas comunidades, sendo que 16 foram diagnosticados com hepatite D. As amostras são levadas para a Fiocruz Rondônia onde são processadas e avaliadas e os indivíduos com diagnóstico positivo são assistidos pela equipe de saúde de Lábrea e o Ambulatório de Hepatites Virais, que auxilia na conduta clínica dos pacientes. 

Monitoramento de pacientes ampliado

A coordenadora da equipe, Deusilene Vieira, chefe do Laboratório de Virologia Molecular, explica que o rastreio e monitoramento das hepatites virais já vinha sendo realizado em Rondônia, mas foi ampliado para as comunidades ribeirinhas do Sul do Amazonas em dezembro de 2023, após a chegada ao Hospital Cemetron, em Porto Velho, de dois irmãos vindos de Lábrea, com 19 e 23 anos, com suspeita de superinfecção para o vírus da hepatite Delta. Na ocasião, a Fiocruz Rondônia foi convidada a fazer os testes de carga viral nos pacientes, por meio do método molecular para quantificação do vírus HDV, desenvolvido pelo Laboratório de Virologia Molecular e, atualmente, já aplicado no diagnóstico e monitoramento de pacientes nos estados de Rondônia e Acre.

“A chegada desses dois pacientes acendeu um alerta para que investigássemos as circunstâncias de transmissão e os possíveis fatores envolvidos na propagação da doença, considerando o contexto familiar em que esses casos surgiram e o fato de Lábrea ser uma região endêmica para a hepatite Delta. Então, nós decidimos ampliar o rastreio para outras localidades”, comenta Deusilene Vieira. 

A pesquisadora destaca que o método molecular preenche uma lacuna significativa na descoberta de novos casos de hepatite Delta na Amazônia. E, consequentemente, no rastreio e acompanhamento dos pacientes, uma vez que a rede pública dispõe o teste de carga viral apenas para hepatite B, e os exames sorológicos disponíveis no SUS demonstram somente se o indivíduo teve contato com o vírus, sem informar a atual carga viral e se o vírus está se replicando no organismo, o que é extremamente importante para a definição da conduta clínica adequada ao paciente. 

Desafios da saúde em comunidades ribeirinhas

Em meio aos desafios da saúde, fatores logísticos e a distância entre as comunidades ribeirinhas e os centros de referência agravam ainda mais o acesso da população ao atendimento especializado e ao Sistema Único de Saúde (SUS). Para Keyth Ellen, gestora do Centro de Testagem Rápida e Aconselhamento e coordenadora dos programas de HIV, sífilis e hepatites virais em Lábrea, a maior preocupação, atualmente, é oferecer um acompanhamento de qualidade aos portadores crônicos de hepatites.

De Lábrea a Manaus são 30 horas de viagem pela BR-319, um percurso que de barco pode levar até cinco dias. O município não conta com médico infectologista, nem estrutura laboratorial adequada à realização de exames mais específicos, o que acaba dificultando o monitoramento dos casos de hepatite Delta. Mas, “por meio dessa parceria com a Fiocruz Rondônia, nós conseguimos ter acesso aos pacientes, saber a carga viral dos portadores crônicos e oferecer um acompanhamento mais humanizado, conforme a necessidade de cada caso”, enfatiza Keyth. Ela também argumenta que espera poder ver, em breve, a tecnologia desenvolvida pela Fiocruz Rondônia incorporada ao SUS, podendo atender as necessidades de outras comunidades.

Parte dos trabalhos realizados em Lábrea pela equipe da Fiocruz Rondônia esteve voltada à capacitação de profissionais da saúde. Na última ação, médicos, enfermeiros e técnicos participaram de uma capacitação sobre as hepatites virais, ministrada pelas pesquisadoras Eugênia de Castro e Deusilene Vieira. Na capacitação, os profissionais puderam esclarecer dúvidas e compartilhar experiências e desafios diários na rotina do SUS.

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