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Roda de conversa 'Trajetórias negras' chega à sua quarta edição


02/12/2019

Por: Érika Farias (Agência Fiocruz de Notícias)

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Criar um espaço de troca e escuta sobre o que é ser uma pessoa negra na Fiocruz, amplificando vozes e compartilhando experiências. Esse foi o objetivo da roda de conversa Trajetórias negras na Fiocruz, que chegou à sua quarta edição em 21 de novembro. O evento, promovido pela Fundação, por meio do Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça, foi realizado no auditório térreo da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp) e fez parte das celebrações pelo mês da Consciência Negra.

A abertura do encontro contou com a presença do diretor da Ensp, Hermano Castro, e da pesquisadora do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da Ensp e integrante do Comitê, Maria José Salles. Nesta edição, foram convidados o chefe de Gabinete da Presidência da Fiocruz, Valcler Rangel, o chefe do Serviço de Gestão do Trabalho do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz), Sérgio Reis, e o assessor de Gabinete da Presidência da Fiocruz, Valber Frutuoso. A roda de conversa foi mediada pela coordenadora do Comitê e educadora do Serviço de Educação do Museu da Vida, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), Hilda Gomes.

Segundo a edição de agosto de 2019 do Boletim Estatístico de Pessoas 2018 da Fiocruz, publicado pela Coordenação-Geral de Gestão de Pessoas (Cogepe), 69,1% (3.461) dos servidores da Fundação se autodeclaram brancos, 18,7% (938) pardos, 4,3% (214) pretos e 0,3% (15) indígenas. Ou seja, 23% dos servidores e servidoras da Fiocruz se autodeclaram pretos e pardos. “Quando se cruzam as informações cargo, cor e raça, os dados do boletim evidenciam um tanto mais das desigualdades que devem ser urgentemente enfrentadas em busca de uma instituição mais inclusiva e equânime”, afirmou a jornalista Marina Maria, integrante do Comitê pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) e apresentadora do evento.

Mesa de abertura

Maria José Salles falou sobre a importância de não focar apenas no racismo. “Temos que falar de como galgamos obstáculos para chegarmos aqui. Na Fiocruz, eu trouxe minha experiência de luta, até porque todo negro já nasce lutando”, afirmou. Já o diretor da Ensp revelou como se deu a descoberta de sua identidade. Segundo ele, é uma “ficha que cai” pelo sofrimento. “A gente percebe que há uma diferença e é preciso batalhar para que a igualdade se dê. Não é uma coisa natural como a gente, quando é criança, imaginaria”, contou Castro.

Após a mesa de abertura, Hilda Gomes teve o auxílio da jovem aprendiz surda, do Museu da Vida, Andressa para contar uma história para a plateia. Enquanto Hilda lia o livro O cabelo de Lelê, que fala sobre aceitação e diversidade, Andressa interpretava a história em Libras (Língua Brasileira de Sinais).

Trajetórias de sucesso

Valcler Rangel afirmou que a questão da identidade é uma construção permanente para pessoas negras. “Eu descobri que era negro muito tarde. Minha mãe biológica era negra, mas a família que me adotou era ‘morena pra branca’. Logo, eu não me reconhecia como negro e tampouco via referências ao meu redor que me fizessem sentir alguma identificação como negro”, lembra.

Rangel revelou que só adulto, se posicionando politicamente, essa identidade se mostrou, mas que, ao contrário do que a sociedade espera, ela veio de fora para dentro. “As pessoas começaram a dizer ‘olha lá é o negro presidente do DCE’, ‘aquele cara é o negro subsecretário de Planejamento e Orçamento’. Ou seja, eu passei a representar algo que eu nem sabia que representava objetivamente”, afirmou.

Já Valber Frutuoso, se descobriu negro muito cedo. “Éramos uma família negra tradicional de Ramos”, contou. Apesar disso, o racismo não era algo que havia enfrentado, até estudar para um mestrado em Farmacologia. Na primeira vez que prestou o concurso, ficou em quinto lugar. “Os quatro primeiros lugares ganharam bolsa. Só o quinto não ganhou. Mas resolvi estudar mais e fazer a prova novamente. Fiquei então em terceiro lugar. O quarto e o quinto lugares entraram e eu não. A coordenação do curso me chamou e informou que não acreditava que eu conseguiria levar o curso até o final”, revelou.

O assessor do Gabinete conta que foi na Fiocruz que fez seu mestrado e doutorado poucos anos depois. Mas que, assim que surgiu a oportunidade, “talvez por picuinha”, segundo ele, foi fazer uma matéria no curso que o havia rejeitado, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Fiz a matéria e me saí superbem. Depois, eles me deram um assunto bem complicado para dar aula. No final, o coordenador – um dos quais havia me dito não, anos antes – disse que foi uma das melhores aulas que ele já tinha visto um aluno dar”.

Fechando o trio de convidados, Sérgio Reis abriu sua apresentação falando sobre os recentes acontecimentos no estado do Rio de Janeiro. “Nós, negros, somos violentados. Apesar de sermos maioria, ainda somos muito negligenciados”, disse. Sobre sua trajetória profissional, Sérgio começou como ajudante de pedreiro. Depois, trabalhou em uma pensão, levando marmitas pelo Centro do Rio. “Eu saía do interior de Duque de Caxias, chegava na pensão às seis e depois do trabalho ainda ia pra escola. Era muito difícil”, relembra.

A reviravolta em sua vida veio quando terminou o Ensino Médio. “Por meio de um processo seletivo, entrei para a Petrobras, quando ainda não era necessário concurso público. Em seguida, fui trabalhar na Comissão Nacional de Energia Nuclear, onde fiquei 24 anos”. Sérgio conta que mesmo em uma instituição como a Fiocruz, o racismo existe. Segundo ele, é um racismo velado, percebido em olhares. “Quando fui pra Cogepe, algumas pessoas falavam no telefone comigo, e quando me encontravam, era nítido que não acreditavam que era eu. Era como se não fosse possível eu deter todo aquele conhecimento”, afirmou.

Novembro Negro

Além do evento Trajetórias negras, o Comitê Pró-Equidade também promoveu atividades de formação e informação, durante o mês de novembro. No dia 11, a coordenadora do Comitê e assistente social do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF), Roseli Rocha, apresentou o tema Equidade nas ações de comunicação da Fiocruz durante o Fórum de Assessores de Comunicação da Fundação, que se reúne bimestralmente no Campus Manguinhos.

Já no dia 21, à tarde, foi realizada uma ação de formação para integrantes do Comitê e profissionais de comunicação e de gestão de pessoas da Fiocruz, com o tema Racismo estrutural e suas múltiplas expressões. Durante a atividade foram realizadas dinâmicas e discussões sobre temáticas ligadas ao racismo. 

No dia seguinte (22), foi a vez de saber mais sobre a história da comunidade afro-brasileira na região portuária do Rio de Janeiro, com um passeio pela Pequena África. O trajeto foi acompanhado pelo professor de história e mestrando em Relações Étnico-Raciais, Fábio da Silva Conceição. A ideia é que, em 2020, grupos de diferentes áreas da instituição possam integrar o passeio.

Veja como foi evento:

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