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Covid-19: infectologista Estevão Portela fala sobre medidas preventivas e aspectos clínicos


09/03/2020

Antonio Fuchs (INI/Fiocruz)

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Reportado pela primeira vez em dezembro de 2019 na China, o surto do coronavírus batizado como Covid-19 causa alarme entre as autoridades sanitárias de todo o mundo e foi declarado Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em janeiro de 2020. Até o momento o Brasil conta com três casos confirmados de Covid-19 e o Ministério da Saúde está monitorando 531 casos suspeitos, segundo dados divulgados no dia 4/3.

Autoridades e especialistas garantem que o país está preparado para enfrentar a situação. Além do trabalho de vigilância, as autoridades governamentais anteciparam campanhas de vacinação e estão investindo em campanhas de prevenção enfatizando a importância de medidas básicas de higiene como: lavar as mãos com água e sabão, utilizar lenço descartável para higiene nasal, cobrir o nariz e a boca com um lenço de papel que deve ser descartado no lixo logo após espirrar ou tossir.

Para falar mais sobre as medidas preventivas e os aspectos clínicos da doença, o site do INI/Fiocruz conversou com o vice-diretor de Serviços Clínicos do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) e médico infectologista, Estevão Portela Nunes.

INI/Fiocruz: O que é o novo coronavírus?

Estevão Portela: Os coronavírus são vírus conhecidos por causar infecções respiratórias e, em geral, provocam resfriados leves. Eles estão associados a um terço dos casos registrados no mundo nas épocas mais frias. O novo coronavírus, nomeado pela Organização Mundial de Saúde como Covid-19, é um vírus RNA com alta capacidade de mutação. Existem quatro gêneros deles: alfa, beta, delta e gama, sendo alfa e beta os únicos capazes de infectar seres humanos. Além do ser humano, o coronavírus pode infectar também diversas espécies de animais.

O que vem acontecendo desde o início deste milênio é o que conhecemos como “salto de espécies”. O vírus vai de uma espécie onde ele é o parasita habitual para a espécie humana. A consequência desse “salto” é o surgimento de um novo agente etiológico de infecção respiratória na população humana. Isto já ocorreu algumas vezes e está se repetindo agora.

Desde 2002 tivemos três novos coronavírus com alta taxa de mortalidade e potencial para causar pandemia: o Sars-CoV em 2002, o Mers-CoV em 2012 e agora o Covid-19. De uma forma geral, a gente acredita que o morcego esteja na base de todos esses “saltos” entre espécies, mas normalmente são associados a um animal intermediário.

Na época do Sars, em 2002, foi a civeta que provocou a transição entre o morcego e o ser humano. Em 2012, dez anos depois, foi um dromedário o responsável pela transmissão do Mers. Agora o morcego é suspeito ser a origem do “salto” de 2019, mas ainda não sabemos que animal funcionou como hospedeiro intermediário até chegar ao homem.

É importante ressaltar que muito rapidamente a China conseguiu identificar o agente causal da doença. Isso não ocorreu por acaso. É fruto do grande investimento em tecnologia que eles vêm fazendo ao decorrer dos anos. Além da identificação rápida eles também conseguiram decifrar praticamente todo o genoma do vírus. Divulgou-se por database para toda comunidade científica e o mundo inteiro teve acesso ao código genético de um novo patógeno que estava acontecendo em uma província na China já em busca de soluções.

INI/Fiocruz: Qual a gravidade dos coronavírus?

Estevão Portela: O Sars-CoV foi causa de uma pneumonia atípica reconhecida inicialmente na província de Guangdong, na China. Em março de 2003 o vírus foi identificado e chegou a espalhar-se por 29 países. Em julho desse mesmo ano a OMS já tinha declarado o fim desta epidemia com 8.096 casos e 774 mortes. Em 2012 apareceu o Mers, que provocou uma epidemia no Oriente Médio com 2.494 casos e 858 mortes em 27 países. Permanece restrito à Península Arábica, então não é uma epidemia que foi completamente contida.

O que aconteceu com o Covid-19 é que inicialmente ele aparentava ter uma alta letalidade e isso provocou grande preocupação, mas posteriormente foi descoberto que não era assim. O Covid-19 tem taxa atual de 3,4% (valor que pode mudar dependendo da evolução do vírus). Do ponto de vista de saúde pública o que aconteceu é que o número de pacientes que veio a óbito diminuiu, mas o número de diagnósticos de infecções leves ou assintomáticas aumentou muito. Com isso a gente tem a certeza que este vírus tem capacidade de disseminação suficiente para ser um patógeno causador de pandemias.

INI/Fiocruz: Quem está mais propenso a desenvolver casos graves com o Covid-19?

Segundo estudo sobre o início da epidemia na China publicado no Lancet, a maior parte dos casos, principalmente os graves, foram registrados em indivíduos entre 45 e 65 anos.

A comunidade científica percebeu também que a letalidade da doença vai aumentando quando associada a problemas cardiovasculares, diabetes e doenças renais crônicas. Além disso, a letalidade do Covid-19 aumenta muito quando o paciente ultrapassa os 70 ou 80 anos e tem uma maior vulnerabilidade a formas graves de infecção respiratória.

Até o momento (3/3), a OMS já confirmou 90.893 casos em todo o mundo, sendo 80.304 na China e 10.566 casos em 72 diferentes países, com 3.110 mortes relatadas ao todo. Em relação a casos novos, percebemos grande crescimento fora da China e estamos nos aproximando de uma situação de difícil controle em relação a essa infecção.

INI/Fiocruz: Como acontece a transmissão do Covid-19?

Estevão Portela: O Covid-19 é transmitido a partir de gotículas que tem que chegar de uma pessoa para outra. A pessoa tosse, expectora, as vezes a mão dela fica infectada com essas gotículas e transmite o vírus através do contato. Por isso a lavagem das mãos é um dos aspectos mais importantes para combater o surto de coronavírus. Embora o álcool em gel seja importante, o uso de água e sabão já é eficiente para combater o vírus. Isso serve para qualquer coisa, em qualquer época e para qualquer epidemia. A lavagem das mãos é um aspecto extremamente importante.

INI/Fiocruz: Quais os quadros clínicos associados à infecção pelo Covid-19?

Estevão Portela: Existem os casos assintomáticos, aqueles em que as pessoas simplesmente possuem o vírus, mas não apresentam nenhum sintoma. Há o caso do paciente com um mal-estar, dor de garganta, dores musculares (mialgia), que muitas vezes nem procura um médico pois parece um resfriado comum com febre e tosse seca. Todos nós nos sentimos assim em algum momento da vida e não procuramos um médico. Existem casos que evoluem para uma pneumonia leve, que é quando o paciente eventualmente vai procurar um hospital. Talvez fique com cateter de oxigênio, mas não vai precisar muito mais do que isso. Quando o quadro evolui para uma pneumonia grave precisa de suportes como máscara para fazer uma pressão positiva ou oxigênio com alto fluxo. É nesse momento que a situação complica. O paciente entra na Síndrome da Angústia Respiratória Aguda (Sara), que é um quadro de injúria pulmonar grave. Ele evolui para um quadro de disfunção orgânica, disfunção renal, disfunção do sistema nervoso central, cardíaca, caracterizando o que a gente chama de um quadro de sepse. Tradicionalmente a gente entende sepse como uma infecção bacteriana, mas outros patógenos podem causar um quadro semelhante até chegar ao choque circulatório. O paciente começa a não ter pressão no sangue e precisa de suporte para conseguir manter irrigação adequada dos tecidos. O paciente pode apresentar qualquer um desses quadros, mas estes são os mais intensos.

O paciente com coronavírus começa a ficar grave, em geral, a partir do quinto ou sexto dia da doença. Nos primeiros dias não fica tão mal e isso é algo complicado porque ele fica transmitindo o vírus pela comunidade. O paciente só é admitido no hospital em torno do sétimo dia e este é um aspecto epidemiológico marcante neste tipo de infecção.

O que chama muito a atenção em relação ao Covid-19 é que, embora a letalidade não seja tão grande, a taxa de internação ainda tem sido alta, algo em torno de 10 a 20% dos casos.

INI/Fiocruz: Quais são os desafios para o enfrentamento do Covid-19?

Estevão Portela: A primeira questão a considerar é que todos os quadros clínicos podem transmitir a doença. É obvio que a gente imagina que quanto mais vírus na via respiratória, maior a possibilidade de transmissão. A gente acredita também que quanto mais vírus, talvez o paciente fique mais grave, mas potencialmente uma criança ou um adolescente assintomático pode infectar o seu avô que tem, por exemplo, um enfisema. É essa a preocupação. Outro aspecto muito importante é determinar por quanto tempo uma pessoa elimina o vírus. Este é um dos grandes pontos de interrogação que nós temos.

INI/Fiocruz: Como estimar o risco de uma pandemia de Covid-19?

Estevão Portela: Toda nossa discussão epidemiológica relacionada a pandemias ou epidemias deve ser calculada pensando em uma pirâmide que analisea três questões: Quantos são realmente os casos fatais? Quantos são os casos severos? Quantos são os pacientes com sintomas leves ou assintomáticos?

Normalmente, no início de uma epidemia, o que vai chamar a atenção são os casos fatais e a gente sempre tem a impressão de que a doença é muito mais grave do que é, porque nos outros, em geral, os pacientes nem procuram um hospital. O Covid-19 é uma infecção muito inespecífica. O paciente tem febre, tosse e mal-estar. Dependendo da pessoa, ela pode ficar de cama ou ir trabalhar e esse é o grande problema: a dificuldade de reconhecer estes casos que favorecem a disseminação da doença.

INI/Fiocruz: A pessoa que acabou de ser contaminada pelo vírus passa a transmitir imediatamente?

Estevão Portela: Existe um tempo necessário para que o vírus se multiplique no organismo. A maior parte dos casos de transmissão que foram bem documentados ocorreram entre quatro e seis dias após a infecção. Estimamos que a pessoa possa continuar transmitindo a doença por até 14 dias.

INI/Fiocruz: O vírus se multiplica rapidamente?

Estevão Portela: Esta cinética de multiplicação viral ainda está sendo estudada para determinar a velocidade. Há sinais de que possa ser relativamente rápida pois de cinco a sete dias após a infecção já causa sintomas nos pacientes.

INI/Fiocruz: O uso de máscaras em lugares como metrô é necessário?

Estevão Portela: Não é recomendado. Embora a máscara cirúrgica possa ser útil em relação a evitar o vírus, já que a transmissão é por gotícula, em geral ela é mal utilizada. A pessoa na hora que vai tossir tira a máscara ou ela é posicionada de forma errada no rosto, a máscara molha e vai perdendo sua utilidade. Não recomendo o uso da máscara como equipamento de proteção individual para a população em geral. O que é fundamental é que todo mundo lave as mãos.

INI/Fiocruz: O que já foi tentando em termos de tratamento?

Estevão Portela: Boa parte dos pacientes usaram antivirais, sejam os já existentes no mercado para tratar gripe, como o tamiflu, ou outros métodos experimentais. Os corticoides apresentaram indícios iniciais de que podem ser úteis para os pacientes, mas é necessária a confirmação através de protocolos de pesquisa muito bem desenhados. Os corticoides são anti-inflamatórios potentes, mas nem sempre funcionam. Nos casos de H1N1, por exemplo, aparentemente não funcionaram. Nos primeiros casos de SARS e MERS não apresentaram impacto significativo na mortalidade e podem, inclusive, ter piorado o tempo de clareamento viral, que é quando o paciente deixa de transmitir o vírus. Temos que lembrar que o corticoide, além de um anti-inflamatório, é também um imunossupressor. Além dos medicamentos temos também as terapias de substituição como diálise, uso de oxigênio, ventilação mecânica, entre outras.

Algo importante a destacar é a campanha de vacinação de gripe. Estima-se que quase um milhão de casos de gripe na América Latina por ano resulte em internação. Se houver uma boa adesão à campanha de vacinação no Brasil a situação já vai melhorar bastante. Não vamos deixar de ter os coronavírus, mas tudo que a gente puder fazer, no sentido de evitar, é bom. Por isso tomar é importante tomar a vacina para gripe e lavar sempre as mãos.

INI/Fiocruz: É possível comparar o Covid-19 com a Influenza?

Estevão Portela: É curioso porque a gente fala demais sobre este novo coronavírus e o vírus da influenza passa muito longe da nossa preocupação. Na verdade, a influenza já está entre nós causando muito mais problemas há anos. Segundo dados preliminares do CDC a temporada de gripe que foi de outubro de 2017 a fevereiro de 2018 levou de nove a 45 milhões de pacientes a adoecerem, causou de 140 a 810 mil internações hospitalares, e gerou 12 a 61 mil mortes nos Estados Unidos.

É importante que a gente use esses momentos para conscientizar a população de que existem viroses respiratórias graves há muito tempo e que talvez não estejamos fazendo o suficiente para evitar a sua disseminação. A previsão da OMS para este ano gira em torno de 290 a 650 mil mortes relacionadas apenas a doenças respiratórias em todo o mundo.

Para a Influenza existe vacina há pelo menos 20 anos. Existem várias questões, principalmente de adesão ao esquema vacinal, mas isso não significa que não seja útil. A vacina da gripe exige um esforço contínuo porque todo ano as cepas do vírus mudam. É necessário que os pesquisadores corram atrás disto e montem novas vacinas que deem conta dessas novas cepas. Mesmo quando a vacina não previne todas as formas de infecção, ela pode evitar as mais graves. Vacinar todo mundo certamente vai trazer um impacto para a Saúde Pública, principalmente agora que estamos enfrentando a ameaça de uma nova virose respiratória que pode sobrecarregar os serviços de saúde.

INI/Fiocruz: Todo paciente diagnosticado com coronavírus precisa ser internado?

Estevão Portela: Não é necessário internar todo mundo. Você pode isolar esta pessoa em algumas circunstancias. O protocolo do paciente que realmente precisa internar está ligado, quase sempre, ao desconforto respiratório. No caso de internação aqui no Rio de Janeiro, o Hospital Evandro Chagas, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), é a referência para estes casos. O INI sempre se posicionou no sentido de estar na linha de frente ao lidar com ameaças à Saúde Pública.

INI/Fiocruz: Existem estudos para o desenvolvimento de uma vacina para o coronavírus?

Estevão Portela: Existem alguns grupos trabalhando com o sequenciamento conhecido do vírus. A estimativa é de que ainda no primeiro semestre deste ano tenhamos desenvolvido um produto adequado para testes. Nesta fase, conhecida como fase 1, é realizado o estudo de patogenicidade para analisar se o vírus estimula anticorpos, se faz algum mal ao organismo, entre outros pontos.

INI/Fiocruz: A transmissão via superfícies e relevante?

Estevão Portela: A forma que se apresenta mais relevante é o contato humano a humano através de gotículas. O vírus não fica no ar, mas as estruturas em que as pessoas passam as mãos como maçanetas, fechaduras, podem representar risco de transmissão da doença. Por isso a ênfase na importância da lavagem frequente das mãos. Caso a pessoa entre em contato com alguma superfície que tenha o vírus e lave as mãos adequadamente não terá nenhum problema.

INI/Fiocruz: O Ministério da Saúde está constantemente fazendo campanhas para alertar a população sobre a importância dos cuidados com a higiene e antecipou a campanha de vacinação contra a gripe para o dia 23 de março. Estas medidas terão impacto no controle do coronavírus?

Estevão Portela: Sem dúvida nenhuma são ações de grande importância. Lavar as mãos é fundamental e propicia o controle do coronavírus e de muitas outras doenças. Se de tudo o que abordei nesta entrevista o leitor lembrar da importância de lavar as mãos com frequência já ficarei satisfeito.

É importante também evitar as fake news. Não existe nenhum tratamento, nenhuma medida preventiva, do ponto de vista de remédio, de uso de vitamina ou gargarejo, por exemplo. Nada disso tem valor técnico ou científico. Certamente alguém já ouviu um áudio dizendo que o vírus do Covid-19 morre a 27ºC. A temperatura do corpo é de 36ºC, como isto poderia acontecer? Não faz nenhum sentindo. Temos sim que combater essas informações erradas de todas as formas possíveis.

INI/Fiocruz: Qual o papel do SUS em uma epidemia como esta?

Estevão Portela: A gente fala do SUS em momentos como este, de epidemias e de novas doenças, mas esquecemos que o SUS é um trabalho constante. Ele está na nossa Constituição há muito tempo e é uma conquista da população brasileira. O Sistema Único de Saúde é acionado nessas emergências porque, objetivamente, só ele dá conta de articular uma resposta.

Através de uma ampla articulação entre Ministérios, Estados e Municípios foi feita uma definição de casos, principalmente naqueles casos que deveriam ser triados para o coronavírus, desenhamos protocolos de isolamento, avaliação e encaminhamento de casos suspeitos, a avaliação dos contactantes, e tudo isto depende do SUS. É fundamental fortalecer cada vez mais o Sistema Único de Saúde como ferramenta para enfrentar esse tipo de epidemia porque elas não vão desaparecer.

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