07/05/2018
Por: Suely Amarante (IFF/Fiocruz)
O Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) celebrou, na última semana de abril, 94 anos de existência. O IFF construiu um grande legado no decorrer de sua trajetória. Pioneiro no cuidado materno-infantil no Brasil, o Abrigo Arthur Bernardes, embrião do IFF, foi o ponto de partida para a política de proteção à primeira infância e à maternidade. Na década de 70, o seu grande marco foi a incorporação à Fundação Osvaldo Cruz. Já com o nome do seu patrono, o Instituto Fernandes Figueira ampliou a sua área de atuação, unindo atividades de pesquisa, assistência e ensino a uma forma mais integral de entender a atenção à saúde.
Em parceria com o Núcleo de Apoio a Projetos Educacionais e Culturais (Napec), a comunidade do IFF participou de uma apresentação musical, conduzida pelo Coral Sementes da Canção, além de um mutirão de leitura que visitou diversos setores do Instituto levando a magia e o encanto dos livros. O segundo momento do evento contou com as presenças da pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), Maria do Carmo Leal, uma das coordenadoras do estudo Nascer nas Prisões, e a fotógrafa Nana Moraes, autora da exposição Ausência, que conduziram um debate com o tema: “Olhares femininos no cárcere”.
Na oportunidade, Maria do Carmo Leal mostrou dados estatísticos relacionados às condições de vida e de saúde da população feminina encarcerada e Nana Moraes apresentou os sentimentos de quem vive e de quem conheceu essa realidade – e apresentou uma trilogia autoral sobre a vida de mulheres estigmatizadas e as relações dessas mulheres com seus filhos por meio de fotografias e cartas, além da exibição de um vídeo com imagens da exposição Ausência, fruto de um trabalho que teve início em 2011.
Segundo a fotógrafa, essa iniciativa só se concretizou graças a sua persistência para conseguir as autorizações necessárias para adentrar as prisões. Dezoito mulheres do presídio Nelson Hungria, do Complexo de Gericinó em Bangu, no Rio de Janeiro, foram escolhidas pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap). “Elas tiveram a oportunidade de se conectarem novamente com seus filhos que não viam ou nem sabiam como estavam por muitos anos, por meio dessas fotografias e das cartas”, relatou Nana.
Nascer nas prisões
O Brasil é detentor da terceira maior população carcerária do mundo. Quando se trata de encarceramento feminino, os números são ainda mais preocupantes: existem cerca de 37 mil mulheres em situação de privação de liberdade, e entre 2000 e 2014 o aumento da população carcerária feminina foi de 567%. Contribuindo para o debate e o esclarecimento acerca dessa situação alarmante, a pesquisadora Maria do Carmo Leal descreve o perfil da população feminina encarcerada que vive com seus filhos em unidades prisionais femininas das capitais e regiões do Brasil, assim como as características e práticas relacionadas à atenção, gestação e parto durante o encarceramento.
A pesquisa revela, por exemplo, que mais de um terço das mulheres presas grávidas relataram o uso de algemas na internação para o parto, 83% têm pelo menos um filho, 55% tiveram menos consultas de pré-natal que o recomendado, 32% não foram testadas para sífilis e 4,6% das crianças nasceram com sífilis congênita. A análise foi feita com base em uma série de casos provenientes de um censo nacional, realizado entre agosto de 2012 e janeiro de 2014. Foram ouvidas 241 mães e 200 grávidas: 45% com menos de 25 anos, 57% de cor parda, 53% com menos de oito anos de estudo e 83% com mais de um filho.
“Visitamos todas as prisões femininas de todas as capitais e regiões do Brasil que recebem grávidas e mães. Verificamos que foi baixo o suporte social e familiar recebido, e foi frequente o uso de algemas na internação para o parto, relatado por mais de um terço das mulheres”, afirma Maria do Carmo, que coordenou a pesquisa ao lado da pesquisadora Alexandra Roma Sánchez.
A pesquisadora terminou a sua apresentação dizendo que a pesquisa ajudou a embasar a decisão inédita tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 20 de fevereiro de 2018, de conceder habeas corpus coletivo para mães e gestantes que se encontram em prisão preventiva. Salvo casos de crimes cometidos com violência, essas mulheres passam agora a cumprir prisão domiciliar. A decisão levou em conta a condição degradante das prisões no Brasil e a consequência disso para a saúde e a vida dessas mulheres e crianças.
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