01/09/2022
Danielle Monteiro (Ensp/Fiocruz)
“Testar nos deixa mais fortes”. Com esse lema, o projeto A Hora é Agora aterrissava em Curitiba, Paraná, com a missão de ampliar o acesso à testagem e tratamento para populações-chave de gays jovens e outros homens que fazem sexo com homens, nas quais a epidemia do HIV aumentava. O ano era 2014. De lá para cá, a iniciativa cresceu e hoje desenvolve ações também nos municípios de Florianópolis, Campo Grande, Porto Alegre e Fortaleza voltadas ainda a trabalhadores e trabalhadoras do sexo, pessoas trans e travestis e usuários de drogas injetáveis.
O A Hora é Agora é fruto de um acordo de cooperação entre a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), a Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde (Fiotec) e os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos da América (CDC), com recursos do Plano de Emergência do Presidente dos EUA para Alívio da Aids (PEPFAR). O acordo teve início em 2003 e continua vigorando com resultados promissores. Nessa segunda-feira (29/08), técnicos da organização e da iniciativa governamental norte-americanas visitaram a Fiocruz para conhecer a instituição e ter uma compreensão mais ampla sobre o funcionamento local da cooperação.
O acordo de cooperação, que se renova a cada cinco anos, compõe ações direcionadas não somente ao HIV, mas também a outras doenças emergentes, de acordo com a situação pandêmica ou epidêmica, em conjunto com outras unidades da Fiocruz. Ao longo de 20 anos de parceria, já foi possível desenvolver iniciativas voltadas ao enfrentamento do Zika Vírus, tuberculose, malária e, mais recentemente, à Covid. “A parceria com a Fiotec também tem sido fundamental para que consigamos desenvolver projetos tão inovadores e de tamanha complexidade de ações que envolvem essa cooperação”, destacou a pesquisadora da ENSP e coordenadora do acordo no Brasil, Marly Cruz, durante o encontro.
Na ocasião o diretor regional do CDC para as Américas e Kenya, Paul Young, se mostrou satisfeito com a cooperação e elogiou a inovação e o comprometimento da Fundação, assim como a atuação da instituição voltada a populações vulneráveis no projeto. “Esse encontro representa o comprometimento da Fiocruz e do CDC em levar a parceria adiante. É importante frisar que temos trabalhado juntos por 20 anos. Espero que renovemos essa cooperação para os próximos cinco anos e que ela dure ainda mais 20 anos, e possa ganhar visibilidade também fora do Brasil”, afirmou.
Presente ao encontro representando a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, a vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Cristiani Machado, destacou a longa história de cooperação entre o CDC e a Fundação com foco na prevenção e controle do HIV e Aids voltados a populações em situações de vulnerabilidade. Ela também ressaltou a adaptação e incorporação de outros problemas de saúde pelo Acordo de Cooperação no Brasil, assim como o potencial de continuidade e desdobramento da parceria, com a visita do CDC e Pepfar. “Além de abarcar outras doenças, o acordo também expandiu seu foco, que antes era na avaliação e monitoramento, utilizando inovações para se tornar também um projeto de pesquisa atrelado à intervenção. Esse encontro foi um momento muito importante de balanço deste acordo de cooperação. Vemos desdobramentos possíveis tanto em termos de incorporação de vertentes de novas linhas de ação quanto, eventualmente, de expansão territorial. O desdobramento das ações junto aos migrantes foi elogiado pelo grupo e visto como possibilidade de fortalecimento de parceria na cooperação”, analisou.
Marly explicou que o CDC dá o suporte técnico e Pepfar o apoio financeiro para o desenvolvimento das ações para o enfrentamento do HIV e Aids no Brasil. Como uma condição do financiador, foi sugerido que o projeto tenha foco em segmentos mais vulnerabilizados. “A população-chave do A Hora é Agora, além de ter maior concentração em termos de incidência de HIV, é a que mais sofre estigma e discriminação, além de enfrentar as muitas barreiras de acesso à prevenção, ao diagnóstico e tratamento do HIV”, disse.
Inovação para tratamento imediato e adesão
Inovação é a palavra-chave do A Hora é Agora. O projeto prioriza a prevenção combinada e faz uso de tecnologias inovadoras, como o fornecimento de CD4, carga viral e creatinina rápidos, para oferecer o tratamento imediato aos reagentes ao vírus. “Se o(a) usuário(a) tiver uma sorologia positiva, ele(a) pode sair da unidade no mesmo dia já com o seu tratamento definido. Quanto mais cedo a pessoa se trata, mais cedo ela fica indetectável para sua carga viral, não transmitindo mais o HIV. Caso o(a) usuário(a) tenha sorologia negativa, é orientado(a) para as diferentes estratégias de prevenção”, explicou Marly.
O usuário também tem acesso a um armário e clínica virtuais, de onde ele pode solicitar o autoteste e antirretrovirais, podendo recebê-los também em casa pelos correios. A população-chave com resultados reagentes para o HIV pode ainda ser acompanhada por um linkador, membro da equipe do projeto, que auxilia nas dificuldades que o usuário venha a enfrentar, seja para encarar seu resultado, realizar exames na rede de atenção ou fazer uso da medicação. “É uma abordagem diferenciada dos(as) usuários(as), algo novo no Brasil. Fazemos todo o acompanhamento dessa linkagem, pois a nossa intenção é que o usuário comece o tratamento o mais cedo possível e não interrompa seu cuidado para que, assim, consigamos interferir no ciclo de transmissão do HIV, com atendimento mais humanizado e com zero estigma e discriminação”, disse Marly.
Ela destacou que o projeto visa fortalecer a atenção ao HIV/Aids nas cinco cidades partindo-se sempre da compreensão de que o SUS é universal. Por isso, para se aproximar da população-chave, o A Hora é Agora faz uso de estratégias de comunicação nas diferentes mídias sociais, redes de sociabilidade e em ações corpo a corpo, para a sensibilização da prevenção combinada, com orientações sobre solicitação do autoteste pela plataforma digital no site do projeto e indicação dos serviços da cidade para prevenção, testagem e tratamento imediato. “A parceria atual com a UNAIDS tem possibilitado muito aos municípios melhorar suas ações de comunicação, sobretudo para a redução do estigma junto aos serviços”, afirmou Marly.
Perspectivas de cooperação
Por conta do sucesso dos resultados alcançados pelo acordo de cooperação, a ideia é ampliar a parceria, segundo a coordenadora do acordo no Brasil. Ao final do atual ciclo do projeto, que encerra em 2023, ele será levado a algum município da região norte do Brasil. “Como estamos falando em pessoas mais vulnerabilizadas, é nessa região que vemos grande dificuldade não somente de acesso à prevenção e ao diagnóstico do HIV, mas também de manutenção do tratamento”, afirmou.
Marly adiantou que as estratégias do A Hora é Agora estão sendo ampliadas para além das populações-chave nos municípios, devido às interrupções de tratamento decorrentes do período de pandemia de Covid-19: “São duas as ações transversais fundamentais para o projeto: a área de comunicação e a de monitoramento. A comunicação é fundamental para chegarmos mais perto de quem não chega ao serviço de saúde. E o monitoramento para fazermos um acompanhamento contínuo e sistemático dos efeitos alcançados. Por isso, estamos trabalhando mais próximos das ONGs, o que pretendemos estender em uma próxima cooperação”.
Ainda participaram do encontro, pela Fiocruz, a vice-diretora da Ensp, Marismary De Seta; o coordenador adjunto do Centro de Relações Internacionais em Saúde (CRIS/Fiocruz), Pedro Burger, que na ocasião fez uma apresentação sobre as cooperações internacionais da Fiocruz; e a diretora técnica da Fiotec, Cristiane Sendim, que discorreu sobre a atuação da Fundação junto ao acordo de cooperação.
Mais em outros sítios da Fiocruz