15/02/2020
Fonte: Fiocruz Pernambuco
Enquanto a maioria das adolescentes passaram o mês de janeiro curtindo a praia, as prévias carnavalescas ou o bate-papo com amigas, um seleto grupo de 12 garotas, com idades entre 14 e 17 anos, optou por dedicar alguns dias de suas férias para aprender a fazer ciência. Três vezes por semana, durante 30 dias, elas participaram de um estágio supervisionado em diversos laboratórios da Fiocruz Pernambuco. Selecionadas a partir de um vídeo onde expuseram o porquê do seu interesse pelo fazer científico, elas passaram a integrar o projeto “O Verão das Meninas na Fiocruz”.
No dia 11 de fevereiro, Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, o projeto chegou ao seu término com a realização de um seminário que reuniu cerca de 80 pessoas, no auditório da Fundação. Intitulado Mulheres na Ciência: construindo alternativas para superar as desigualdades raciais e de gênero, o evento que reuniu especialistas e estudiosas debateu questões ligadas ao mundo científico a partir da perspectiva de gênero.
Vindas de diferentes escolas públicas da Região Metropolitana do Recife (RMR), as garotas demonstraram o porquê de terem sido as escolhidas no universo de 80 inscritas na seleção do projeto. “As meninas são brilhantes. Foram muito além do que esperávamos. São seguras, determinadas, preparadas, engajadas socialmente. Para mim, vê-las atuando nesse projeto foi a prova de que estamos vivendo uma verdadeira revolução social”, afirma Constância Ayres, vice-diretora de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico e Serviços de Referência, da Fiocruz PE e coordenadora do projeto “O Verão das Meninas na Fiocruz”.
A admiração pelas 12 garotas também foi unânime entre as pesquisadoras que atuaram como tutoras no projeto. “Recebemos uma dupla de garotas no Insetário e a experiência não podia ter sido melhor. Chegaram sem saber ao certo o que era Entomologia. Mas com uma semana essas meninas nos surpreenderam! Realmente, são meninas ávidas por conhecimento”, declarou Cláudia Fontes, pesquisadora do departamento de Entomologia. “A iniciação científica precisa ser oportunizada para todos. Então a gente busca abrir os braços para oportunizar a entrada dessas meninas. Porque sabemos que o futuro do nosso país são essas pessoas que hoje estão à margem da ciência. As pessoas precisam conhecer a ciência para se apaixonar por ela. Eu acredito que muitas dessas meninas já vieram apaixonadas e demonstraram essa paixão com o desenvolvimento de um projeto de curta duração, mostrando maestria no que puderam aprender”, testemunhou Cláudia.
Maria Heloísa Galvão Correia, 16 anos, foi uma das estagiárias do departamento de Entomologia. Estudante da Escola Técnica Estadual Cícero Dias, em Boa Viagem, ela nos conta o quanto a experiência foi rica e proveitosa. “A gente passou por várias áreas da entomologia. Sendo duas semanas no insetário e uma semana no laboratório, além do trabalho de campo. A gente viu como era a alimentação dos mosquitos, como era o comportamento, trabalhamos no campo simulado, na extração de DNA...”. Para Heloísa, o momento mais legal foi o trabalho de campo. “A gente foi fazer recolhimento de ovos do Aedes aeghypt na casa das pessoas. Achei muito interessante também o campo simulado, onde eles reproduzem todo o ambiente de uma casa, aqui na instituição, para ver como o mosquito se comporta”, afirmou a estudante.
Essa oportunidade de experimentar a pesquisa de base e vê-la aplicada na prática, de ver como o fazer científico impacta no cotidiano da população foi algo trazido na maioria dos depoimentos, tanto das meninas como de suas tutoras. Para Jesuá Lucena, 17 anos, que estagiou no departamento de Parasitologia, junto com Maria Eduarda Silva, 16 anos, ver a desigualdade socio-sanitária em Porto de Galinhas – o mais importante destino turístico do Estado de Pernambuco - foi o que mais chamou a sua atenção. “Eu fiquei chocada em ver a pobreza e as condições que muitos vivem ali, dentro da lama, próximos de casas tão luxuosas”. Além das atividades desempenhadas dentro do laboratório, as meninas tiveram a oportunidade de acompanhar a equipe do projeto de Esquistossomose, que há duas décadas atua naquele local. “A ida das meninas para o campo foi riquíssima porque elas puderam ver que tudo que a gente faz aqui - mesmo usando tecnologia de ponta, ciência básica - tem um retorno para a sociedade. Elas mesmas relataram que foi uma experiência rica. Dentro do laboratório a gente fica muito presa a ciência básica, muita técnica, mas quando foram para o campo, elas tiveram uma noção de que tudo que a gente faz aqui, fazendo ciência de base, tem o propósito de levar saúde para a população”, assegurou Elainne Gomes, pesquisadora do departamento de Parasitologia. Eu acho que elas tiveram essa oportunidade ímpar de estágio na Fiocruz. Isso está impactando muito na vida delas, porque reforçou o desejo delas de entrar na área, de ir atrás dos seus sonhos, de suas escolhas”, reforçou Clarice Morais, pesquisadora e tutora de uma dupla que estagiou no departamento de Virologia e Terapia Experimental.
Desenvolver um projeto em pouco tempo - o resultado Chamada Interna “Mais meninas na Fiocruz”, organizada pela Vice-Presidência de Educação, Informação e Comunicação (VPEIC), em parceria com o Grupo de Trabalho Mulheres e Meninas na Ciência, saiu no final de novembro de 2019, o que implicou em apenas um mês para divulgação do projeto e seleção das garotas – só foi possível porque a coordenação local estabeleceu uma importante parceria com o Observatório Feminista do Nordeste.
Responsável por todo o recrutamento, contato com as instituições de ensino, recebimento e julgamento dos vídeos para seleção e escolha das meninas, a participação da equipe do Observatório foi decisiva para o sucesso da empreitada. A entidade realiza consultorias em gestão de projetos, pesquisas e produção político cultural para fortalecer a construção de conhecimento e ações políticas sobre os fenômenos relacionados a gênero e raça com foco na região nordeste do Brasil.
Ingrid Farias, uma das coordenadoras do Observatório, avaliou a experiência: “Para nós foi muito produtivo fazer a parceria com a Fiocruz porque a gente acredita que iniciativas como essa, principalmente com instituições públicas de Estado, são fundamentais para poder ampliar a participação não só de mulheres, mas também da juventude, das mulheres negras, das mulheres periféricas, dentro de espaços que historicamente foram negados”, pontuou. Opinião compactuada pela vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação (VPEIC) da Fiocruz, Christiane Machado. Esse projeto "busca incentivar uma carreira profissional, mas sobretudo, a ideia é incentivar que as meninas possam ter os seus direitos respeitados, ter as suas escolhas respeitadas, incentivar que elas continuem estudando e a buscar os seus próprios caminhos. A gente costuma dizer: Toda menina pode ser cientista. Mas ela pode ser o que ela quiser. Num contexto de muitas desigualdades é importante a gente estar afirmando isso, abrindo novas portas e oportunidades e aprendendo também com essas meninas que têm muito a nos dizer”, afirmou.
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