29/08/2016
Por: Keila Maia (Fiocruz Minas)
Um estudo realizado por pesquisadores da Fiocruz Minas joga luz sobre uma das questões que mais desafiam os cientistas que estudam a malária: os casos de recaídas sofridas por pacientes que se submeteram ao tratamento da doença. Segundo a pesquisa, uma das causas para os episódios de reincidência pode ser a mutação genética da enzima responsável por metabolizar a primaquina, medicamento utilizado para combater as formas do parasito ocultas no fígado. O estudo foi publicado recentemente na revista científica Plos One e, na última semana, recebeu o Prêmio Jovem Pesquisador 2016, durante o 52º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical.
Estudos anteriores demonstraram que a CYP2D6 é a enzima encarregada de fazer as transformações necessárias sob a droga, sendo, portanto, uma das responsáveis pela ativação e eficácia do medicamento no organismo. Alguns trabalhos também apontaram que essa enzima sofria uma grande quantidade de mutações, levando a uma maior ou menor metabolização da droga. Dessa forma, o que os pesquisadores da Fiocruz fizeram foi avaliar se essas alterações genéticas, chamadas poliformismos, associadas à metabolização baixa ou inexistente, poderiam influenciar na biotransformação da primaquina, resultando em ocorrências de episódios de recaída da doença.
Para fazer a investigação, os pesquisadores avaliaram 46 pessoas que passaram pelo tratamento de malária e, posteriormente, voltaram a apresentar os sintomas da doença. Os pacientes foram divididos em dois grupos: os que tiveram múltiplas recaídas e os que tiveram uma única recaída. Assim, utilizando o PCR em Tempo Real, um método para caracterização dos genótipos dos indivíduos, os pesquisadores constataram que, no grupo de múltiplas recaídas, havia mais indivíduos com enzimas polimórficas.
A prevalência de mutações foi de aproximadamente duas vezes maior entre indivíduos que tiveram múltiplos episódios de recaída quando comparado com o grupo de uma única reincidência. Além disso, nesse grupo de múltiplas recaídas, também verificou-se a predominância de genes associados ao baixo metabolismo da Primaquina.
“O estudo evidenciou que parte dos casos de recaídas se deve a falhas terapêuticas do tratamento pela primaquina, causadas por polimorfismos na enzima humana”, afirma Ana Carolina Silvino, do Grupo de Biologia Molecular e Imunologia da Malária, uma das autoras do artigo.
Os pesquisadores também fizeram uma análise in silico, ou seja, uma avaliação da estrutura da enzima. A investigação demonstrou que a mutação sofrida interfere na flexibilidade da enzima, fazendo com que haja também interferência na forma como ela interage com a Primaquina.
Além de avaliar a CYP2D6, a pesquisa também investigou as mutações sofridas por uma outra enzima, a CYP2C8, que é responsável por metabolizar a cloroquina, medicamento usado para combater a forma do parasito que atinge o sangue. Os resultados mostraram que a ocorrência de polimorfismos nessa enzima não diferiu entre os grupos de indivíduos com diferentes números de recaídas. Entretanto, constatou-se, pela primeira vez, que indivíduos com mutações nessa enzima têm recaídas mais precocemente.
“Como o tratamento da malária envolve esses dois medicamentos, primaquina e cloroquina, avaliamos as enzimas responsáveis pelo metabolismo dos dois, para ver se havia alguma associação. E vimos que há, uma vez que os episódios de recaídas em pessoas com poliformismo na CYP2C8 aconteceu mais rapidamente, sendo o mais precoce aos 42 dias após o fim do tratamento”, afirma Silvino.
Outra importante conclusão do estudo é que os parasitos da primeira infecção são idênticos aos das posteriores. Isso evidencia a possibilidade de que recaídas se devem a falhas terapêuticas dos medicamentos.
O estudo foi realizado no Hospital Universitário de Cuiabá (MT), região que está atualmente em fase de pré-eliminação da malária e onde a infecção por parasito local é considerada altamente improvável. Todos os pacientes haviam viajado para área endêmica, onde foram infectados e diagnosticados. Esses indivíduos não retornaram mais a essa região onde a doença, excluindo a possibilidade de uma nova infecção.
“Também nos asseguramos de que os casos analisados só tivessem reaparecido, no mínimo, 28 dias após o fim do tratamento, garantindo, assim, que se tratava realmente de recaídas”, diz a pesquisadora.
A doença
A malária é uma doença infecciosa, não contagiosa, com manifestações episódicas. Os sintomas são calafrios fortes, acompanhados de dor de cabeça, náusea e sudorese profunda. São sintomas que se repetem em ciclos diários, em dias alternados ou a cada três dias e podem durar de uma semana a um mês ou mais.
Os parasitos causadores são Plasmodium falciparum, que provoca a forma mais grave da doença, Plasmodium vivax, Plasmodium malariae e Plasmodium ovale. O estudo realizado pelos pesquisadores da Fiocruz Minas se refere ao vivax, que, no Brasil, é responsável por 84% dos casos. Trata-se da endemia mais expressiva do país, presente principalmente na Amazônia, devido às suas condições climáticas, com hidrografia abundante, chuvas frequentes e enchentes, que favorecem aos criadouros dos vetores. Ocorre também em focos de transmissão em áreas fora da região Amazônica, introduzidos a partir de indivíduos migrantes da área endêmica, onde existirem os mosquitos vetores.
A malária é transmitida ao homem através de picada de mosquitos vetores do gênero Anopheles. Somente as fêmeas são hematófagas e transmitem o agente infeccioso, normalmente ao crepúsculo e à noite. É preciso que o vetor tenha adquirido previamente o parasita depois de picar uma pessoa com a doença. A transmissão também pode ser acidental, através de transfusão de sangue contaminado ou pelo uso de agulhas e seringas infectadas, bem como por via congênita, com a transmissão da mãe para o bebê na gestação.
Veja a pesquisa na íntegra (versão em inglês).
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