20/03/2025
Fiocruz Pernambuco
A saúde bucal dos povos indígenas no Brasil enfrenta desafios estruturais, principalmente, devido à incorporação de modelos utilizados na saúde não indígena que não consideram as especificidades desses serviços. A dissertação Caminhos para pensar a saúde bucal diferenciada: a construção da Matriz Avaliativa de Saúde Bucal Indígena (Masbi), do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Fiocruz Pernambuco, propõe, um instrumento para avaliar e monitorar os serviços de saúde bucal construído especificamente para essas populações.
Desenvolvida por Tainá Mafra, em parceria com o doutorando Lucas Santos, orientada pelo pesquisador do Departamento de Saúde Pública Rafael Moreira, e coorientada pela professora da Universidade de Pernambuco, Herika Maurício, o estudo surge como parte do projeto Indicadores de desempenho dos serviços de Saúde Bucal Indígena: Uma proposta de avaliação em rede, financiado pelo Programa de Excelência em Pesquisa (Proep). A pesquisa busca superar as limitações dos indicadores tradicionais, incorporando aspectos fundamentais da organização social e das práticas de autocuidado dos povos indígenas.
Tainá Mafra explica que sua trajetória profissional influenciou diretamente a construção da pesquisa. "Atuei como cirurgiã-dentista no Distrito Sanitário Especial Indígena Xavante, no Mato Grosso, no Distrito Sanitário Especial Indígena Maranhão, em Barra do Corda, e como sanitarista junto aos pataxós e pataxós hã hã hãe atingidos pelo rompimento da barragem de Brumadinho. Essas experiências trouxeram reflexões que levaram ao desenvolvimento da dissertação", afirma.
Segundo a autora, o conceito de atenção diferenciada, fundamental para a saúde indígena, foi uma das questões centrais do estudo. "Esse conceito é uma conquista do movimento indígena e tem grande importância no SasiSUS. No entanto, na prática, ele ainda é abstrato nos serviços e na literatura", pontua. A pesquisadora destaca que a construção da Matriz Avaliativa de Saúde Bucal Indígena (Masbi) foi um desafio, mas também um avanço necessário. "Minha pesquisa busca construir indicadores de saúde bucal mais adequados, que levem em conta a diversidade sociocultural dos povos indígenas", explica.
A criação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS), em 1999, e do Programa Brasil Sorridente Indígena, em 2011, impulsionou a ampliação dos serviços odontológicos nos territórios indígenas. Além da oferta de atendimentos, estes programas permitiram avanços na promoção e prevenção da saúde bucal, por meio de ações educativas. Antes dessas iniciativas, muitos territórios não contavam com consultórios odontológicos ou equipes de saúde bucal. Historicamente, a responsabilidade pela saúde indígena no Brasil passou por diferentes órgãos: inicialmente sob a tutela da Fundação Nacional do Índio (Funai), depois pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e, desde 2010, pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), o que resultou em um aumento no acesso aos serviços de saúde bucal.
A pesquisa desenvolvida por Mafra propõe a construção de uma matriz, um instrumento que busca superar as lacunas dos indicadores tradicionais. O instrumento foi desenvolvido a partir de três etapas principais: revisão dos indicadores já utilizados, a revisão conceitual do atributo “Atenção Diferenciada” e a extração de dimensões e critérios que consideram a diversidade sociocultural e organizacional dos povos indígenas. Entre os elementos incorporados estão a formação de profissionais preparados para atuar em contextos interculturais, a integração entre saberes biomédicos e tradicionais e o fortalecimento do Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (Siasi), a adequação da organização do modelo de atenção à saúde indígena e o fortalecimento da participação social e da vigilância popular em saúde.
Mafra ressalta que a interculturalidade é um aspecto central na saúde indígena, pois cada povo tem sua própria cultura e cosmovisão sobre saúde e doença. "O trabalho dos profissionais de saúde bucal deve respeitar essas particularidades, evitando impor uma visão biomédica única", destaca. Para ela, a formação desses profissionais precisa contemplar processos formativos prévios à entrada nos territórios indígenas, para que compreendam aspectos como a língua falada, a organização social e as práticas tradicionais. "O conhecimento dos povos indígenas é mais antigo do que a biomedicina, e sua valorização na prática profissional é essencial para um atendimento mais eficaz", completa.
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