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Vacina contra HPV: especialistas esclarecem dúvidas e pontos polêmicos

Jovem sendo vacinada

25/04/2014

Por Clarisse Castro/ Portal Fiocruz

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O governo federal incluiu no Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Sistema Único de Saúde (SUS) a vacina contra o HPV, sigla em inglês para papilomavírus humano. A vacina vai atuar em 70% dos casos de câncer do colo do útero causados por algum dos vírus presentes no HPV, especialmente os tipos 16 e 18. No começo de abril, um mês após o início da vacinação, mais de três milhões de meninas na faixa etária de 11 a 13 anos, público-alvo da ação em 2014, já haviam sido imunizadas. Pelo esquema vacinal adotado no país, serão ministradas três doses. A segunda é aplicada seis meses depois da inicial, e a terceira, cinco anos após a primeira dose.

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Esta definição de público, que inclui apenas adolescentes do sexo feminino no Brasil, é uma das razões de dúvidas sobre a imunização contra HPV - mas há outras. A opção pela oferta da vacina quadrivalente (que protege contra quatro subtipos de HPV – 6, 11, 16 e 18) no PNI tem gerado debates tanto do ponto de vista terapêutico quanto do político, que se acentuam pelo fato de ser um processo inédito no Brasil. “Não é uma vacina típica para o PNI, porque não funciona como as demais vacinas disponíveis pelo SUS”, explica a professora do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Gulnar Azevedo, uma das pesquisadoras da equipe que elaborou em 2012 o Projeto Avaliação tecnológica de vacinas para a prevenção de infecção por papilomavírus humano (HPV): estudo de custo-efetividade da incorporação de vacina contra HPV no Programa Nacional de Imunizações/PNI do Brasil.

A novidade se deve ao fato de que, pela primeira vez, o governo federal aposta numa vacina de prevenção a um tipo de câncer, o de colo do útero, que tem relação direta com o HPV. Para alguna especialistas, a controvérsia existe devido a três motivos em especial. Primeiro porque a imunização envolve alto investimento: os laboratórios públicos do Brasil ainda não produzem a vacina, e o governo federal adquiriu da Merck Sharp & Dohme, para 2014, 15 milhões de doses por R$30 cada. Na rede privada, cada dose custa em média R$450. Segundo porque, diferentemente de outras vacinas, só será possível ter certeza sobre sua efetividade daqui a cerca de 20 anos. E o terceiro ponto é o fato de o sucesso da vacina estar ligado à necessidade de adesão da população envolvida - ou seja, de adolescentes, que não são um público-alvo típico de esquemas de imunização no país, o que pode ocasionar uma baixa aderência à vacina.

Há segurança comprovada?

A vacina contra HPV utilizada no SUS é recomendada pela Organização Mundial de Saúde. Dados apresentados pelo Ministério da Saúde apontam que em 2013 a vacina já era utilizada em 51 países no mundo, especialmente nos Estados Unidos, com 180 milhões de doses administradas. O México foi o primeiro país a adotar a vacina, em 2009. O Ministério da Saúde aguarda, inclusive, que o governo mexicano realize sua primeira avaliação, para decidir se será realmente mantida a terceira dose da vacina após cinco anos.

Quando as primeiras doses foram administradas no Brasil, houve relatos de reações adversas em adolescentes de algumas regiões do Brasil. Foram registros de manifestações sistêmicas como cefaleia (dor de cabeça), febre de 38° ou mais, tontura, palidez, síncope nervosa. Segundo a coordenadora substituta do Programa Nacional de Imunizações da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, Ana Goretti Kalume Maranhão, estes eventos foram causados muito mais pelo estresse, pelo medo, pela comoção coletiva, do que propriamente pela vacina. “Uma menina vê a outra desmaiando e desmaia também. Por isso recomendamos que vacinem sentados e permaneçam sentados por pelo menos 15 minutos”.

Outro aspecto em discussão é o temor dos pais de que a vacina estimule a desinibição para a prática sexual, inclusive flexibilizando o uso da camisinha. Segundo Goretti, há estudos envolvendo isso, no Canadá, e em nenhum foi possível provar uma relação direta entre uma coisa e outra. Na opinião do médico ginecologista do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) Fábio Russomano, “independentemente da cultura e práticas das populações, todas as mulheres estão sujeitas ao câncer de colo do útero e não devem desperdiçar a oportunidade de serem vacinadas no momento adequado e gratuitamente”. Além disso, o uso do preservativo não garante a segurança total de não infecção pelo HPV. “Mesmo que a camisinha seja utilizada durante todo o ato sexual, como o contágio é feito entre pele doente e pele saudável, e a camisinha não cobre toda a pele do órgão sexual, há possibilidade de contaminação”.

No Brasil, o Ministério da Saúde criou um sistema de notificação para registrar e avaliar os efeitos adversos - foram cerca de 230 até o início de abril. A cidade que mais registrou casos assim foi Porto Alegre, com nove manifestações de efeitos, prontamente controlados pela equipe de saúde disponível no local de vacinação. Neste caso, o lote foi suspenso e avaliado pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz), que não encontrou irregularidades. “Estamos preocupados em notificar e analisar as reações adversas. O maior desafio é convencer os estados a relatarem os episódios no Sistema em até 24 horas do seu aparecimento”, explica a coordenadora. 

Por que vacinar apenas meninas entre 9 a 13 anos?

Por ser uma vacina profilática, o mais recomendado é que a primeira dose seja administrada antes da primeira relação sexual. Segundo o Ministério da Saúde, há estudos que apontam a idade de 13 anos como o período médio de início da vida sexual das meninas no Brasil. 

Mesmo que não se saiba ao certo com quantos anos será possível dizer que a adolescente hoje vacinada se torne uma mulher protegida, para Russomano não se deve perder a oportunidade de realizar a vacinação. “Todas as evidências apontam para muitos anos de proteção sem necessidade de reforço. Vacinar mais tarde implica risco no início da atividade sexual e perda da oportunidade de obter o máximo benefício da vacinação. Além disso, grupos de mulheres vacinadas nos estudos conduzidos continuam a ser seguidas e vêm mantendo níveis adequados de anticorpos contra os tipos vacinais de HPV. Não há dúvidas de que a vacina deve ser utilizada”.

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