Os problemas sanitários do Rio de Janeiro compunham apenas uma parte das preocupações de Oswaldo Cruz, no entanto. Com as campanhas encaminhadas na capital, o cientista e seus pares do Instituto de Manguinhos voltaram seus olhares para outras regiões. “Quando debelou os surtos epidêmicos na cidade do Rio, Oswaldo Cruz se dirigiu ao interior e aos portos. Eles descobriram mazelas, entre as quais a doença de Chagas, mas também se colocaram como parte da solução”, afirma Carlos Fidelis. “Ele tinha uma visão muito atenta do quadro sanitário e político. Ele não fazia ciência pela ciência, mas uma ciência voltada para os problemas do Brasil. Achava que, se não tivesse contato com isso, a instituição perdia a razão de ser.”
Menos de um ano depois de enfrentar e superar a Revolta da Vacina no Rio, Oswaldo Cruz embarcou a bordo do navio República para uma série de visitas aos portos da Região Norte do Brasil, em 1905. O levante popular teve como origem a obrigatoriedade de vacinação da população do Rio de Janeiro, capital federal, contra a varíola em 1904. Durante seis meses da expedição sanitária aos portos marítimos e fluviais, o cientista fez anotações detalhadas da passagem por cada porto, mostrando-se um verdadeiro cronista: foi além de impressões sobre as condições de saúde nas cidades, sobre sua arquitetura e topografia. Em cartas enviadas à mulher, Emília, ele relatou hábitos e costumes dos habitantes de lugares como Vitória, Porto Seguro, Salvador, Aracaju, Maceió e Manaus.
“Além de registrar impressões sobre as condições de saúde reinantes nas cidades visitadas, sua arquitetura e topografia, o cientista comentava os hábitos e costumes de seus habitantes, seus modos de vestir e falar”, afirma a historiadora da Casa de Oswaldo Cruz Ana Luce Girão. Tampouco escaparam à observação de Oswaldo Cruz o comportamento de personagens que conhecia de porto em porto, fossem autoridades, membros das elites locais ou gente simples do povo. Alguns relatos e comentários dão a impressão de que, transcorrido mais de um século das andanças do cientista, alguns problemas – bem como suas raízes – parecem imutáveis.
“É nítida a aversão que Oswaldo Cruz começava a desenvolver por políticos locais que não se ocupavam com o saneamento da região que governavam, empregando dinheiro público em proveito próprio e na construção de suas carreiras políticas sobre bases clientelísticas. Ao elogiar a firmeza de caráter de algum político, no entanto, o cientista faz questão de realçar a excepcionalidade dessa virtude”, comenta Ana Luce.
:: Um lugar para a ciência brasileira
:: Oswaldo Cruz e a teoria do mosquito
Texto adaptado da edição edição nº 37 da Revista de Manguinhos, publicada em maio de 2017.
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