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Entrevista: Cristina Toscano comenta o acordo assinado entre a Fiocruz e AstraZeneca


05/11/2020

Fonte: Agência Fiocruz de Notícias

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Criado em julho com o objetivo principal de subsidiar a Presidência da Fiocruz tecnicamente nas tomadas de decisão no campo da vacina, um dos pilares centrais da atuação da Fundação no enfrentamento à pandemia, o Comitê de Acompanhamento Técnico-Científico das Iniciativas Associadas a Vacinas para a Covid-19, é composto por uma equipe multidisciplinar, incluindo profissionais de outras instituições. 

Na entrevista a seguir, Cristina Toscano, integrante externa do Comitê, faz uma análise do cenário global pela busca da vacina, destacando a posição privilegiada que o Brasil alcançará com o acordo assinado entre a Fiocruz e a AstraZeneca e a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) na garantia do acesso à população. Cristiana é professora-adjunta na UFG e coordenadora de projetos na área de Economia em Saúde em parceria com Ministério da Saúde, Fundo Nacional de Saúde, Fundação Bill & Melinda Gates e Organização Mundial da Saúde (OMS). É assessora para estudos de vacina na OMS, tendo atuado como responsável pela implementação e coordenação global de sistemas de vigilância para doenças preveníveis por novas vacinas como rotavírus e doença pneumocócica. É membro do comitê de experts em vacinas da OMS e membro do comitê da Opas sobre doenças evitáveis pela vacina (principal grupo consultivo técnico de vacinas e imunizações na região das Américas).

AFN: Quais as principais dificuldades para se desenvolver em pouco tempo uma vacina segura e eficaz contra a Covid-19? É realmente possível acelerar etapas?

Cristiana Toscano: O desenvolvimento de uma vacina é um processo complexo, demorado e envolve inúmeras fases específicas. E esse processo geralmente ocorre progressivamente ao longo do tempo, com diversas tentativas e erros. Então, a gente tem as fases pré-clínicas, em que se avalia inúmeras moléculas candidatas e a possibilidade delas de fato se tornarem uma vacina candidata. As moléculas candidatas são as que, em laboratório, demonstram sucesso; e caso isso seja demonstrado nas etapas pré-clinicas, essas vacinas candidatas vão passando progressivamente para as próximas etapas de pesquisa, que incluem as etapas clinicas, que são os estudos em seres humanos, sendo divididos em fases 1, 2 e 3. 

Tradicionalmente esse processo é demorado porque a taxa de sucesso de estudos de vacinas antes da fase em humanos é de cerca de 20%, ou seja, a cada 10 vacinas candidatas avaliadas em etapas pré-clínicas, apenas duas delas de fato chegam ao final dos estudos clínicos.

O que está acontecendo atualmente nos estudos de vacinas candidatas para Covid-19 é que esse processo está sendo otimizado. Primeiro, existe um investimento massivo e concomitante em uma série de vacinas candidatas ocorrendo em paralelo. Então, atualmente, a gente tem quase 200 vacinas candidatas sendo avaliadas, aproximadamente 150 em fase pré-clínica e 50 em fase clínica, fazendo com que a probabilidade de termos uma vacina aprovada e que passe por todas as etapas de avaliação com maior velocidade seja maior. 

Além disso, temos o fato de que algumas das etapas que podem ser otimizadas, estão sendo otimizadas. A gente tem estudos, por exemplo, que agregam estudos clínicos em humanos de fase 1 e 2, com número maior de participantes, avaliando imunogenicidade, segurança e também efeito dose-resposta num único ensaio clínico. 

Há, também, outras estratégias. Por exemplo, de ampliação da escala de produção de vacinas, que em geral ocorre só ao final dos ensaios clínicos de fase 3, e que tá ocorrendo em paralelo ao início dos ensaios clínicos de fase 3, também com a tentativa de otimizar esse tempo entre o início dos estudos até de fato a disponibilização em larga escala de vacinas para uso populacional. 

Então, de fato, a gente tem uma possibilidade de acelerar esse processo como um todo, otimizando algumas etapas e investindo no desenvolvimento de estudos em paralelo e concomitante de número grande de vacinas candidatas otimizando e acelerando assim esse processo como um todo.

AFN: Por que a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford tem sido considerada uma das mais promissoras no cenário mundial atual?

Cristiana Toscano: Atualmente, a gente tem uma série de vacinas candidatas em avaliação clínica em humanos, já nos estudos de fase 3. A gente tem 10 vacinas candidatas e, entre elas, a vacina de Oxford, que foi uma das primeiras a iniciar os estudos de fase 3. Essa vacina utiliza a plataforma tecnológica de vetores virais, e é uma tecnologia que já vinha sendo desenvolvida e utilizada para desenvolvimento de vacinas contra outros coronavírus previamente ao início da pandemia da Covid-19, então, dessa forma, já tem experiencia prévia da plataforma tecnológica e de estudos com a mesma. Isso também foi importante para se otimizar esse processo e as etapas de pesquisa com essa vacina em particular.

Então, atualmente, é uma vacina que encontra-se em fase 3. Temos estudos de fase 2 agora sendo finalizados que incluem outros grupos populacionais como, por exemplo, a inclusão de idosos e indivíduos com fatores de risco; e a gente tem resultados bastante promissores das etapas de estudos iniciais em primatas não humanos, mas depois das etapas em humanos de fase 1 e 2. 

Assim, agora temos em andamento estudos de fase 3 em um grupo grande de participantes em vários centros no mundo inteiro, incluindo no Brasil, Africa do Sul, Reino Unido e outros locais no mundo. Temos a previsão da possibilidade de análise interina e uma avaliação preliminar de eficácia que permitiria então o registro preliminar da vacina a ser realizado talvez em dezembro.

AFN: A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou recentemente que, provavelmente, boa parte da população mundial teria que esperar até 2022 para ser vacinada, uma vez que não haveria capacidade de produção suficiente para abastecer o mundo todo ainda em 2021. Com a encomenda tecnológica assinada com a AstraZeneca, a previsão é de que a Fiocruz coloque à disposição do SUS 140 milhões de doses até meados de 2021 e mais 110 milhões até o final de 2021, a partir de produção já autônoma da instituição. Você considera que o fato de o Brasil ter instituições com capacidade produtiva e de incorporação tecnológica é uma vantagem nesse cenário?

Cristiana Toscano: Uma das grandes preocupações globais da atualidade é o acesso a vacinas. A gente sabe que vai ter uma oferta inicialmente limitada frente à demanda global de vacinas, e aqui no Brasil, a gente tem uma situação privilegiada em função de termos a encomenda tecnológica assinada entre a Fiocruz e Oxford/AstraZeneca que prevê a disponibilização e a possibilidade de produção de um quantitativo bastante significativo de doses aqui no Brasil ao longo de 2021, chegando a 250 milhões de doses até o final do ano. Temos a previsão de termos a necessidade de duas doses para imunizar e para ser administrada em cada indivíduo, então isso representaria um total de 120 a 130 milhões de indivíduos que podem ser vacinados até o final de 2021.

O fato do Brasil ter um histórico de processos de transferência ou incorporação de tecnologia para novas vacinas e capacidade produtiva instalada por meio da Bio-Manguinhos/Fiocruz, obviamente, foi uma vantagem muito grande e coloca o país num cenário muito vantajoso em relação à possibilidade de desenvolvimento e produção de imunizantes, particularmente esse, como uma das vacinas candidatas pra Covid-19. Eventualmente, após respondidas as prioridades e demandas nacionais, há também a possibilidade de poder produzir e fornecer a vacina para outros países, principalmente para a região latino-americana através de fundos rotatórios, como o fundo da [Organização Pan-Americana da Saúde] Opas.

AFN: Considerando o cenário global e os desafios que se colocam numa vacinação em massa, de que maneira ter um sistema público de saúde como o SUS pode representar uma vantagem para o país?  

Cristiana Toscano: A gente já está iniciando o processo de preparação e planejamento operacional para as estratégias de vacinação em massa da população, a depender da disponibilidade de uma vacina que seja aprovada quanto à sua eficácia e segurança em avaliação preliminar nos ensaios clínicos de fase 3.

Esse processo de preparação operacional é fundamental e é um processo trabalhoso, envolve questões relacionados à sistemas de informação, à treinamento de recursos humanos, à mobilização social, à questões relacionados à armazenamento e distribuição, toda parte de suprimentos, compra e distribuição de seringas, agulhas, caixas de descarte, e todo o planejamento de estratégias relacionadas à abordagem da população durante a vacinação. 

Isso se beneficia muito do fato do Brasil ter uma capilaridade e estrutura já disponível através do SUS, do programa de vacinação, que é um dos programas mais antigos da região e foi iniciado como programa de imunização nacional instituído na década de 70, e tem além do histórico, uma estrutura bastante fortalecida e capilarizada, alcançando todos os municípios do país através de quase 38 mil salas de vacinação.

Existem ainda para serem pensadas estratégias especiais de vacinação, como a vacinação de fronteira, de áreas indígenas, vacinação de populações especiais, então há uma estrutura já estabelecida através do SUS, que viabiliza a distribuição e a estratégia de vacinação através do PNI, que é um dos programas de vacinação mais estruturados e mais fortes do mundo.

AFN: Qual o papel e a importância da instalação na Fiocruz do Comitê de Acompanhamento Técnico-Científico das Iniciativas Associadas a Vacinas para a Covid-19?

Cristiana Toscano: Comitê foi instituído com o objetivo principal de acompanhar esse processo e fornecer subsídios técnicos para a discussão, considerando as iniciativas e estratégias da Fiocruz para promover e fomentar a disponibilização através de compra, transferência de tecnologia e produção de vacinas para Covid-19. O trabalho do Comitê é muito importante e conta com especialistas de diversas áreas relacionadas ao processo técnico-científico da imunização, à estratégias públicas de gestão de serviços públicos, epidemiologia, desenvolvimento tecnológico, entre outros, e que tem tido um trabalho bastante importante neste processo.

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