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Boaventura de Sousa Santos participa da abertura do ciclo de seminários sobre Ecocídio e Globalização dos Cerrados 


13/03/2023

Suzane Durães (SAS/VPAAPS/Fiocruz)

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No dia 9 de março, a Fiocruz iniciou  o Ciclo de Seminários da pesquisa “Ecocídio e Globalização dos Cerrados Brasileiros: resistências e lutas dos povos e comunidades originários e tradicionais pelos direitos à saúde e à vida”. O seminário de abertura abordou o tema “A Estratégia para a Sustentabilidade e a luta contra o Ecocídio”. 

A iniciativa é desenvolvida no âmbito da cooperação internacional entre a Fiocruz e o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES/Coimbra). O estudo é coordenado por Guilherme Franco Netto que também coordena o Programa de Saúde, Ambiente e Sustentabilidde da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS/Fiocruz), em parceria com os professores João Arriscado Nunes (CES/Coimbra) e Marcelo Rasga Moreira (Ensp/Fiocruz). O objetivo é dar visibilidade ao ecocídio a que povos originários e comunidades tradicionais dos cerrados brasileiros são submetidos. 

A mesa de abertura do seminário contou com a participação do diretor emérito do CES, Boaventura de Sousa Santos; o diretor do CES, Antônio Sousa Ribeiro; o diretor da faculdade de Economia/CES, Álvaro Garrido, a presidente do Conselho Científico/CES; Ana Cordeiro dos Santos, o vice-presidente da VPAAPS/Fiocruz, Hermano Castro; o diretor da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), Marco Menezes; a representante da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, Maiana Maia Teixeira; a coordenadora do Tribunal Permanente dos Povos, Simona Fraudatario, entre outros convidados.

O diretor do CES abriu o seminário dando boas-vindas aos participantes e contextualizou a importância da cooperação com a Fiocruz e a construção conjunta do conhecimento. "Estamos aqui para pôr em andamento esse nível supremo de colaboração que queremos consolidar e que queremos que produza frutos significativos nos anos futuros. Vamos então caminhar em conjunto reforçando os laços entre as nossas duas instituições", destacou.

Boaventura de Sousa Santos ressaltou a longa parceria entre o CES e a Fiocruz que já dura cerca de 20 anos. “O CES tem dezenas de acordos de cooperação, mas não nenhum como o que temos com a Fiocruz. Ao longo de todos esses anos de cooperação com a Fiocruz, os nossos primeiros trabalhos de colaboração foram na área de direitos humanos, depois com as epistemologias, sustentabilidade e ecologias de saberes”, disse. 

Santos ainda destacou a parceria entre o CES, a Universidade Paris 8 e a Fiocruz. A parceria visa desenvolver espaços de articulação que estabeleçam diálogos interdisciplinares e interculturais da saúde coletiva entre as instituições envolvidas, em especial com as ciências sociais e humanas, a educação e as ciências ambientais, coadunando-se com os referenciais pós-coloniais, como o das Epistemologias do Sul, uma das bases conceituais da cooperação.

O diretor emérito acompanhou atentamente todas as explanações dos palestrantes, ressaltou a importância do projeto e apontou seis conceitos em que o CES poderá contribuir no projeto e que deverão ser incluídos ao projeto. São eles: 1. Ecologia dos saberes (um dos principais conceitos da epistemologia do sul); 2. Colonialismo interno (caracteriza a permanência de estruturas de poder colonial nas sociedades); 3. Modelo de desenvolvimento (há quem defenda modelos alternativos e quem rejeita a ideia de desenvolvimento); 4. Teoria de transição (a globalização com suas características dominantes); 5. Direitos da natureza (novas formas jurídicas que representam uma ruptura da tradição dos direitos eurocêntricos; 6. Ecocídio/Ecogenocídio (ecocídio obriga uma responsabilidade criminal).

Hermano Castro, que participou do seminário presencialmente em Coimbra, relatou o trabalho realizado pela Fiocruz frente a tragédia sofrida pelos povos Yanomami, na qual ele tem acompanhado de perto. “O que está acontecendo no território Yanomami deve servir de alerta para toda a sociedade e para que possamos mudar efetivamente o modo de cooperar nos territórios”. 

O vice-presidente espera que a cooperação com o CES possa entender o processo de territorialização e a precarização que ocorre nos territórios e avalia que o que será apresentado ao longo da pesquisa poderá apontar algumas reparações e alguns caminhos para orientar políticas públicas. Para ele, a justiça ambiental precisa ser feita e ela não pode ser uma retórica, precisa ser concreta. 

Marcos Menezes também estava presente e contextualizou o momento político do Brasil e as parcerias com o CES. “Na Ensp temos discutido o nosso papel de sanitarista. O papel de sanitarista é radicalizar no ‘fazer como’ com a sociedade. O debate com a sociedade precisa ser amplo e horizontal”, afirmou.

Quanto a parceria com o CES, Menezes disse que o principal desafio é pensar os territórios de forma global, pois “Estamos num momento de esperançar, usando as palavras do educador Paulo Freire”. Ao destacar a volta do Brasil ao mapa da fome, disse que apenas quatro em cada dez famílias brasileiras tem acesso pleno a alimentação. “No Brasil a fome tem cor, gênero e endereço”, acrescentou. 

Esse ciclo de seminários faz parte da primeira etapa do estudo coordenado por  Guilherme Franco Netto. Ele explicou que a pesquisa tem como base as evidências identificadas em 15 comunidades dos cerrados brasileiros - que vivem em oito dos 11 estados abrangidos por este bioma -, nas quais o ecocídio foi denunciado pela Campanha Nacional em Defesa do Cerrado ao Tribunal Permanente dos Povos (TPP), com sede em Roma/Itália. A convite da Campanha, em julho de 2022, Netto e pesquisadores da Fiocruz acompanharam a audiência final do TPP. “Senti uma profunda indignação com os relatos de ecocídio vivido pelos povos do Cerrado e isso resultou neste projeto”, explicou. 

A situação do Cerrado e os povos cerratenses foi trazida ao seminário por Maiana Maia Teixeira. Segundo ela, é urgente conhecer o Cerrado. O bioma possui 5% da biodiversidade do planeta e abriga uma teia gigante de povos e comunidades tradicionais que representam a diversidade dessa região e são considerados os guardiões do patrimônio ecológico e cultural da região.  “Hoje o Cerrado, que é o berço das águas do país, é considerado uma área de sacrifício do agronegócio brasileiro com mais de 50% da sua área devastada, onde são consumidos mais de 941 mil litros de água por segundo”, revela.

Também presente no seminário, Simona Fraudatario, explicou sobre o Tribunal Permanente dos Povos que julgou o crime de ecocídio contra o Cerrado e o genocídio de seus povos. Criado nos anos 70, com sede em Roma/Itália, o TPP é considerado um tribunal de opinião dedicado aos direitos dos povos, sem efeito condenatório do ponto de vista jurídico, mas com peso simbólico. “O TPP é ativado em momentos específicos quando e onde se reproduz uma ruptura entre o direito e a vida dos povos ou quando as normas são insuficientes e necessitam aportes de parte das comunidades para criar uma maior proximidade entre povos e direitos, entre vidas e direitos”, ressaltou.

Simona destacou ainda que foram elaboradas várias recomendações sobre a sentença. A primeira delas recomenda a promoção de um debate amplo, plural, democrático sobre projetos de desenvolvimento econômico nacional, regional e local que não privem os povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais de seus direitos de conceber sua própria visão de desenvolvimento e autodeterminação. 

O próximo seminário será realizado no dia 15 de março, a partir das 10h, com o tema “Aportes teóricos ao estudo do ecocídio e da globalização dos territórios: dialética e materialismo no século XXI”.

Saiba mais e confira a agenda completa do Ciclo de Seminários

Fotos - Vilma Reis e Luís Serrano

 

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