04/05/2022
Luana Dandara (Portal Fiocruz)
Registrada no Brasil desde o fim do século XIX, a poliomielite é uma grave doença infecto-contagiosa aguda que provocou numerosos surtos e epidemias no país e em outras partes do mundo, no século XX. Embora a maioria dos países tenham eliminado a pólio, a doença ainda é registrada em algumas partes do mundo – o que é motivo de preocupação entre especialistas, pela possibilidade de reintrodução do poliovírus selvagem no país.
Dedicada ao estudo da história da doença, a historiadora Dilene Raimundo do Nascimento, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), relembra como a erradicação da paralisia infantil em território nacional demandou enorme esforço institucional desde o início da década de 1980 e foi uma grande conquista da saúde pública no início da década de 1990.
Organizadora do livro ‘A História da Poliomielite’, publicado em 2010, e de outros trabalhos sobre a doença, Nascimento detalha que no ano de 1911, o médico Fernandes Figueira fez a primeira descrição de um surto de poliomielite no país, no Rio de Janeiro. Em 1930, várias epidemias também foram registradas em São Paulo e outras capitais. “Na época, uma epidemia de paralisia infantil também já havia atingido fortemente os Estados Unidos, tendo as crianças como suas principais vítimas”, disse ela.
Foi só na década de 1950, contudo, que a poliomielite chamou a atenção da opinião pública no país, quando epidemias cresceram de proporção e se espalharam por diversas cidades brasileiras, incluindo a maior já registrada no Rio, em 1953, com cerca de 746 casos. Nessa época, a doença gerava grande medo pelas graves consequências causadas numa parcela das pessoas atingidas.
A mobilização da comunidade científica levou ao desenvolvimento, ainda na década de 1950, das duas vacinas contra a doença usadas até hoje. O pesquisador e médico norte-americano Jonas Salk foi o responsável pela primeira, contendo o vírus inativado e injetável. A segunda, em gotinhas, e que traz o vírus atenuado, foi criada pelo pesquisador polonês Albert Sabin.
O Brasil contra a pólio
No Brasil, as atividades de imunização em massa foram iniciadas em 1961, com a adoção da vacina Sabin, mas sem a abrangência e continuidade necessárias para o controle da doença. Também nessa época, foi introduzida no país a técnica laboratorial de diagnóstico do poliovírus, no Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). Na década de 1970, o Ministério da Saúde tentou, ainda, utilizar de outras estratégias para vacinar a população e conter a doença, como a vacinação de rotina em vez da promoção de campanhas, sem muito sucesso.
Em 1980, a partir de iniciativas internacionais de controle e erradicação, foi estabelecida a primeira estratégia de campanha nacional de imunização contra a pólio. O ‘Dia Nacional de Vacinação’ tinha o objetivo de vacinar todas as crianças de até 5 anos de idade em todo território nacional, em único dia. Segundo Dilene, com apenas três anos de existência da campanha, a incidência da pólio se aproximou de zero. Somente entre os anos de1968 e 1989 o Brasil havia contabilizado mais de 26 mil casos da infecção, conforme dados do Ministério da Saúde.
O último caso de poliomielite paralítica, causada pelo poliovírus selvagem, ocorreu em 1989, na cidade de Souza, na Paraíba. A doença é considerada oficialmente eliminada do território nacional desde 1994, quando foi emitido o certificado da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS). Apesar disso, desde 2015, o Brasil não atinge a meta de 95% do público-alvo vacinado, patamar necessário para que a população seja considerada protegida.
Atualmente, o vírus selvagem permanece endêmico em apenas dois lugares do mundo: Paquistão e Afeganistão. Em fevereiro, um surto também foi identificado no Malawi. A nação africana não registrava casos de poliomielite desde 1992. Especialistas da Fiocruz alertam para o risco de a doença ser reintroduzida no Brasil (link), por conta das baixas coberturas vacinais e a falta de vigilância constante.
Transmissão e sintomas
A poliomielite é transmitida, geralmente, através da boca, a partir do contato direto com fezes contaminadas ou por água e alimentos contaminados por essas fezes. Por isso, locais com falta de saneamento, más condições habitacionais e de higiene pessoal precária são mais suscetíveis a doença. A pólio também pode ser disseminada pela forma oral-oral, através de gotículas expelidas ao falar, tossir ou espirrar.
O poliovírus se multiplica, inicialmente, nos locais por onde ele entra no organismo (boca, garganta e intestinos). Em seguida, vai para a corrente sanguínea e pode chegar até o sistema nervoso. Desenvolvendo ou não sintomas, o indivíduo infectado elimina o vírus nas fezes, dando continuidade ao ciclo viral. O vírus da poliomielite é bastante resistente, e pode sobreviver durante meses no esgoto.
Na maior parte dos casos, conforme explicado pelo virologista Edson Elias, chefe do laboratório do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), os infectados apresentam poucos sintomas ou nenhum, com um quadro semelhante à gripe, com febre e dor de garganta, ou às infecções gastrintestinais, com náusea, vômito, constipação e dor abdominal. Mas parte dos infectados, especialmente crianças com menos de cinco anos, podem sofrer com formas graves da poliomielite.
Nesses casos, o vírus, após atacar o sistema nervoso, pode causar paralisia flácida aguda permanente, insuficiência respiratória e até o óbito. Em geral, a paralisia se manifesta nos membros inferiores de forma assimétrica, ou seja, ocorre apenas em uma das pernas. As principais características da sequela são a perda da força muscular e dos reflexos, sem perda de sensibilidade.
“Cerca de 97% dos infectados sofre com um quadro respiratório leve, 2% podem apresentar um quadro de meningite e menos de 1% vai desenvolver a paralisia. Após a infecção, não há cura para a paralisia infantil. Uma vez paralítica, a criança está paralítica pelo resto da vida, é um grande drama. A melhor prevenção é a vacina”, destacou Elias.
Entenda mais sobre o risco de reintrodução da poliomielite no Brasil.