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Médico do IFF esclarece dúvidas sobre a vacina contra HPV


25/04/2014

Fonte: IFF/Fiocruz

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O Sistema Único de Saúde está disponibilizando a vacina contra o HPV para meninas de 11 a 13 anos desde março. Indicada como estratégia contra o câncer do colo de útero em 51 países, a vacina utilizada no Brasil é recomendada pela OMS e atua em quatro dos principais subtipos de vírus causadores da doença (6, 11, 16 e 18). Em balanço apresentado no início de abril, o Ministério da Saúde indicou que 2,4 milhões de meninas foram vacinadas nas três primeiras semanas. Mas a vacinação é um dentre os vários cuidados que a mulher deve adotar para a prevenção do HPV e do câncer do colo do útero. Ela não substitui a realização do exame preventivo e nem o uso do preservativo nas relações sexuais. Nesta entrevista, o médico ginecologista do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), Fábio Russomano, esclarece dúvidas recorrentes sobre a vacina.

Qual a importância da vacina contra o HPV?

Fábio Russomano: Ela é capaz de prevenir uma parcela significativa dos casos de câncer do colo do útero. É um dos poucos casos de câncer em que se conhece o agente causador e há uma vacina para prevenir sua contaminação. O câncer de colo do útero é a segunda neoplasia maligna em incidência em todo o mundo, atrás apenas dos tumores de pele não-melanoma. No Brasil é o 3º tumor mais frequente, perdendo, também, para o câncer de mama. Como é passível de prevenção pelos serviços de saúde, sua maior incidência é encontrada em locais de difícil acesso ou pobre estrutura de serviços. É o caso de países em desenvolvimento e, no Brasil, das regiões mais pobres. Depois dos tumores de pele não-melanoma, o câncer do colo do útero é o mais incidente na região Norte (23,57/ 100 mil). Nas regiões Centro-Oeste (22,19/ 100 mil) e Nordeste (18,79/ 100 mil), é o segundo mais frequente. Na região Sudeste (10,15/100 mil), o quarto e, na região Sul (15,87 /100 mil), o quinto mais frequente. As vacinas podem contribuir para sua redução, especialmente se obtivermos uma grande cobertura e se forem alcançadas meninas em locais que tem menor acesso aos serviços de saúde, como as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e, nas demais, em comunidades mais carentes.

Qual a eficácia da vacina? Ela já está comprovada?

Grandes ensaios clínicos conduzidos em vários países, incluindo o Brasil, demonstraram que mulheres vacinadas e que não tinham tido contato prévio com o HPV praticamente não tiveram lesões relacionadas com os tipos de HPV existentes nas vacinas. E também demonstraram uma redução do risco de lesões relacionadas a outros tipos filogeneticamente relacionados aos tipos vacinais, o que se chama de “proteção cruzada”. Não há dúvidas quanto a sua eficácia quando utilizada em meninas e mulheres antes do início da prática sexual. Além da proteção contra o câncer de colo, a vacina vai possibilitar menos procedimentos diagnósticos e terapêuticos relacionados às lesões pelo HPV, alguns delas causadores de sequelas como risco de parto prematuro, e também vai prevenir contra outras doenças menos frequentemente relacionadas ao HPV, como o câncer anorretal, do pênis e da boca e laringe, porque protege também os homens, parceiros sexuais, pelo efeito denominado imunidade de rebanho

Grupos que se posicionam contra a vacinação citam riscos como esterilidade e mortes provocadas por doenças autoimunes. Houve alguma comprovação científica que associe a vacina a esses riscos? Existem riscos comprovados da vacina?

Negativo. Não há conhecimento de efeitos indesejados significativos nos estudos clínicos, mesmo após mais de oito anos de seguimento, ou em sua utilização em larga escala em programas de imunização. Os relatos de problemas comprovadamente relacionados às vacinas são, em sua maioria, devido às substâncias adjuvantes ou veículo de administração, como dor e vermelhidão no local da aplicação.

Grupos religiosos também se preocupam com o fato de que a vacinação de meninas na faixa etária de 11 a 13 anos poderia antecipar o início da vida sexual de adolescentes. O que você pensa sobre isso?

Penso que os fatores determinantes do início da atividade sexual são vários e complexos. Acredito que uma questão fundamental para isso são os valores que são passados pela família e a situação de vulnerabilidade da mulher. A vacinação contra HPV, se for encarada como um passaporte para a prática sexual sem riscos de DST ou gravidez pode ser encarada dessa forma. Todavia, não é essa a mensagem que assistimos na propaganda oficial, que orienta para o objetivo adequado: independente da cultura e práticas das populações, todas as mulheres estão sujeitas ao câncer de colo do útero e não devem desperdiçar a oportunidade de serem vacinadas no momento adequado e gratuitamente.

Se a mulher sempre fizer sexo de camisinha estará protegida contra o HPV?

Infelizmente não. O HPV não depende da ejaculação para ser transmitido. Assim, se o casal utiliza a camisinha somente próximo da ejaculação, o contágio já poderá ter ocorrido. Mesmo que a camisinha seja utilizada durante todo o ato sexual, como o contágio é feito entre pele doente e pele saudável e a camisinha não cobre toda a pele do pênis, a parte não coberta tem contato com a vulva (parte externa da vagina), possibilitando a contaminação. Todavia, é inegável que seu uso reduz o risco de transmissão do HPV e impede o contágio de outras doenças, como o HIV e gonorreia. Assim, apesar de suas limitações no caso do HPV, deve ter seu uso estimulado de maneira universal.

Há muitos relatos de pessoas que nunca ouviram falar da sigla HPV, outros que pensam que a doença se relaciona a Aids. Você acha que ainda há falta de informação sobre a doença? O desconhecimento sobre a doença pode provocar uma resistência à campanha de vacinação por parte da população?

Com certeza. Há pouca informação e má informação.Muitas mulheres acreditam que o HPV é resultado de promiscuidade, como as demais DST, mas não sabem que a maioria das pessoas tem contato com HPV ao longo da vida. Ou seja, independente do número de parceiros, o risco de ter tido contato com HPV existe para todas as mulheres que tem ou tiveram atividade sexual. No caso das meninas, esse preconceito pode desestimular a procura pela vacina, amparadas pelo sentimento por parte das famílias de que suas filhas não estariam expostas por não as verem no futuro como tendo vários parceiros ou tendo sexo antes do casamento. Já outras mulheres acreditam que ter HPV é igual a ter câncer, quando isso não é verdade, gerando muito sofrimento. Ter HPV é igual a ter risco para câncer, como no caso de fumo e câncer de pulmão: quem fuma sabe que tem mais risco do que quem não fuma, mas uma minoria terá câncer de pulmão no futuro. Todavia, no caso do câncer de colo, é precedido de lesões precursoras, facilmente detectadas e tratadas se a mulher estiver fazendo seu preventivo regularmente. Apenas 1% das mulheres terá alguma lesão significativa relacionada ao HPV. As mães, da mesma forma que não aceitam a possibilidade de ter ou vir a ter câncer, podem aplicar esse sentimento às suas filhas e julgar que elas não precisam ser vacinadas.

O papanicolau foi até hoje a principal ação de saúde para prevenção de câncer de colo de útero e ovário no país. As meninas que forem vacinadas, ao iniciarem sua vida sexual, ainda deverão fazer exames preventivos, como o papanicolau?

Sim. Como as vacinas atualmente disponíveis e que estão sendo oferecidas no Brasil contém apenas os tipos vacinais de HPV mais frequentes, não haverá efeito protetor contra infecção por outros tipos relacionados ao câncer de colo. Assim, a menina vacinada deve ser orientada a submeter-se à prevenção do câncer de colo como todas as demais, a partir da idade (aos 25 anos) e frequência recomendadas (trienal após 2 exames anuais negativos). Uma observação: o papanicolau somente é útil para a prevenção do câncer do colo do útero. Não previne nenhuma outra doença e costuma ser usado excessiva e inadequadamente para diagnóstico de infecções vaginais.

Se, mesmo após a vacinação, ainda há necessidade de realizar o papanicolau, vale a pena tomar a vacina? Por quê?

Sim, porque apesar de não eliminar o risco de câncer e de suas lesões precursoras, reduz muito essa possibilidade. É um grande benefício a ser adquirido frente à praticamente inexistência de efeitos indesejados. Some-se a isso o financiamento pelo governo brasileiro, ou seja, não haverá custo para as família. Não há dúvidas de que deve ser utilizada.

Com relação à faixa etária que está sendo alvo da campanha de vacinação (11 a 13 anos) do Ministério da Saúde, há algumas polêmicas em questão. A primeira é com relação ao tempo de imunização. Se uma menina de 11 anos receber a vacina, já se sabe até que idade ela estaria imunizada?

Ainda não se sabe, mas todas as evidências apontam para muitos anos de proteção sem necessidade de reforço. Vacinar mais tarde implica em risco de início da atividade sexual e perda da oportunidade de obter o máximo benefício da vacinação. Grupos de mulheres vacinadas nos estudos conduzidos continuam a ser seguidas e vem mantendo níveis adequados de anticorpos contra os tipos vacinais de HPV. A comunidade científica acompanha as publicações sobre esse assunto e, se houver a necessidade de reforço, rapidamente saberemos disso.

A segunda questão diz respeito aos testes clínicos. O médico Daniel Knupp, diretor de pesquisa e pós-graduação da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), associação científica que lançou uma nota de repúdio à adoção da vacina pelo SUS, afirma que nenhum teste clínico da vacina foi feito com a faixa etária que vem sendo recomendada para vacinação. Todos os ensaios clínicos até hoje analisaram mulheres com mais de 15 anos. Isso é verdade? Em caso afirmativo, você acredita que pode haver diferença de resposta imunológica se a vacina for aplicada a uma faixa etária menor?

Já existem evidências em meninas e adolescentes. O estudo de que tenho conhecimento envolvendo mais jovens é em meninas com 13 anos e houve resposta imunológica superior àquela obtida em mulheres mais maduras. Essas evidências, aliadas à necessidade de vacinar meninas antes da atividade sexual fez com que a OMS e recomendasse seu uso nessa faixa etária.

Outra questão está relacionada ao calendário de imunização utilizado pelo SUS. Segundo a Merck, fabricante da vacina, a segunda dose deve ser tomada dois meses após a primeira, seguida de um reforço seis meses depois. No SUS, a segunda dose será oferecida seis meses após a primeira e a terceira, depois de passados cinco anos. É correto afirmar que, seguindo o calendário de imunização do SUS, as meninas estariam 100% imunizadas já após a segunda dose ou seria necessário esperar o reforço da vacina cinco anos mais tarde para ter essa certeza?

A recomendação da Merck é a que consta em bula e que foi testada nos ensaios clínicos, mas não é o único esquema vacinal possível. Tenho conhecimento de outros esquemas vacinais que funcionaram tão bem quanto o recomendado em bula, mas não precisamente sobre esse adotado pelo governo brasileiro. No entanto, posso assegurar que os profissionais do Programa Nacional de Imunizações são sérios e tomam decisões baseadas na melhor evidência disponível. Não iriam desperdiçar milhões de reais num esquema vacinal ineficaz. 

 

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