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Seminário discute o papel das vacinas na Agenda 2030

Palestrantes na mesa de abertura

21/06/2019

Por: Gustavo Mendelsohn de Carvalho e Ricardo Valverde (Agência Fiocruz de Notícias)

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A Fiocruz sediou, em 13 de junho, o seminário Vacinas e Vacinação no Brasil: Horizontes para os Próximos 20 anos, promovido pela iniciativa Brasil Saúde Amanhã no contexto da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030. O evento trouxe contribuições para o cumprimento da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU, no tocante a vacinas e vacinações. A mesa de abertura contou com as presenças da presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, do vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fundação, Marco Krieger, do coordenador da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030, Paulo Gadelha, do diretor da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), Hermano Castro, e do assessor científico do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), Akira Homma.

O seminário abordou aspectos relacionados ao campo da ciência, tecnologia e inovação, contemplando ainda obstáculos tecnológicos e regulatórios a serem superados. Paulo Gadelha afirmou que a questão de vacinações se relaciona de maneira quase natural com a Agenda 2030, “do ponto de vista da saúde pública uma das tecnologias mais efetivas”. A presidente Nísia Trindade abordou o encontro de perspectivas do tema discutido no Seminário e das comemorações dos 120 anos da Fiocruz, no próximo ano. “Nesse binômio vacina e vacinação, pensando não só no futuro da instituição, mas no futuro da saúde, duas palavras se destacam: soberania e democracia”, afirmou. Para Nísia, “o desenvolvimento científico pode até acontecer em contextos autoritários, mas toma outra direção se for conjugado com uma visão democrática”.

Na sequência teve início o painel Vacinas e vacinação no Brasil: Agenda 2030 na perspectiva do desenvolvimento sustentável, com a apresentação da assessora científica de Bio-Manguinhos, Cristina Possas. Ela descreveu um momento de grandes mudanças no paradigma científico e tecnológico, com uma nova geração de vacinas, “por outro lado, temos um cenário complexo de doenças emergentes e negligenciadas, no qual há uma crescente demanda por vacinas de pouco interesse comercial. Esta é uma oportunidade para países como o Brasil”. Para a pesquisadora, “o futuro da medicina está na imunoterapia, que vai permitir vacinas individualizadas, de acordo com o perfil genético dos indivíduos. Mas ela considera que persistem grandes desafios globais, “como a queda da cobertura vacinal, baixo investimento em vacinas pouco atrativas comercialmente e a necessidade de governança orientada para resultados”.

O assessor científico de Bio-Manguinhos e do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz) Marcos da Silva Freire concentrou sua apresentação no tema Translação de vacinas – da bancada à produção, fazendo um breve histórico da produção de vacinas até os dias atuais, quando existem mais de 30 vacinas licenciadas com mais de 80 formulações diferentes, e uma expectativa de crescimento de US$ 50 bilhões até 2023, em um mercado concentrado basicamente em quatro grandes empresas. Ele revelou que hoje são mais de 800 vacinas em desenvolvimento tecnológico e mais de 400 em desenvolvimento clínico, “mas quanto mais incipiente um projeto maior o risco nas várias fases desse ciclo de desenvolvimento tecnológico, quando evolui o risco diminui, mas há maior necessidade de aporte de investimentos”. Freire afirmou que são necessárias muitas etapas” para se chegar a uma nova vacina, “é necessário um longo tempo, é normal se pensar em 10 a 20 anos, não tem como fazer uma vacina em curto prazo”.

Desafios regulatórios para qualidade das vacinas foi o objeto da apresentação de Monique Colaço, assessora da Vice-Diretoria de Qualidade de Bio-Manguinhos. Com exemplos históricos, ela constatou que “a percepção da importância de uma avaliação independente dos medicamentos ela foi alcançada em diferentes momentos, basicamente motivada por tragédias no caso de experiências com vacinas, mas trouxeram importantes regulamentações”. Os fabricantes passaram a ter que apresentar evidências da segurança e eficácia dos produtos, havendo a necessidade de harmonização da regulamentação sanitária. “O que levou, em 1990, à criação do Conselho Internacional para a Harmonização de Requerimentos Técnicos para Fármacos de Uso Humano (ICH), do qual a Anvisa, faz parte hoje em dia”, afirmou Monique. Ela enfatizou a importância da criação do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz): “foi um marco muito importante para o controle de qualidade das vacinas, na credibilidade do Programa Nacional de Imunizações (PNI)”.

Akira Homma encerrou o painel da manhã com o tema Evolução das vacinas e vacinações no Brasil, oferecendo um histórico do êxito das vacinações, da produção de vacinas e da cultura da imunização no Brasil desde o Império. “A prevenção das doenças por vacinação tem um impacto que é considerado pela OMS comparável aos benefícios da água potável”, afirmou. Homma lembrou que a vacinação sempre recebeu apoio de todos os governos brasileiros e que atualmente o PNI “é um dos programas do Ministério da Saúde com o maior volume de recursos, de R$ 4,6 milhões, e historicamente apresentou resultados espetaculares”. Ele mostrou que empresas multinacionais e governos de países desenvolvidos “fazem altos investimentos em PD&I. Novos e mais elaborados produtos serão colocados no mercado, a altíssimo preço”. Para contornar esta realidade, Homma recomenda o aumento de oferta, a preços acessíveis da produção nacional, “com a incorporação de novas tecnologias de produção, utilizando o poder de compra do Estado brasileiro”.

O seminário Vacinas e Vacinação no Brasil: Horizontes para os Próximos 20 Anos, continuou na parte da tarde, com mais um painel. Intitulado Perspectivas nacionais e globais em vacinas, contou com três apresentações: Avaliação comparada de calendários vacinais, do pesquisador André Siqueira, do Instituto Nacional de Infectologia da Fiocruz, Tendências econômicas e de inovação no mercado de vacinas: uma nota exploratória sobre a dinâmica global e nacional, do coordenador das Ações de Prospecção da Presidência da Fundação, Carlos Gadelha, e Sistema Fiocruz de CT&I associado ao desenvolvimento de novas vacinas, do vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, Marco Aurélio Krieger.

Siqueira discorreu sobre a composição do calendário vacinal, comparando-o com o de outros países. “O objetivo principal da construção de um calendário vacinal pelo Programa Nacional de Imunização é promover uma resposta imune efetiva e duradoura contra as doenças, e para isso é preciso levar em conta também a epidemiologia local, além de alguns fatores programáticos e logísticos que vão ser considerados na construção do calendário”, afirmou o pesquisador.

Ele lembrou que as vacinas de vírus vivos promovem uma imunidade de maior magnitude e mais duradoura. “Quanto mais maduro o sistema imune melhor vai ser a resposta. Também existe a influência potencial dos anticorpos maternos passados pela placenta no parto. Então, a depender de determinadas doenças, se na transmissão a pessoa fica exposta muito cedo ou mais tardiamente, isso pode influenciar o momento em que a vacinação é dada. A partir do nascimento de uma criança ela vai ter às vezes anticorpos maternos adquiridos tanto por exposição natural quanto por vacinação da mãe e isso decai com o tempo. Para muitas dessas doenças o primeiro ano de vida pode ser o momento mais crítico e a maturação imunológica também influencia bastante no melhor momento de a vacina ser dada”.

Siqueira apresentou um gráfico comparando o calendário vacinal na década de 1960 no Estados Unidos e na Inglaterra e no País de Gales, países pioneiros em montar programas de imunização. Ele mostrou que, se eram basicamente, nos EUA, quatro vacinas (DTP, pólio, sarampo e varíola), no Reino Unido já havia sido acrescentada a BCG.

No Brasil, em 2009, o calendário apesentava 14 vacinas da infância. “Existem algumas semelhanças dos calendários vacinais: o Brasil adota as doses aos 2, 4 e 6 meses de idade, com reforço aos 15 meses e os 4 anos, no caso da pentavalente (difteria, tétano, coqueluche, meningite por Haemophilus influenzae tipo B e poliomielite). Os EUA, com um calendário bastante semelhante ao nosso, adota a hexavalente (difteria, tétano, coqueluche, meningite por Haemophilus influenzae tipo b, poliomielite inativada e hepatite B). O Reino Unido adota um calendário diferenciado para a hexavalente, com intervalos de 1 mês, 2, 3 e 4 meses, com reforços aos 3 anos e 4 anos. Na França é um pouco diferente, pois adotam duas doses, aos 2 e 4 meses, com um reforço aos 11 meses e aos 6 anos de idade”.

O pesquisador também comentou o crescimento do movimento anti-vacinal em todo o mundo, o que pode ter contribuído para o aparecimento de mais casos de algumas doenças, e abordou o ressurgimento de casos na Região Norte, com a entrada de venezuelanos com o aumento da circulação do vírus. “No ano passado, em Manaus, tivemos milhares de casos entre crianças, o que é bastante preocupante”.

Siqueira disse que o PNI preconiza e fornece ampla gama de vacinas para a população brasileira e que a situação epidemiológica e o risco de emergência devem guiar o calendário vacinal. “Devem ser elaborados calendários alternativos para condições especiais e também protocolos para orientar pessoas que enfrentaram falhas vacinais”.

O coordenador das Ações de Prospecção da Presidência da Fundação, Carlos Gadelha, fez a apresentação seguinte. Ele observou que quatro empresas multinacionais dominam cerca de 90% do mercado mundial de vacinas. E fez uma provocação à plateia: “morreremos, ficaremos medíocres ou inovadores?”. Gadelha indicou as principais tendências e fez uma conformação da estrutura do mercado e da produção em nível global, para pensar em cenários para o Brasil.

“As vacinas servem como porta de entrada para negócios no setor da Saúde e geram inovação. A dimensão sistêmica do desenvolvimento e produção de vacinas gera toda a área da Saúde, da pesquisa à atenção básica”, afirmou o coordenador. “Há fortes interesses globais que atuam para o Brasil não ser um ator importante no mercado mundial de vacinas, mantendo a dependência tecnológica”.

As vacinas correspondem a 3% (US$ 27,6 bilhões) do mercado total farmacêutico (US$ 789 bilhões). Constituem-se no quinto segmento em vendas, depois dos produtos oncológicos, dos antirreumáticos, dos antidiabéticos e dos antivirais.

Segundo Gadelha, a única hipótese de enfrentar os desafios do futuro é caminhar dos investimentos em capacidade produtiva para os “investimentos em capacidade produtiva para inovar”. Em suas palavras, a “tecnologia e a inovação deixariam de ser acessórios para se tornarem o centro da estratégia social e competitiva dos produtores públicos. “Isso envolve uma forte mudança na cultura organizacional dos produtores, nas políticas públicas, nos modelos de gestão e nas formas de governança para o desenvolvimento do Complexo Econômico e Industrial da Saúde (Ceis)”.

Focando na Agenda 2030, Gadelha disse que “os 46 anos de experiência do PNI não podem ser destruídos”. A conclusão do coordenador é que, apesar de a base produtiva estar montada e as capacidades tecnológica e empresarial, baseadas em transferência de tecnologia, terem avançado, existe o risco, em pleno século XXI, de o Brasil voltar a uma situação de dependência e da exclusão de populações negligenciadas das estratégias de inovação em vacinas. “O cenário para as duas próximas décadas é preocupante, caso o acesso se torne limitado”.

O vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, Marco Aurélio Krieger, abordou em sua intervenção o sistema Fiocruz de CT&I associado ao desenvolvimento de novas vacinas. Ele recordou que o conhecimento gerado na Fiocruz, historicamente, visa beneficiar a população. E a nova Política de Inovação da instituição, elaborada a partir das deliberações e decisões do Congresso Interno da Fiocruz, tem como uma das suas principais metas o desenvolvimento de vacinas, como uma profilática e terapêutica para lepra, que está fase clínica 1, com estudos in vitro, a de zika, entre outros projetos inovadores, como os imunizantes para esquistossomose e leishmaniose.

O Inova Fiocruz vai repassar, nos próximos dois anos, R$ 50 milhões em recursos para esses projetos. Para 2019 a programação da Fiocruz em ações de pesquisa passou de R$ 123 milhões para R$ 191 milhões. “Mapeamos as linhas de pesquisa e competências do Sistema Fiocruz de Ciência, Tecnologia e Inovação, identificamos competências complementares e buscamos a articulação de projetos (Asparaginase, impressoras 3D etc) e também listamos os gargalos que nos atrapalham”. Com criatividade e originalidade, o Inova Fiocruz vai contribuir com novas soluções para favorecer a inovação em saúde. “As lacunas de conhecimento, que representam entraves, vão desaparecer, e assim teremos condições de gerar produtos inovadores”.

Krieger disse que a meta é favorecer a cultura da inovação e do empreendedorismo, por meio de aproximação com a sociedade, promoção de eventos (feiras de negócios, prêmios, desafios, hackatons, palestras) e a elaboração de um plano de capacitação. “A Fiocruz tem que ser um ator central no ecossistema de inovação, em parceria com organizações de fomento, órgãos governamentais, startups, empresas, instituições de pesquisa, spinoffs, aceleradoras, incubadoras, parques tecnológicos e outros”.

Ele também citou a proposta para criação de uma nova Comissão de Propriedade Intelectual da Fiocruz (Copat), que terá regras de funcionamento e composição diferenciadas do modelo atual. “Teremos revisões periódicas do portfólio de patentes, o que beneficiará a relação custo-benefício e uma favorecerá uma maior harmonização das estratégias institucionais de proteção intelectual e P&D. Também será incluída uma competência para para decidir sobre assuntos relacionados à gestão estratégica da proteção legal por segredo industrial e registro de desenho industrial”.

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