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HPV, câncer de colo do útero e vacina: entenda a relação


25/04/2014

Por Clarisse Castro/ Portal Fiocruz

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Embora a comprovação científica do HPV como causa necessária, ainda que não suficiente, para o desenvolvimento do câncer de colo uterino tenha se dado no início da década de 1990, depois da realização de inúmeros estudos de base clínica e populacional no mundo, a vacina só foi licenciada pela Anvisa para o uso no Brasil em 2006. Ser causa necessária mas não suficiente implica a compreensão de que nem todas as pessoas que tiverem contato com HPV irão necessariamente desenvolver o câncer de colo do útero, mas que podem vir a desenvolvê-lo, a depender de alguns fatores como o grau de ocorrência da lesão no momento do diagnóstico e o acesso ou não ao tratamento indicado. “Ter HPV é igual a ter risco para câncer, como no caso de fumo e câncer de pulmão: quem fuma sabe que tem mais risco do que quem não fuma, mas uma minoria terá câncer de pulmão no futuro”, explica o médico ginecologista do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) Fábio Russomano.

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Segundo o Instituto Nacional de Câncer, aproximadamente 291 milhões de mulheres no mundo são portadoras do HPV, das quais 32% estão infectadas pelos tipos 16, 18 ou ambos (identificados em 70% dos casos de câncer que se desenvolvem a partir do HPV). Se compararmos a incidência de 500 mil casos/ano de câncer aproximadamente, é possível afirmar que este é um desfecho raro, mesmo na presença da infecção pelo HPV. Neste caso, apenas a infecção pelo HPV justificaria a implantação da vacina?

Se pensarmos na implantação da vacina como uma possibilidade de prevenir mais uma doença, que em suas manifestações mais severas influencia na qualidade de vida de milhares de homens e mulheres, a resposta é sim, vale a pena. “Além da proteção contra o câncer de colo, a vacina vai possibilitar menos procedimentos diagnósticos e terapêuticos relacionados às lesões pelo HPV, alguns delas causadores de sequelas como risco de parto prematuro, e também vai prevenir contra outras doenças menos frequentemente relacionadas ao HPV, como o câncer anorretal, do pênis e da boca e laringe, porque protege também os homens, parceiros sexuais, pelo efeito denominado imunidade de rebanho”, esclarece Russomano.

Prevenção tradicional é via papanicolau

O investimento financeiro na vacina gera preocupações porque, historicamente, a maneira de prevenir o HPV é pelo rastreamento através do exame papanicolau, introduzido no Brasil no final da década de 80, eficaz inclusive para o controle do surgimento do câncer. Assim, uma boa política de acesso ao papanicolau e aos demais exames diagnósticos, quando necessários, seria, em tese, suficiente para reduzir os casos de HPV e de câncer no Brasil. Foi o que mostraram países como Islândia e Finlândia, que introduziram o papanicolau desde a década de 1960, e apresentaram 70% de redução tanto da incidência quanto da mortalidade por câncer já na década de 80.

“No caso do câncer do colo do útero, o rastreamento identifica lesões antes do desenvolvimento da doença, ou seja, pelo rastreamento poderíamos evitar o carcinoma invasivo, que é diferente da situação do câncer de mama, por exemplo, onde aquilo que se rastreia já é a detecção de uma lesão maligna iniciada”, explica professora do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Gulnar Azevedo.

A avaliação realizada em 2012 mostra um dado positivo para o Brasil: numa porcentagem de prevalência da infecção por HPV no mundo que varia de 38% (a mais alta encontrada, em alguns países da África) até 5,8% (a mais baixa, verificada na Suécia) o Brasil ocupa uma posição intermediária, com prevalência de HPV de alto risco estimada em torno de 18%, com diferenças regionais.

 “O Brasil está apresentando uma queda significativa da mortalidade de mulheres e isso é uma consequência do SUS. Se pensarmos nos diferentes níveis de infecção pelo HPV, que vão da lesão menos significativa à mais grave, quando apenas 1% dos casos poderá apresentar redução a partir do tratamento, vale a pena considerar o custo da vacina se levarmos em conta o futuro. O HPV é vacina de rotina, e com o tempo vai reduzir a presença do HPV”, destaca Gulnar.

Para Maria Auxiliadora Oliveira, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública na área de política de medicamentos, seria melhor, para o cuidado com a mulher de um modo integral, investir no fortalecimento do rastreamento tradicional. “Me chamou atenção o fato disso ser uma prioridade. É um experimento de longa escala e de longo prazo. E isso tem que ficar claro porque fica parecendo que é como a vacina de pólio, que já é comprovadamente eficaz. Não se sabe, apenas supõe-se que daqui a 15, 20 anos, meninas não vão ter câncer de colo do útero. Acontece que só com insumos o Brasil já gastou 1,5 bilhão de reais. É mais do que se gasta para tratar Aids no Brasil, que é uma doença instalada. Está sobrando dinheiro no SUS?”, questiona.

Segundo a coordenadora substituta do Programa Nacional de Imunizações da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, Ana Goretti Kalume Maranhão, não se trata de dividir recursos, mas de somar esforços. “Não estamos priorizando a vacinação em detrimento do papanicolau. É uma soma. Vai levar 15, 20 anos para mostrar seus efeitos, mas vai acontecer. E isso já justifica a política. Levamos três anos conduzindo estudos de custo-efetividade, vendo se teríamos como produzir a vacina. Não foi uma decisão precipitada.”

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