06/04/2020
Por: André Antunes - EPSJV/Fiocruz
Em meio à suspensão das atividades escolares em todo o país em decorrência da pandemia de coronavírus e a incerteza em relação a quando as salas de aula poderão voltar a ser ocupadas pelos estudantes, secretários municipais de educação de todo o país discutem alternativas para conseguir cumprir o calendário escolar previsto para 2020. Eles ainda cobram do governo federal medidas emergenciais para que, durante o período em que as aulas permaneçam suspensas, os estudantes matriculados nas redes municipais continuem tendo acesso à alimentação fornecida pelas escolas durante o ano letivo.
Na quarta-feira (1º/04), o governo apresentou ao Congresso Nacional uma Medida Provisória que, em princípio, parecia vir ao encontro do que reivindicavam entidades como a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), que na semana passada divulgou uma lista de propostas para o enfrentamento dos efeitos da pandemia de covid-19 na educação na qual lembrou que, segundo a Lei de Diretrizes e Bases caso a suspensão das aulas se estendesse por vários meses, os 200 dias letivos obrigatórios poderiam ser flexibilizado em até 25%, desde que fosse mantido o mínimo de 800 horas de aula aos estudantes. Foi o que estabeleceu a MP 934, apresentada essa semana pelo governo federal, que criou normas excepcionais para o ano letivo na educação básica e no ensino superior em decorrência das medidas de enfrentamento da epidemia de coronavírus.
Bruno Caetano, secretário municipal de Educação de São Paulo, no entanto, avalia a medida como “prematura”. “Esse tipo de decisão tem que ser tomada ao final da crise, não antes. A gente tem que ver o tamanho do estrago no ano letivo para aí sim, juntos, debatermos com educadores, gestores da educação em todo o país para ver qual é a melhor medida para garantir aquilo que é a nossa obrigação, que as crianças aprendam. Hoje é impossível fazer qualquer cálculo”, avalia. E completa: “Se isso eventualmente significar a postergação do ano letivo de 2020 para 2021, não vejo problema. Não será a primeira vez na história do Brasil que isso acontece”.
Em matéria do jornal O Globo do dia 1º de abril, o presidente da Undime, Luiz Miguel Garcia, comentou que, embora a medida seja “importante em algumas situações” por permitir a reorganização da rede, o texto da MP 934 joga a responsabilidade sobre a normatização de como as horas-aula serão cumpridas sobre os conselhos estaduais e municipais de educação, o que para ele é motivo de preocupação. “Defendemos, por exemplo, que a educação à distância não seja usada na educação infantil e na alfabetização, que o máximo de utilização de EAD seja de 25% a partir do segundo segmento do fundamental. A gente deve sempre priorizar as aulas presenciais, se isso não se alongar por muito tempo, conseguiremos repor utilizando sábados, períodos de recesso e ampliando as jornadas, por exemplo”, defendeu o presidente da Undime.
Em São Paulo, cidade que concentra a maior parte dos casos de transmissão do covid-19 no Brasil, a secretaria municipal de educação antecipou para o período entre 23 de março e 9 de abril o recesso escolar de julho. Segundo Bruno Caetano, a decisão foi tomada em conjunto com o governo do estado. A partir do dia 10, segundo ele, a secretaria municipal de educação, junto com o governo estadual, deve começar a implementar uma estratégia baseada em cadernos de atividades pedagógicas divididos por disciplinas e faixas etárias, da pré-escola ao último ano do ensino médio, que de acordo com o secretário já foram impressos e serão distribuídos para todos os alunos da rede municipal antes do final do recesso escolar. “Também vamos encaminhar para a casa das crianças um caderno de orientação para os pais, além de um livro de literatura. Esse é o kit”, explica Caetano. Aliado a isso, continua o secretário, para os alunos matriculados nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio, estão previstas aulas à distância utilizando uma plataforma digital da Secretaria Municipal de Educação e a plataforma Google Classroom. “Todos os nossos professores, a partir do dia 10, poderão utilizar o Google Classroom para montar as suas salas de aula virtuais e auxiliar as crianças e os pais em relação aos cadernos de atividades de forma remota”, afirma o secretário, complementando que no segmento da educação infantil também estão previstos encontros virtuais entre pais e professores. “Mas é claro que as dicas são mais gerais. A gente tem muitas atividades lúdicas dentro das salas de aula, e os professores vão orientar os pais sobre como fazê-las, sobretudo a partir do dia 10”, diz Caetano.
Claudio Fonseca, presidente do Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo (Sinpeem), avalia que, para “momentos excepcionais”, são necessárias “medidas excepcionais”. “Paralisar foi prudente e necessário, não tem questionamento quanto a isso. No início, ouvimos algumas reclamações em relação à antecipação do recesso, mas aos poucos foi caindo a ficha do tamanho da gravidade da situação. Todo mundo está compreendendo que nós temos uma situação de calendário escolar excepcional, de ações pedagógicas excepcionais, de abordagem à família de forma excepcional”, diz. Ele ressalta, no entanto, que faltou investimento na formação dos professores para lidar com uma situação como a atual. “Nós sempre reclamamos que falta investimento na formação dos professores para os períodos de calmaria, imagina em uma situação como essa? É óbvio que ninguém estava preparado para isso e ficam potencializadas as carências na educação, fica evidente a falta de investimento”, critica.
No outro epicentro da crise, a cidade do Rio de Janeiro, cuja rede municipal de educação tem hoje cerca de 650 mil alunos na educação infantil, ensino fundamental e Educação de Jovens e Adultos, as aulas presenciais estão suspensas desde o dia 16 de março. Em resposta à solicitação de entrevista realizada pela reportagem do Portal EPSJV, a assessoria de comunicação da Secretaria Municipal de Educação respondeu, via email, que a prefeitura “mantém o foco na educação com conteúdo pedagógico online disponível para os alunos”, por meio de medidas como a criação de um aplicativo, o SME Carioca 202, com atividades para os estudantes, e também através da plataforma digital MultiRio. A Secretaria Municipal de Educação afirmou ainda estar desenvolvendo formas de avaliação dos alunos a serem implementadas em breve, “em parceria com a Microsoft”.
Ensino à distância é a solução?
A aposta no ensino à distância (EaD) no contexto da epidemia é vista com cautela por alguns dirigentes municipais. Alessio Costa, presidente da Undime Região Nordeste e secretário municipal de Educação de Alto Santo, no Ceará, enxerga uma corrida por parte de conselhos estaduais e alguns conselhos municipais em publicar resoluções para normatizar essa prática em suas respectivas redes, principalmente após o Conselho Nacional de Educação (CNE), no dia 18 de março, publicar uma nota autorizando a realização de atividades à distância a partir do ensino fundamental face à paralisação das aulas por conta da pandemia. “O que nós precisamos no momento é definir estratégias viáveis, do ponto de vista tecnológico. Que tecnologia nós podemos lançar mão? Pode ser um canal aberto de TV, associado a recursos de internet e outros meios, como o rádio, que a gente sabe que é de grande alcance, sobretudo, naquelas famílias do interior. Isso só pode ser dar com uma ação articulada de âmbito nacional liderada pelo Ministério da Educação”, argumenta Costa, ressaltando que em boa parte dos municípios brasileiros o acesso à internet é precário. “Nós sabemos que o Brasil não tem tecnologia apropriada e nem adequada para o funcionamento da educação dessa forma. Hoje a educação à distância em nosso país é uma realidade mais do ensino superior e de algumas redes estaduais que têm algumas experiências desenvolvidas de modelos híbridos, com atividades regulares presenciais complementadas com algumas atividades à distância. Mas nós temos uma grande limitação que é a questão da conectividade. Se nem as nossas escolas públicas o Ministério da Educação conseguiu prover com acesso à internet, imagina as famílias dos alunos que frequentam a escola”, complementa.
Por conta disso, ele vê na adoção massiva de metodologias baseadas na EaD como alternativa para a retomada das atividades escolares um risco de que sejam ampliadas as desigualdades educacionais no país. “Se houvesse a destinação de um canal de TV aberto exclusivo para transmissão de vídeo-aulas para cada uma das séries do ensino fundamental ao médio, e houvesse uma preparação concomitante dos professores para esta metodologia de ensino, talvez nós tivéssemos condição de ensaiar algumas atividades complementares para ir minimizando o impacto desse período de paralisação. Mas isso pressupõe um tempo mínimo de organização, de planejamento dessas aulas, de organização do tempo em que elas estarão sendo emitidas com interação simultânea entre alunos e professores”, cobra o presidente da Undime Região Nordeste, que questiona ainda como será feito o acompanhamento dos conteúdos disponibilizados via EaD. “Como esses alunos serão avaliados para ver se, de fato, eles estão aprendendo? De nada adiantará todo esse esforço que está sendo feito para lançar o bloco da EaD na rua como uma solução emergencial se as alternativas escolhidas não assegurarem que de fato as crianças e os jovens aprendam”, pontua.
Patricia Lueders, secretária municipal de Educação de Blumenau, em Santa Catarina, e presidente da Undime Região Sul, acrescenta que, mesmo nas regiões do país com bons indicadores de acesso à internet, a implementação do ensino à distância apresenta alguns desafios, que têm a ver com a forma como as redes se organizam. Ela explica que, em 19 de março, um dia após a nota do CNE autorizando a EaD na educação básica a partir do ensino fundamental, o Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina já havia aprovado um parecer autorizando o uso da modalidade nas redes estaduais. “Mas o caso de Santa Catarina é atípico, porque 284 municípios têm sistemas próprios de educação e não seguem o Conselho Estadual. Não é o caso do Paraná, por exemplo, cujos municípios, em sua grande maioria, não têm sistemas próprios. A vantagem é que um município que tem um sistema próprio vai poder fazer a EaD de acordo com a sua realidade, e os que não têm vão seguir o conselho estadual”, explica Patricia, para quem, nesses casos, há um risco de que os municípios adotem soluções prontas, por meio da aquisição de pacotes de EaD de empresas privadas. “O dirigente municipal precisa respeitar o projeto político-pedagógico de cada escola”, reitera.
Secretário municipal de educação de Jerônimo Monteiro, no Espírito Santo, e presidente da Undime Região Sudeste, Vilmar Lugão lembra que a educação infantil – cuja responsabilidade recai sobre os municípios, de acordo com a LDB – acabou ficando fora das normativas aprovadas por União e estados para autorizar a EaD no contexto da pandemia de coronavírus. No Espírito Santo, por exemplo, dos 78 municípios, 51 não possuem sistemas próprios, estando vinculados ao Conselho Estadual de Educação, que no dia 20 de março publicou resolução autorizado o ensino à distância no estado, com base na decisão do Conselho Nacional de Educação que, por sua vez, autorizou a EaD apenas a partir do ensino fundamental. “A posição da Undime é que não é possível trabalhar com aulas em EaD para o público da educação infantil, para o ciclo de alfabetização, e até mesmo para os quintos anos do ensino fundamental. Isso seria muito complicado. Como a gente pode propor atividade à distância para a educação infantil, onde a interação entre professor-aluno é condição para o desenvolvimento pedagógico? O eixo estruturante do currículo na educação infantil são interações e brincadeiras: como trabalhar isso à distância?”, questiona Lugão. E completa: “A gente defende sim que algo precisa ser feito porque são muitos alunos que estão em casa nesse momento sem uma atividade direcionada. A Undime defende que nós não trabalhemos com aula à distância, mas com atividades compensatórias, para serem computadas não como dias letivos, mas dentro da carga horária”, defende. Segundo o presidente da Undime Região Sudeste, essa posição difere da do governo estadual e do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), que representa os gestores estaduais, para quem as atividades à distância devem ser computadas como dias letivos. “Aí é complexo porque vai haver uma ‘ruptura’ entre as redes. Os calendários não iriam se encontrar”, aponta.
A adoção da EaD como estratégia preferencial por governos no contexto de suspensão das aulas também tem sido objeto de críticas por parte de movimentos sociais como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que em nota chamou de “equívoco em muitas dimensões” o uso da EaD na educação básica como substituição às aulas. “EaD é uma modalidade educativa que requer planejamento, recursos técnicos e tecnológicos, formação profissional, modelo híbrido de oferta, de modo a se adequar à realidade dos sujeitos, não é adequada para a educação básica como um todo, e muito menos é um tapa-buraco da modalidade presencial. É um equívoco pensar que se faz EaD com transposição das aulas para um ambiente virtual”, afirma a Campanha em um documento publicado em seu portal na internet, com o título ‘8 motivos para não substituir a educação presencial pela educação a distância (EaD) durante a pandemia’. Nele, a entidade afirma que apenas 42% dos domicílios no Brasil têm computador e ecoa argumentos utilizados por representantes da Undime, ao apontar que a EaD é “ilegal e inviável” na educação infantil, além de não ser “adequada” para o ensino fundamental, segmento em que as crianças ainda não desenvolveram a “autonomia, capacidade de concentração e autodisciplina” que a modalidade exige. A Campanha apontou ainda o risco representado pelo que chamou de “capitalismo de vigilância” no uso de plataformas desenvolvidas por empresas de tecnologia, como a Google Classroom. “Há o oportunismo das empresas de tecnologia e de comunicação e o risco de apropriação de dados e privatização”, alertou a Campanha, complementando que a gratuidade de aulas online, por exemplo, “costuma esconder modelos de negócio em que o lucro das empresas vem da exploração dos dados de seus usuários para, com isso, ofertar produtos e serviços”, alertou.
Em nota, a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) manifestou-se sobre a MP 934, reconhecendo que, embora exista uma demanda pela flexibilização dos dias letivos em função das medidas de enfrentamento do Covid-19 por parte de gestores, professores, pais e responsáveis, a medida provisória “torna impraticável a manutenção das condições necessárias” para a realização da carga horária mínima, “haja vista a ausência de calendário suficiente para este fim”. Um dos efeitos da MP, segundo a instituição, deve ser a contabilização da carga horária por meio de um processo de Educação a Distância “indiscriminado e acrítico”. “Essa ação intensifica a desigualdade social e educacional no país. Assim, a saída para as necessidades educacionais exigem, obrigatoriamente, um processo de escuta de todos os responsáveis pelo processo educativo: os secretários de educação, os trabalhadores da área, os responsáveis, os estudantes e os seus órgãos de representação. Essas exigências significam o entendimento do processo educativo como intrinsecamente vinculado à relação professor-aluno, como parte das relações sociais que constroem a vida em sociedade”.
Alimentação escolar
Outro ponto focal da agenda dos dirigentes municipais no contexto da suspensão das aulas vem sendo a questão da alimentação escolar. Segundo entidades como a Undime e também movimentos como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a suspensão das aulas em todo o país colocou em risco a segurança nutricional dos quase 40 milhões de jovens matriculados na rede pública na educação básica, já que a merenda escolar em muitas localidades do país representa a principal fonte nutricional das crianças ao longo do dia. Na segunda-feira (30/03) o Senado aprovou uma lei que permite que os alimentos adquiridos pelos municípios por meio do Programa Nacional de Aquisição de Alimentos (PNAE) sejam distribuídos diretamente aos pais ou responsáveis dos estudantes das escolas públicas de educação básica. O texto ainda aguarda sanção do presidente da República. “É importante o Ministério da Educação assegurar que o fornecimento da merenda vai acontecer de forma suplementar, porque quando reiniciar as aulas nós vamos precisar continuar comprando a merenda e, se não houver um recurso adicional, vai faltar merenda quando as aulas retomarem”, alerta Alessio Costa presidente da Undime Região Nordeste. Para ele, a distribuição dos alimentos deve ser feita por meio de convênios entre as secretarias de educação e de assistência social, que precisam ser disciplinados por meio de normativas pelo governo federal. Costa defende ainda que a medida venha acompanhada de uma ampliação dos repasses feitos através de políticas de redistribuição de renda, como o Bolsa Família, uma vez que, segundo ele, os recursos do PNAE utilizados para a compra de alimentos para serem produzidos nas escolas não deverão ser suficientes para garantir a segurança alimentar dos estudantes. “A merenda escolar não vai dar para todos se for distribuída em gênero em vez de ser fabricada na escola”, argumenta.
Na cidade de São Paulo, a secretaria municipal de educação iniciou na quinta-feira a distribuição de cartões-alimentação para os estudantes da rede municipal, mas apenas para aqueles considerados “em situação de vulnerabilidade social”. Os cartões contêm créditos para a compra de alimentos diretamente pelas famílias dos estudantes, indo de R$ 55 para os do ensino fundamental, e chegando a R$ 101 para aqueles matriculados nas creches municipais. “A gente fez uma política focalizada: pegamos as crianças em situação de vulnerabilidade social, aquelas beneficiárias do Bolsa Família ou que cujas famílias têm renda per capita do padrão daquelas que fazem jus ao Bolsa Família. Nesse primeiro momento são essas as crianças que vão receber na residência os cartões”, explica o secretário municipal de educação de São Paulo, Bruno Caetano, que garante que, “se necessário”, a depender de quanto tempo leve para o reinício das aulas presenciais na rede municipal, o governo deve ampliar o número de estudantes beneficiados pelo programa. Inicialmente, ele deve atender 273 mil crianças, de um total de cerca de um milhão de estudantes matriculados na rede municipal. Segundo Caetano, a Prefeitura estima investir cerca de R$ 25 milhões por mês na distribuição dos cartões, recursos que não poderão vir daqueles destinados pelo governo federal através do PNAE, mesmo após a sanção da lei aprovada no dia 30 no Senado. Isso porque, para que o PL não precisasse retornar à Câmara dos Deputados, os senadores rejeitaram as emendas feitas ao texto. Uma delas autorizava justamente a utilização dos recursos do PNAE para distribuição direta às famílias por meio de cartões-alimentação, como a adotada por São Paulo.
No Rio de Janeiro, a Secretaria Municipal de Educação também pretende implementar uma política focalizada nos mais pobres, mas até agora nada aconteceu. Por email, a assessoria de comunicação da SME-RJ informou apenas que irá distribuir cerca de 50 mil cestas básicas a famílias de alunos da rede municipal inscritos nos programas Bolsa Família e Cartão Família Carioca, mas que aguarda “o cumprimento das medidas administrativas obrigatórias por lei para controle da verba pública” para iniciar a distribuição.
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