17/03/2020
Fonte: Ensp/Fiocruz
A revista Cadernos de Saúde Pública (CSP) de março fala sobre resistência e esperança. Na opinião das editoras da revista, Marilia Sá Carvalho, Luciana Dias de Lima e Cláudia Medina Coeli, atualmente, no Brasil, e também em muitas outras partes do mundo, vive-se uma conjuntura pouco favorável para a saúde e para a ciência, mas, “ao enfrentarmos momentos como esse, descobrimos energias novas e renováveis, para resistir e agir”.
As seções Perspectivas e Espaço Temático da revista se destacam por possibilitar o debate sobre temas conjunturais de relevância para a Saúde Coletiva nos cenários nacional e internacional. De 2013 a fevereiro de 2020 foram publicados 179 artigos nessas duas seções. Os artigos estão todos disponíveis nas bases eletrônicas sobre temas candentes, tais como imigração e populações refugiadas, saúde e direito das populações trans, e avanços e retrocessos da política de saúde mental. A experiência da reforma da Previdência no Chile e suas implicações para a proteção social e a saúde foram analisadas visando a extrair lições para a América Latina e o Brasil. A questão ambiental e suas interfaces com a saúde foi objeto de diversos artigos da revista: os desastres associados às atividades de mineração expressos nos casos de Mariana e Brumadinho, o derramamento de óleo na costa brasileira e a liberação de novos agrotóxicos.
Em especial, observam as editoras, a atenção primária à saúde foi debatida de forma aprofundada, devido à sua importância para a consolidação de sistemas públicos e universais e do próprio Sistema Único de Saúde (SUS). “Com base no entendimento da saúde como direito humano fundamental e universal, o tema foi abordado nas novas concepções e diretrizes expressas na Conferência Global realizada em Astana em 2018, nas especificidades e dilemas da profissão médica em diferentes sistemas de saúde do mundo, e em dimensões específicas da reforma da política de atenção básica em curso no Brasil”.
O corpo editorial da CSP abriu, recentemente, uma nova frente de trabalho: a divulgação e comunicação pública da ciência. Inicialmente investindo nas mídias digitais Twitter; Facebook, também foi feito um ensaio piloto na produção de dois podcasts.
As editoras lembram também a realização de oficinas com autores e editores de suplementos temáticos, profissionais da área de comunicação e representantes da sociedade, para definir propostas mais específicas. “A ideia é criar, juntos, produtos que permitam a disseminação dos conteúdos de alguns artigos escolhidos. É mais do que hora de enfrentar a anticiência. Para isso, é fundamental reconhecer e enfrentar as limitações da comunidade científica, incluindo aí as revistas do campo, no diálogo com a sociedade”.
Na seção Perspectivas, o artigo Emergência do novo coronavírus (SARS-CoV-2) e o papel de uma vigilância nacional em saúde oportuna e efetiva, de Raquel Martins Lana, Flávio Codeço Coelho, Marcelo Ferreira da Costa Gomes, Oswaldo Gonçalves Cruz, Leonardo Soares Bastos, Daniel Antunes Maciel Villela e Cláudia Torres Codeço, trata dos desafios postos para melhorar a efetividade da resposta à Covid-19.
Para eles, a potencial chegada do novo vírus coloca à prova a estrutura de vigilância existente no país, principalmente num momento em que a redução de investimentos no Sistema Único de Saúde (SUS) e na pesquisa fragiliza a capacidade de detecção precoce e de resposta. “O Brasil, que foi protagonista na epidemia de zika, precisa acompanhar o avanço de conhecimentos gerados no exterior e preparar-se para as pesquisas e demandas específicas que surgirão no país, incluindo diagnóstico, assistência, prevenção e promoção da saúde. Portanto, quando o alerta para o novo coronavírus foi disparado, mais uma vez pairou a grande pergunta no território brasileiro: estamos preparados?”.
Segundo o artigo, em um mês de existência, o novo vírus já era citado em 37 publicações no PubMed, com análises descritivas dos primeiros casos, análises de sequências genômicas e aspectos clínicos. “Esse movimento é produto de um sistema de vigilância internacional sensível, assim como de uma política de compartilhamento de dados e achados. Enquanto alguns grupos rapidamente se organizaram para monitorar casos em tempo real, outros se empenharam na aplicação de modelos matemáticos e estatísticos para monitorar o novo vírus e definir estratégias de ação”.
Outro desafio é o avanço do uso de mídias sociais como meio de informação trouxe consigo o desafio de monitorar e responder rapidamente a conteúdos falsos disseminados nestes canais, e de forma que possam igualmente circular nos mesmos. “Por exemplo, em paralelo às notícias oficiais e matérias informativas em veículos tradicionais, áudios falsos com recomendações equivocadas circularam em mídias sociais se passando por comunicado de entidades de respaldo público como a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).” Também houve a tentativa de resgatar o mito de que certos chás têm as mesmas propriedades antivirais do fosfato de oseltamivir (princípio ativo do antiviral usado para o tratamento de SRAG por vírus Influenza), sugerindo o consumo destes para casos de influenza e coronavírus. Ambos ensejaram notas de esclarecimento por parte da SBI e do Ministério da Saúde, porém com alcance desconhecido. Dentro desse contexto, o crescente movimento de descrédito dos canais tradicionais de comunicação, que fomenta a adesão a fontes alternativas, torna-se também um risco à saúde pública que deve ser enfrentado. A comunicação de especialistas não pode ficar restrita ao ambiente acadêmico e profissionais da área.
De acordo com o artigo, é de fundamental importância que os Lacens contem com estoque de insumos que os mantenham constantemente capazes de processar as amostras recebidas e liberar os resultados em tempo oportuno. “A liberação oportuna de resultados laboratoriais é de suma importância para a vigilância de casos inusitados, como surto por novos agentes infecciosos e surtos antecipados de doenças endêmicas sazonais como influenza e arboviroses”.
Outro ponto crítico, destaca o artigo, é a falta de integração entre diferentes sistemas de informação existentes, o que torna inviável a integração de informações de diferentes fontes. “Por exemplo, o Sistema Gerenciador de Ambiente Laboratorial (GAL) não tem o número da notificação feita no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), impossibilitando o acompanhamento dos resultados dos exames em tempo real, atrasando a detecção precoce do caso, além de contribuir para falhas no preenchimento das notificações, que muitas vezes ficam sem o fechamento do caso”.
O artigo ainda considera fundamental que o Ministério da Saúde desenvolva uma infraestrutura integrada de dados à altura da velocidade de espalhamento das doenças nesta era de alta mobilidade global. “Há de se considerar um sistema flexível o suficiente para permitir a entrada de novos agravos, mas sem perder a estrutura existente.” E também: “O exemplo positivo dos canais rápidos de notificação e visualização implementados para o surto atual, reconhecidamente fundamental para as ações oportunas, deveria ser incorporado como o padrão da vigilância epidemiológica nacional”.
Na seção Revisão, o artigo intitulado Homossexualidade e biomarcadores de produção de conhecimento gerontológico por autores estadunidenses, britânicos e brasileiros, de João Paulo Ferreira e Richard Miskolci, faz uma revisão de artigos publicados por autores brasileiros, britânicos e estadunidenses entre 1970 e setembro de 2018 na Web of Science. Foram utilizadas técnicas de prospecção de textos, com uma análise predominantemente qualitativa, incluindo análise de correspondência e sentimentos, usando ferramentas do software R (versão 3.5.0). Os resultados revelaram a repatologização da homossexualidade na produção de conhecimento gerontológico, incluindo estudos realizados em 51 áreas de conhecimento nos três países. Seguiu-se à despsiquiatrização da homossexualidade durante a média de óbitos provocados pela aids e o reconhecimento dessa ameaça epidemiológica. O artigo concluiu com uma revisão dos biomarcadores coletados, como “sexual”, “risco”, “HSH” e “HIV/Aids”.
Os demais artigos da revista Cadernos de Saúde Pública, de março de 2020, podem ser acessados aqui.
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