11/12/2019
Por: Cristiane Albuquerque (COC/Fiocruz)
Reconhecido como um ativista no campo da saúde pública, servidor preocupado com o bem-estar da população, o médico e sanitarista David Capistrano da Costa Filho foi homenageado (in memoriam) na quinta-feira (05/12), durando o 2º Fórum Fiocruz de Memória, em Manguinhos, no Rio de Janeiro. O evento discutiu o tema Fiocruz 120 anos: ciência, memória e sociedade.
“Para mim, falar de David Capistrano da Costa Filho, meu pai, é lembrar de um poster em minha casa que dizia: felicidade é viver em comunidade! É falar de redes de pessoas que conversam, se reúnem, que não aceitam passivamente a manutenção da violência das instituíções públicas sobre o seu povo”, disse Adélia Benetti de Paula Capistrano, filha do sanitarista, durante a mesa ‘David capistrano: luta e memória da reforma sanitária’.
Durante seu discurso emocionado, Adélia revelou histórias da infância e adolescência, em Santos (SP), com seu pai, falou sobre a dor da família com a morte do avô, David Capistrano, durante a ditadura militar, e criticou o atual momento político brasileiro. “Vamos contar as histórias de David Capistrano Filho, registrar, compartilhar, executar, avaliar, validar, discordar, mostrar que é possível, mesmo um pouco amedrontados, continuar transformando este país, seja pelo SUS, pela assistência social, pela educação, trabalho, cultura, pela economia, pela música, pela festa, onde der. Não é mais possível aceitarmos calados a violência e o genocídio contra o nosso povo, que tem cor, classe e sexo. Não dá para a gente reproduzir essa violência”, defendeu.
Amiga da família e colega de trabalho, Aparecida Linhares Pimenta descreveu o convívio profissional com Capistrano Filho: “Ele era incansável e motivador. Era quem colocava a mão na massa e aproveitava as oportunidades políticas. Ele tinha sentido de urgência para resolver os problemas da população. Trabalhar com ele era uma delícia e uma tensão ao mesmo tempo”, disse. Aparecida e Capistrano se conheceram na década de 1970 e atuaram juntos nas cidades de Santos e Bauru (SP). “Capistrano tinha uma capacidade enorme de integrar e agregar pessoas, formou uma geração de gestores, militantes e defensores, não somente do SUS, mas de outras políticas públicas e da democracia”.
Diretor da COC, Paulo Elian afirmou que o 2º Fórum Fiocruz de Memória tem o objetivo de destacar personagens e atores que tiveram um papel importante na contrução de políticas públicas. “David Capistrano Filho foi um desses personagens. Ele atuava para uma sociedade justa, um sistema público de saúde inclusivo e igualitário. Além isso, foi um intelectual público que teve lugar na ação política e na realização, buscando a solução para os problemas do país”, afirmou Paulo Elian.
Acervo com objetos, fotografias, livros e documentos revelam a trajetória do sanitarista
Doado recentemente à Fiocruz, o acervo de David Capistrano Filho revela aspectos da trajetória do médico, gestor, intelectual, dirigente político e um dos principais expoentes do movimento pela Reforma Sanitária, que culminou na construção do Sistema Único de Saúde. Sob a guarda da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), o acervo é composto por objetos pessoais, fotos, livros, panfletos e outros documentos.
Para a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, a doação do acervo à instituição permitirá que diversas gerações de pesquisadores, historiadores, sanitaristas e profissionais de diferentes áreas do conhecimento se debruçarem sobre a trajetória do sanitarista, possibilitando a articulação entre memória e história. “Esse material é parte de uma trajetória coletiva que garante elementos para a pesquisa e para o conhecimento desse importante momento da nossa sociedade que foi a reforma sanitária”, ressaltou Nísia. “O compromisso da Fiocruz é tornar esses valiosos documentos em um bem público para que a sociedade possa ter acesso e, principlamente, para que inspire projetos de futuro”, completou.
O pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) Paulo Amarante, o editor-chefe e coordenador da Revista Radis, da Fiocruz, Rogério Lannes, e o diretor do Sindicato dos Servidores da Ciência, Tecnologia, Produção e Inovação em Saúde Pública (Asfoc-SN), Paulo Garrido, também participaram da homenagem.
Uma vida em defesa da justiça e equidade para a saúde pública no Brasil
Líder estudantil, médico, jornalista, autor e editor de livros, articulador político, conferencista, mas sobretudo, um sanitarista, David Capistrano Filho (1948-2000) colaborou para a elaboração do texto que deu origem ao capítulo sobre o SUS na Constituição de 1988, além de ter sido mentor e articulador da criação do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), da Revista Saúde em Debate e da Coleção Saúde em Debate.
Atuante no campo político, David Capistrano fez parte do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), do Partido Comunista Brasileiro (PCB), e Partido dos Trabalhadores (PT), sendo eleito para a direção estadual paulista e para o diretório nacional. Foi secretário de Saúde de Bauru, onde zerou a incidência de cárie em crianças menores de cinco anos e, em Santos, além de secretário, também atuou como prefeito entre 1993 e 1996, colocando em prática uma experiência no campo da Saúde Mental inédita no país: uma rede integrada de instituições, da qual os Núcleos de Apoio Psicossocial (NAPS) eram os eixos principais.
Voltou a trabalhar como médico sanitarista e desenvolveu com o médico Adib Jatene em 1994 o Programa Qualis/Saúde da Família, que reordenou o sistema de atenção à saúde no município de São Paulo. Foi responsável pela idealização e implementação dos programas Médico de Família e de Agentes de Saúde, abrindo caminho para uma nova ótica na saúde pública brasileira.
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