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Seminário debate desafios sociais, geopolíticos e multilateralismo


11/02/2022

Ana Paula Blower (Agência Fiocruz de Notícias)

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Em um contexto geopolítico marcado por disputas e desigualdades, são grandes os desafios econômicos, sociais e ambientais para reduzir tais disparidades e atingir melhores resultados em saúde global. Partindo deste olhar, questões como multilateralismo e uma possível nova ordem mundial foram debatidas nesta quarta-feira (10/2), no primeiro Seminário Avançado em Saúde Global e Diplomacia da Saúde do ano. Promovido pelo Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz), o webinar reuniu três especialistas para discutir perspectivas para 2022.

“A saúde não é um fenômeno meramente biológico, mas é, basicamente, um resultado da produção social dos determinantes sociais, econômicos, ambientais e políticos da saúde”, destacou o diretor do Cris/ Fiocruz, presidente da Aliança Latino-Americana de Saúde Global (Alasag) e mediador do seminário, Paulo Buss, na abertura. 

Segundo os participantes do webinar, além dos desafios pela frente, há possíveis novos caminhos a serem percorridos, em um ano com eleições na América Latina. Diante disso, os especialistas ressaltaram que as dificuldades terão de ser enfrentadas, como os impactos econômicos da pandemia, as desigualdades sociais e uma nova era ambiental.

 

‘Uma mudança de era’

Em sua apresentação, José Luís Fiori, professor de Economia Política Internacional da UFRJ, comentou como três desafios na geopolítica global de hoje podem levar a perspectivas para 2022: o agravamento conjuntural da pandemia, a crise da Ucrânia e a recente declaração da Rússia e China que ele classifica como uma “carta fundacional de uma nova ordem mundial”. O especialista destacou os impactos na agricultura e no transporte marítimo causados pela pandemia, algo que tem dificultado e pode piorar a produção de agrotóxicos e de alimentos e a distribuição de insumos farmacêuticos globalmente. Além disso, um conjunto de fatos, segundo ele, “joga uma pá de cal definitiva na fantasia globalitária” e traz o avanço dos nacionalismos.
 
Fiori citou manifestações sociais que surgem como resposta aos impactos da pandemia e comentou o caso do Brasil e da América Latina, que terão eleições este ano. “Não é à toa que esteja havendo uma guinada à esquerda na região”, destacou ele, ressaltando que: “Todos os vitoriosos terão que enfrentar as consequências econômicas da pandemia e de erros na condução da economia neste período, que provavelmente não serão recuperáveis em quatro ou cinco anos”.

Outra situação abordada por Fiori foi a crise energética na Europa e uma dependência do gás natural russo, o que, para ele, contribuiu para que a Rússia propusesse uma redefinição das regras do equilíbrio estratégico no continente. “Algo novo nisso é os russos proporem, sem guerra, um rearranjo e colocarem todos em torno da mesa para discutir a questão”, disse.

Neste momento, Fiori atenta para a relevância do documento assinado por russos e chineses, que, pela primeira vez, de acordo com ele, dizem ser a favor do multilateralismo e da globalização econômica, entre outras “bandeiras liberais clássicas americanas”, como a defesa da democracia e dos direitos humanos. Por outro lado, a carta diz que nenhuma nação pode definir tais regras.“O documento acaba com a era do universalismo autoritário europeu e com a hegemonia do universalismo ocidental cristão da definição do que sejam os valores, os direitos e a paz”, afirmou Fiori. “É uma mudança de era”. 

Esta perspectiva de mudança também foi abordada pela ex-ministra do Meio Ambiente (2010 - 2016) e copresidente do Painel Internacional de Recursos Naturais da ONU Meio Ambiente (FIP-Unep) Izabella Teixeira. Ela destacou que os temas ambientais, hoje, estão também na dimensão econômica e social e “redefinindo a demanda de soluções” e da “estrutura política da agenda ambiental internacional”.

No que chamou de contemporaneidade das questões ambientais, Teixeira apontou o papel e a responsabilidade do Brasil e de sua sociedade, salientando a importância das novas gerações na mobilização. “O país é um indutor de soluções e de lideranças. Tem recursos naturais, território e tecnologia, mas ainda falta vontade política”, observou a especialista.

Santiago Alcazar, diplomata e pesquisador associado ao Cris/Fiocruz, acrescentou ao debate comentando as intervenções dos participantes, como a de Teixeira sobre as novas formas de pensar o meio ambiente. Ele apontou para uma “multicausalidade” e afirmou: “Não se pode tratar o tema de uma forma primitiva. Tudo tem implicações políticas, culturais e sociais. O mesmo ocorre com a Saúde. Vivemos em tempos sindêmicos”.  

Voltando-se ao tema da saúde global, Teixeira ressaltou que “saúde pública significa saúde ambiental” e vice-versa. Por isso, ela diz que precisa haver um olhar de bem estar das populações para além das questões ambientais individualmente. “Se pudermos promover desenvolvimento com a saúde como parte dessa nova equação, começaremos a ter uma percepção de que se deve prover soluções econômicas que gerem segurança e bem estar”.

Ao pensar sobre as crises ambientais, ela destaca que são planetárias e não globais, o que, segundo a especialista, impõe solidariedade e uma corresponsabilidade a todas as sociedades e não só aos governos. “Nunca o futuro esteve tanto no presente como hoje”, disse Teixeira.

Desigualdade mata 

Nesta discussão, a diretora-executiva da Oxfam Brasil, Katia Maia, apresentou um relatório da organização chamado “Desigualdade mata”, em que aponta que, entre março de 2020 e novembro de 2021, a riqueza dos dez homens mais ricos do mundo dobrou, enquanto a renda de 99% da Humanidade piorou por conta da Covid-19. Ainda segundo o documento, a desigualdade contribui para a morte de pelo menos uma pessoa a cada quatro segundos.

A socióloga elencou também desigualdades no uso dos recursos naturais, nas emissões de carbono e na distribuição de vacinas contra a Covid-19 pelo mundo, no que ela champou de “apartheid vacinal”. “Se não olharmos para isso, não nos indignarmos, é muito difícil construir qualquer ambiente social de convivência humana. A violência vai aumentar, assim como as disputas e a opressão. Precisamos entender o nível em que chegamos e enfrentar as desigualdades”, declarou Maia. “Queremos nos posicionar lutando por um mundo mais justo”. 

Os seminários do Cris ocorrerão quinzenalmente, até 16 de dezembro. A próxima edição, em 23 de fevereiro, terá como tema Saúde global e diplomacia da Saúde: perspectivas para 2022. O evento desta quarta-feira, assim como os anteriores, podem ser assistidos na íntegra aqui.

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