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G-Stic 2023: painéis discutem desafios na ampliação do acesso a vacinas


15/02/2023

Flávia Ribeiro (G-Stic)

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Os desafios e as perspectivas para o desenvolvimento e a ampliação da produção local de vacinas foram destaque na 6ª Conferência Global de Ciência, Tecnologia e Inovação (G-Stic 2023), em dois painéis realizados nos dias 14 e 15 de fevereiro, no Rio de Janeiro. As plenárias reuniram representantes de organizações públicas e privadas com o objetivo de buscar sinergias visando avançar na agenda para a aceleração do acesso a vacinas. Em suas apresentações, os conferencistas reiteraram a criticidade da atual conjuntura, em especial na América Latina e em países em desenvolvimento, onde a desigualdade de acesso e o aumento das emergências sanitárias torna ainda mais importante encontrar respostas que ampliem a cobertura vacinal.

Painéis debateram os desafios e as perspectivas para o desenvolvimento e a ampliação da produção local de vacinas (foto: Eduardo Napoli / Gopala Filmes)

 

“Há um enorme desequilíbrio na distribuição e no acesso a vacinas no mundo. Não apenas em função de limitações de natureza econômica ou financeira, mas também por barreiras políticas e sociais. Esse contexto é agravado por uma capacidade de produção muito limitada para vacinas em âmbito mundial”, observa James Fitzgerald, diretor de Serviços de Saúde para a América Latina da Organização Mundial da Saúde (OMS). “Embora existam células de excelência em alguns países, a América Latina ainda tem uma enorme dependência de importações. A produção está concentrada em três ou quatro fabricantes. E quando esta concentração acontece em um momento de restrições ou barreiras alfandegárias, gera problemas em cascata. A capacidade de produção também é muito heterogênea em toda a América Latina”, complementa.

Embora a OMS venha empenhando esforços desde 1998 para ampliar a interlocução entre os setores públicos e privados visando mitigar os principais entraves nas capacidades locais de produção e distribuição de vacinas, a organização vê com apreensão a gradativa redução da cobertura vacinal, que é observada de forma particularmente mais significativa nos países em desenvolvimento. “Temos trabalhado para aproximar a área acadêmica, as áreas de pesquisa e desenvolvimento das organizações privadas aos agentes regulatórios e os agentes políticos de modo a dar celeridade ao processo de aprovação. Esse esforço tem sido fundamental para viabilizar a transferência de tecnologia necessária para garantir celeridade de acesso ao desenvolvimento de vacinas de RNA mensageiro, por exemplo. Mas se não formos capazes de endereçar o quanto antes a questão da queda nos níveis de vacinação, as ações empenhadas por nós até aqui podem não ser suficientes para garantir maior efetividade”, observa Fitzgerald.

Atuar sobre um terreno mais organizado é também a preocupação de Ethel Maciel, Secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde (MS). Maciel anunciou que o Ministério deve iniciar, no próximo dia 27 de fevereiro, uma grande ação nacional publicitária para chamar a população e recuperar a confiança no programa nacional de vacinação. A ação deve se estender ao longo de todo o ano, alertando a população sobre a importância da imunização.

Ethel Maciel anunciou que o Ministério deve iniciar, no próximo dia 27 de fevereiro, uma grande ação nacional publicitária para chamar a população e recuperar a confiança no programa nacional de vacinação (foto: Eduardo Napoli / Gopala Filmes)

 

"A falta de planejamento congregada com a total falta de comunicação sobre a importância da vacina nos levou a esse lugar. Nós chegamos a ter mais de 90/95% de cobertura vacinal e encontramos o país caindo para 50/60% de cobertura. Como houve uma ruptura de confiança no pacto federativo, agora precisamos reconquistar nossos parceiros habituais e toda a sociedade", explica Maciel. “Sabemos que 2023 será um ano de transição. Um momento de pronta demanda de vacinas e estamos empenhados na recuperação do nosso protagonismo na interlocução com os entes federativos. No Brasil, o sucesso da estratégia de vacinação está diretamente relacionado com a capacidade de interlocução com os Estados e Municípios”, complementou.

Ampliação do diálogo e a interlocução para mais eficiência na cobertura vacinal

Aumentar o diálogo e a interlocução também está nos planos do setor privado. Os representantes de Pfizer e AstraZeneca presentes ao painel do dia 14 compartilharam experiências e lições aprendidas com a pandemia da Covid-19. “Nós disponibilizamos acesso voluntário e encontramos mais de 20 parceiros em todo o mundo. Nossa visão era desenvolver uma vacina que fosse acessível e, com os esforços de fabricação local e a vontade de fazer de todos os interlocutores, hoje já temos mais de três bilhões de doses aplicadas em todo o mundo”, reconhece Hugo G. da Silva, head global de vacinas da AstraZeneca.

“Enfrentar um desafio com a dimensão de uma pandemia nos trouxe pelo menos quatro lições importantes. Primeiro, a importância de se fomentar e aumentar a relação com as instituições públicas de forma continuada, visando o estabelecimento de parcerias com a indústria farmacêutica. Em segundo lugar, direcionar esforços que contribuam com a multiplicação ou o estabelecimento de uma capacidade de produção local adequada. Além disso, contribuir para a construção de centros de dados para orientar a tomada de decisão e combater a hesitação e a desinformação sobre a vacinação”, destacou.

Gerente de Inovação do Instituto Butantan, Cristiano Pereira também concorda que a busca contínua por parcerias seja fundamental para o desenvolvimento da inovação. “Foi assim que chegamos à Sinovac, naquele contexto em que precisávamos de uma resposta rápida em um ambiente onde tudo demorava muito. O acordo com a Sinovac nos permitiu acelerar estudos clínicos muito críticos que nos ajudaram a acelerar consequentemente a aprovação da vacina. Mas ainda dependíamos muito da importação. Isso nos motivou a buscar novas parcerias com vistas à produção local, à vacinação em crianças, à redução do tempo de pesquisa”, disse Pereira. "Entendemos que essa é uma vocação necessária ao nosso laboratório. A produção local encontra muitas barreiras como a dependência de importação, questões de natureza regulatória ou de propriedade intelectual. Por isso precisamos contar uns com os outros. Não é a vacina que salva vidas, é a vacinação. É muito importante esse trabalho coletivo".

Ao final do primeiro dia de discussões, o diretor de Bio-Manguinhos/Fiocruz, Maurício Zuma, reiterou o papel das parcerias na estratégia de ampliação da produção local. “A parceria que fizemos com a AstraZeneca nos possibilitou entregar mais de 230 milhões de doses de uma vacina segura e tão efetiva quanto todas as outras”, destacou. “O papel que tivemos foi bastante efetivo, mas nada disso acontece por acaso. Isso é fruto de nossa expertise, pelas colaborações que fizemos com as grandes farmacêuticas globais. Esse talvez tenha sido o maior aprendizado que tivemos com a pandemia”, informou Zuma.

Zuma destacou que o acesso a investimento das empresas públicas é muito limitado e por isso a colaboração é fundamental. “Enquanto o país inteiro investe US$ 10 milhões, cada empresa privada pode investir sozinha o mesmo ou, muitas vezes, o dobro. Em um recente evento nosso foi colocado que os mais de 40 integrantes de países e desenvolvimento tiveram acesso a menos de 5% de todo o investimento aplicado no desenvolvimento de vacinas. Então é preciso que se acredite mais nesses laboratórios menores que possam cooperar junto com os grandes laboratórios no futuro como forma de ampliar o acesso a toda a população”, enfatizou.

A fala do diretor de Bio-Manguinhos/Fiocruz é compartilhada por outro pesquisador emérito da instituição, Akira Homma, assessor científico sênior da unidade da Fundação, falando pelo Projeto Pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais (PCRV). Homma defende a imediata recuperação da cobertura vacinal como primordial para que o país reestabeleça a capacidade de gerenciar um sistema sustentável de imunização. "Antes de avançarmos as discussões em torno das novas tecnologias vacinais é preciso lembrar que nós temos mais de 20 vacinas viáveis e aprovadas que não estão sendo aproveitadas em todo o seu potencial. E parte dessa discussão para pela recuperação da credibilidade do processo de vacinação", explica.

O pesquisador lembra que o país teve uma cobertura excepcional por mais de 20 anos. "Aspectos regionais contribuíram para que perdêssemos esse importante ativo, mas também a desinformação, a falsa sensação de segurança criada na população em função do controle de algumas doenças, a perda da confiança na vacinação, lideranças de baixa qualidade, estratégias de comunicação pobres e outras questões vem agravando a situação. No entanto, podemos endereçar esses problemas trabalhando intensamente com as autoridades locais, ouvindo, aprendendo e conhecendo melhor as causas da baixa cobertura para endereçar os desafios com uma melhor compreensão do problema”.

O controle de determinadas doenças trouxe uma falsa sensação de segurança que impacta negativamente algumas pessoas. É necessário buscarmos formas de conscientizar e mobilizar a população para vacinar. O lema Vacinar para não voltar do projeto Pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais (PCRV) foi citado por Homma como uma boa prática.

Homma defende a imediata recuperação da cobertura vacinal como primordial para que o país reestabeleça a capacidade de gerenciar um sistema sustentável de imunização (foto: Eduardo Napoli / Gopala Filmes)

 

Homma alertou para a necessidade de mobilizara população para casos como o da poliomielite, que está quase controlada. Akira compartilhou a experiência do projeto-piloto do PNI em parceria com a Sociedade Brasileira de Imunização feito em agosto de 2021. Para participar deste piloto, foram eleitos o estado do Amapá (que tinha a menor cobertura vacinal do país) e outras 25 cidades da Paraíba. “A estratégia era trabalhar junto com as autoridades de saúde locais e profissionais de vacinação, procurando o que eles tinham a dizer sobre as causas da baixa cobertura vacinal. Procuramos entender quais as causas, as raízes do problema, para termos uma cobertura vacinal sustentável”, enfatizou.

A implementação do projeto foi um sucesso. “Chegamos a atingir a cobertura de vacinação de crianças de respectivamente 100% e 98% de cobertura, Amapá e Paraíba, o que só prova que quando a gente estimula, reconhece e motiva, as pessoas se sentem respeitadas, valorizadas e ouvidas, e a coisa funciona", conclui.

Composição das mesas

A mesa Os desafios e as perspectivas para o desenvolvimento e a ampliação da manufatura local de vacinas foi realizada em dois dias durante a 6ª Conferência Global de Ciência, Tecnologia e Inovação (G-Stic 2023). Participaram da primeira mesa do primeiro dia do evento, James Fitzgerald, diretor de Serviços de Saúde para a América Latina da OMS; Hugo G. da Silva, head global de vacinas da AstraZeneca; Júlia Spinardi, diretora sênior de assuntos médicos e científicos da Pfizer; Cristiano G. Pereira, gerente de inovação do Instituto Butantan; Mauricio Zuma, diretor de Bio-Manguinhos/Fiocruz; Eder Gatti, diretor do PNI do Ministério da Saúde; e Ethel Maciel, secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do MS. O painel foi moderado por Mariangela Simão, diretora executiva do Instituto Todos pela Saúde, e por Rachel Chikwamba, representante executiva do Química Avançada e Ciências Naturais (CSIR).

No segundo dia, Akira Homma, assessor científico sênior de Bio-Manguinhos, responsável pelo Projeto Pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais (PCRV) fez uma palestra de abertura dessa sessão. A mesa foi composta por Tomás Pippo, assessor regional em Políticas Farmacêuticas e Inovação da Unidade de Medicamentos e Tecnologias Sanitárias do Departamento de Sistemas e Serviços de Saúde da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas); Xiaolan Fu, economista do Centro de Tecnologia e Gestão para o Desenvolvimento da Universidade de Oxford; Ike James, head de transferência de tecnologia do pool de patentes médicas; Renata Reis, diretora executiva do MSF Brazil; Jefferson Nascimento, coordenador de justiça econômica e social da Oxfam Brazil; Leandro Safatle, pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz Antonio Ivo de Carvalho (CEE/Fiocruz) e integrante do Grupo de pesquisa sobre Desenvolvimento, Complexo Econômico-Industrial e Inovação em Saúde (GIS/Ensp/Fiocruz); Carla Vizzotti, ministra da Saúde da Argentina; e Priya Basu, executiva responsável pelo Fundo Mundial da Pandemia do Banco Mundial. Este painel contou com a moderação de Rodrigo Pereira, vice-presidente de Pesquisas e Coleções Biológicas da Fiocruz, e de Cristiana Toscano, professora da Universidade Federal de Goiás.

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