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Evento debate atuação da Fiocruz no programa antártico

Nísia Trindade Lima, Sérgio Guida, Andrei Polejack

08/04/2019

Por: Ricardo Valverde (Agência Fiocruz de Notícias)

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Um novo continente para a pesquisa em saúde. Este foi o mote do 1° Seminário FioAntar, promovido na Fiocruz na quinta-feira (4/4). O evento teve como objetivo despertar o interesse de pesquisadores em abrir novas perspectivas de projetos, gerar conhecimento e parcerias, testar técnicas e metodologias, ampliar expertises e estruturar uma nova área de estudos na instituição, voltada para o continente gelado, a Antártica. O projeto tem caráter multidisciplinar e foi aprovado em edital do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para o desenvolvimento de pesquisas na Antártica. O FioAntar vai integrar o Programa Antártico Brasileiro (Proantar), conduzido pela Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (Cirm). A abertura do evento foi feita pela presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, pelo contra-almirante Sérgio Guida (secretário da Cirm), e pelo coordenador-geral de Oceanos, Antártica e Geociências do Ministério da Ciência e Tecnologia, Andrei Polejack.

Em sua intervenção inicial, Nísia Trindade lembrou que o projeto, que nasce com o selo da interdisciplinaridade, mostra que a Fiocruz pensa as questões de saúde não apenas do Brasil, mas de toda a Terra. “Pensamos o futuro de uma perspectiva ampla. E o momento do planeta é este: olhar com especial atenção para o clima e suas profundas mudanças e também para os oceanos. Geografia e geologia precisam fazer parte de nossas pesquisas”, disse ela. A presidente ainda observou que este é um movimento de grande envergadura para a Fiocruz e, de certa maneira, sua grandiosidade abre a programação das comemorações dos 120 anos da Fundação, que serão celebrados em 2020.

O vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, Marco Aurelio Krieger, fez uma apresentação sobre a inovação na instituição, desde as suas primeiras décadas, e sublinhou a capacidade da Fundação em transformar suas pesquisas e descobertas em produtos que beneficiam a população. “Temos a cadeia completa, da pesquisa básica à entrega de produtos”. Mirando a Antártica, ele disse que a Fiocruz já desenvolveu alguns produtos a partir de extremófilos, organismos que conseguem sobreviver ou necessitam fisicamente de condições geoquímicas extremas, como as verificadas na Antártica. Krieger afirmou que em 2019 a Fiocruz vai investir R$ 183 milhões em pesquisa.

Para o contra-almirante Sérgio Guida, “ter conosco a Fiocruz no ProAntar é como ter uma grife de qualidade”. O militar iniciou sua apresentação fazendo uma retrospectiva do Programa Antártico Brasileiro desde os seus primórdios, na década de 1970. Mas recuou mais ainda no tempo para chegar à Escola de Sagres, instituição de estudos marítimos que teria sido criada em Portugal no século 15 pelo rei Dom Henrique. Segundo o contra-almirante, o PIB do mar, a “economia azul”, representa cerca de 19% do PIB total brasileiro e 80% da população vive a menos de 200km do litoral. “São 34 milhões de pessoas, em 280 municípios de 17 estados, incluindo 13 capitais. Temos um entorno altamente estratégico para o país mas, infelizmente, embora tenhamos nascido do mar, estamos muito mais voltados para a terra, de costas para um oceano de possibilidades econômicas e científicas”.

Guida enumerou as ilhas e arquipélagos oceânicos brasileiros, que normalmente são esquecidos pela maioria da população, como as ilhas de Trindade e Martim Vaz e o rochedo de São Pedro e São Paulo, não tão conhecidos quanto Fernando de Noronha, Abrolhos e o atol das Rocas. “Em todos esses lugares a Marinha do Brasil está presente, em todos os dias do ano, para assegurar nossa soberania e também para dar condições a que pesquisadores façam seus estudos”. O contra-almirante afirmou que, de acordo com o Tratado Antártico, do qual o Brasil é signatário, o país precisa ocupar sua base no continente para continuar membro do acordo internacional, já que a ONU não tem ingerência abaixo do paralelo 60, que marca o limite norte do Oceano Antártico. “E temos que ocupar com ciência, a partir de uma perspectiva sustentável e compartilhada com os demais países que têm missões na Antártica”.

O coordenador-geral de Oceanos, Antártica e Geociências do Ministério da Ciência e Tecnologia, Andrei Polejack, falou em seguida e discorreu sobre a organização da ciência no continente mais frio, mais ventoso, mais seco e com a maior média de altitude do planeta. “Essas atividades estão a cargo do Comitê Nacional de Pesquisas Antárticas, um colegiado interinstitucional criado em 1996 para assessorar o Ministério da Ciência e Tecnologia. É um foro de debates e também um órgão difusor das atividades científicas antárticas”. Polejack citou ainda os países com os quais o Brasil mantém cooperação antártica, como Argentina, Chile, Polônia, Espanha, Uruguai, Equador, entre outros.

“Estamos construindo uma Agenda de Ciência Sul-Sul juntamente com África do Sul, Argentina, Uruguai, Namíbia e Angola. Um grande passo foi dado quando assinamos com a União Europeia, em 2017, a Declaração de Belém, que criou uma Aliança de Pesquisa para Todo o Atlântico, que vai de polo a polo e abre a possibilidade de atuação do Brasil também no Ártico. E há também uma parceria no grupo dos Brics, com um grupo de pesquisa voltado para os oceanos e os polos e coordenado por Brasil e Rússia”.

Polejack disse que há um imenso potencial de atuação da Fiocruz na Antártica, na prospecção biológica, na interação com áreas de pesquisa não comuns à Fiocruz e em parcerias internacionais. “O uso biotecnológico da biodiversidade abre perspectivas para novos medicamentos e a compreensão das mudanças climáticas e de suas influências no Brasil ganha um reforço de peso. Essa inserção da Fiocruz na pesquisa antártica permitirá um diálogo ativo com pesquisadores ao sul e ao norte do planeta e expandirá as atividades da Fundação para o oceano”.

O palestrante seguinte foi o botânico Paulo Câmara, do Instituto de Ciências Biológicas da UnB. Acostumado a viajar para a Antártica em missões de pesquisa, ele lembrou do início do Tratado Antártico, assinado em 1959 por 12 países e que entrou em vigor dois anos depois. “O tratado define a Antártica como um continente para fins pacíficos e científicos e proíbe o uso militar, os testes de armas e nucleares e o despejo de lixo e não reconhece demandas territoriais e de soberania, que foram suspensas por tempo indefinido. Mudanças no tratado só poderão ser feitas em 2048, quando haverá negociações nesse sentido”, observou. O Brasil se tornou membro do tratado em 1975 e membro consultivo em 1983, com o ProAntar.

Câmara afirmou que o continente tem imensas reservas de gás, petróleo, água, ouro e diamantes, em um total de 14 milhões de quilômetros quadrados. “Cerca de 70% da água doce do planeta está na Antártica”, comentou o botânico, para quem a exploração científica do continente abre grandes possibilidades para a medicina, a agricultura, os alimentos e a indústria e novas perspectivas para a Fiocruz.

Segundo Câmara, o Brasil é o único país com missão antártica que lança suprimentos pelo ar durante o inverno, estação durante a qual apenas os militares permanecem na estação brasileira, já que os cientistas ficam apenas no verão. “O Brasil tem ainda o laboratório sul-americano mais ao sul da Terra, o Módulo Criosfera. Temos uma estação, dois refúgios e a Criosfera. No verão, cerca de 60 brasileiros vivem na estação”.

Para Câmara, é fundamental que os brasileiros reconheçam a importância da presença brasileira na Antártica. “Precisamos melhorar nossa comunicação, para que as pessoas entendam o porquê de estarmos lá e de investirmos em ciência em um lugar que consideram muito longe e desconhecido, sem interesse para o Brasil. Os governantes também precisam ser sensibilizados para a importância da estação brasileira, para que se comprometam com mais investimentos. E nós, pesquisadores, tempos que cumprir muito bem a nossa missão, para que sejamos reconhecidos por nossos colegas estrangeiros e façamos falta”.

O pesquisador e coordenador do projeto FioAntar, Wim Degrave, recordou que alguns pesquisadores da Fiocruz já estiveram esporadicamente na Antártica. Todos esses trabalhos estão sendo mapeados, segundo ele. “Mas, a partir de agora, teremos uma estrutura unificada e voltada para os estudos antárticos”, disse Degrave, que tem um projeto no CNPq intitulado Um novo continente para estudos em saúde (FioAntar): microbiota e vírus antárticos, seu potencial patogênico e biotecnológico, e sistemas de detecção de possíveis impactos no futuro para a saúde humana e animal.

Degrave afirmou que os estudos da Fiocruz na Antártica vão envolver o isolamento e a caracterização de vírus respiratórios e gastrointestinais, fungos de infecção sistêmica, bactérias, micobactérias, parasitos e líquens. Haverá colaboração com instituições como UFMG, UFRJ, Instituto de Pesquisas Biomédicas do Hospital Naval Marcílio Dias (IPB/HNMD), Furg e pesquisadores da Argentina e do Uruguai.

Ao final, a subcoordenadora de Comunicação Social da Fiocruz, Pamela Lang, abordou as estratégias de comunicação que serão utilizadas na divulgação do FioAntar. Ela lembrou as expedições de Oswaldo Cruz, Carlos Chagas e outros pesquisadores aos rincões remotos do Brasil no início do século 20 e fez uma comparação com as futuras expedições à Antártica. “Essa história do fazer e das conquistas científicas será contada em nossos veículos e programas de comunicação, por meio de reportagens, entrevistas, documentários, vídeos, ações em escolas. Queremos engajar os cidadãos e divulgar a ciência que fazemos”.

Para compartilhar experiências antárticas, na parte da tarde houve rodas de conversa com pesquisadores de outras instituições que já desenvolveram estudos no continente. Os debates se deram nas áreas de botânica, ornitologia, animais marinhos, biodiversidade marinha e terrestre, bactérias ambientais, águas profundas, conexões atmosféricas e palinologia (parte da botânica que estuda os grãos de pólen, esporos e outras estruturas com parede orgânica ácido-resistente).

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