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Lei Seca: o efeito das multas na prevenção aos acidentes de trânsito

Copo de verveja do lado de uma chave de carro

10/03/2017

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Por: Graça Portela (Icict/Fiocruz)

Em 2008, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 11.705 (de 19/06/2008), sobre o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que já punia motoristas e motociclistas pegos dirigindo sob o efeito de álcool e drogas lícitas ou não. Em 2012, por meio da Lei nº 12.760, de 2012, a chamada Lei Seca, condutores passaram a ser penalizados com mais rigor, com a elevação das multas, a perda de habilitação e a fiscalização passou a contar com uma campanha específica, que visa – simultaneamente – inibir e conscientizar os condutores de veículos motorizados sobre os riscos de dirigir alcoolizado. Esse recrudescimento levou a “tolerância zero” para o consumo de álcool, com punição para quem tivesse consumido qualquer quantidade de bebida alcóolica se parado em uma das blitzes que ocorrem nas principais cidades do país e os etilômetros (os populares ‘bafômetros’) – medidores de concentração de bebida alcoólica a partir do ar exalado dos pulmões – indicassem o consumo de até duas taças de vinho, por exemplo.
 

Dados do Departamento Nacional de Trânsito - Denatran, obtidos com exclusividade pelo site do Instituto de Comunicação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), mostram que entre 2011 e 2016, em todo o país, unindo os números dos departamentos de trânsito estaduais (Detrans) e do Departamento de Polícia Rodoviária Federal (DPRF), foram 244.326 multas aplicadas sob o código de infração de embriaguez – 5.169 (veja o gif animado abaixo).

É possível perceber que o Rio de Janeiro é o estado onde o número de punições é maior a quem dirige alcoolizado (10.757 multas), seguido de São Paulo (9.941 multas), Minas Gerais (8.573 multas) e Goiás (6.122 multas). No outro extremo, os estados com menos multas – Amapá (345 multas), Roraima (246 multas), Amazonas (146 multas) e o Piauí (85 multas).

Para o coordenador-geral de Educação do Denatran, Francisco Garonce, os números elevados das multas mostram que “os estados estão cumprindo o que prevê o Código de Trânsito Brasileiro – CTB, com o rigor da chamada ‘Lei Seca’, que é válida para todos os estados”, explica. A pesquisadora associada do Laboratório de Informação em Saúde (LIS)/Icict, Giseli Damacena, concorda com ele de que as multas podem sim ajudar a coibir e alertar à população. Segundo ela, a eficácia da Operação Lei Seca, no estado do Rio de Janeiro, por exemplo, ficou mais evidente a partir do ano de 2012, quando a “tolerância zero” à alcoolemia no trânsito foi sancionada, assim como o aumento do valor a ser pago em caso de ser flagrado alcoolizado. A pesquisadora defende que “é importante ressaltar que o foco desse tipo de política pública de caráter permanente é, principalmente, conscientizar e educar o cidadão dos riscos da alcoolemia no volante”.

Punições nos países

A Organização Mundial de Saúde (OMS) destaca em seu relatório Global Status Report on Alcohol And Health 2014 que há “fortes evidências de eficácia” caso sejam adotadas medidas como o controle da concentração de álcool no sangue (BAC – sigla em inglês para blood alcohol concentration), que define os limites entre 0,02% a 0,05%, além da imposição de testes aleatórios de respiração (RBT, do inglês random breath testing), realizado com os bafômetros. Usando como referência um artigo de Thomas F. Babor, um dos maiores especialistas sobre álcool no mundo, o relatório da OMS afirma que essas medidas são eficazes não só para a redução de lesões em acidentes nas vias, como diminuem o consumo de álcool entre motoristas.

Em fevereiro de 2015, o jornal Zero Hora, de Porto Alegre (RS) fez um levantamento sobre quais as sanções que alguns países adotam para quem dirigir embriagado. Veja abaixo:

  • Colômbia - Além do cancelamento da carteira, a lei que rege "a condução sob uso de álcool e de outras substâncias psicoativas" prevê multa equivalente a R$ 34 mil;
  • Espanha - Além da possibilidade de ir preso, o condutor flagrado com taxa de 1,2 grama ou mais de álcool por litro de sangue tem suspenso por até quatro anos o direito de dirigir. Rejeitar o bafômetro ou exame de sangue resulta em prisão de seis meses a um ano;
  • Estados Unidos - Ao envolver-se em um acidente, o motorista embriagado é identificado como alcoólatra e recebe duas alternativas: fazer tratamento ou ir para a cadeia. Durante o tratamento, a pessoa é submetida a exames de urina para avaliar se permanece "limpa" ou se teve recaídas;
  • França - Em caso de acidente, o motorista embriagado pode ter a licença para dirigir suspensa por 10 anos, ser preso por cinco anos e pagar multa de R$ 200 mil;
  • Japão - Um motorista embriagado que atropela e mata uma pessoa pode ser condenado à prisão perpétua. Embora recursos possam reduzir a condenação, o impacto da pena inicial costuma inibir a imprudência;
  • Suécia - Como um pedágio, barreiras eletrônicas testam instantaneamente se os condutores consumiram álcool. Quando o resultado indica níveis acima do permitido, as cancelas não se abrem, e o motorista é retido até a chegada da polícia;

No Brasil, a partir do uso do “bafômetro” as autoridades viárias podem verificar se o condutor está ou não alcoolizado. O artigo 165, do Código de Trânsito Brasileiro diz que quem dirigir sob a influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência ficará sujeito à multa e ter sua habilitação suspensa por um ano. Além disso, o artigo 306 também prevê detenção de seis a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Nos dados totais divulgados pelo Denatran, nota-se uma queda no número de multas aplicadas nos estados nos dois últimos anos estudados (2015 e 2016, respectivamente 10.079 multas e 9.478 multas), contra as 16.116 multas de 2014.

A redução das infrações seria, enfim, uma realidade? Para Garronce, isto pode ser verdadeiro: “o que percebemos é que os condutores estão se conscientizando da necessidade de respeitar a proibição de conduzir após o consumo de bebidas alcoólicas.” Ele destaca que o aumento do valor da multa que ocorreu em novembro de 2016, fruto da Lei nº 13.281 (de 04/5/2016) ajudará a restringir mais os casos de condutores alcoolizados: “para aqueles que insistem em desrespeitar a lei, desde 1º de novembro do ano passado, as penalidades se tornaram ainda mais duras. Este conjunto de ações, educativas e de fiscalização, têm reduzido o número de condutores alcoolizados nas ruas do nosso país”, afirma.

Década da Prevenção

Em maio de 2011, a ONU lançou a Década de Ação pela Segurança no Trânsito 2011-2020, na qual governos de todos os países se comprometeram a ampliar as medidas para prevenir os acidentes de trânsito. Acompanhando o lançamento foi divulgado o Plano de Ação Global da Década para a Seguridade Viária 2011-2020. O Plano define “as etapas para melhorias na segurança rodoviária, pede mais rigor na legislação e sugere medidas que possam dar mais proteção aos grupos mais vulneráveis, como ciclistas e pedestres”.

Francisco Garronce lembra que a estratégia do governo federal é “incentivar os departamentos de Trânsito dos estados, do Distrito Federal e as secretarias de trânsito dos municípios brasileiros, a intensificarem os esclarecimentos sobre os efeitos nefastos de dirigir sob efeito do álcool, associando a isto campanhas regulares de fiscalização nas ruas. Além disso, há que se esclarecer que a punição para quem é flagrado conduzindo nesta condição, é uma das mais severas do CTB”. O coordenador-geral de Educação do Denatran afirma que o brasileiro precisa se conscientizar que “conduzir livre do álcool traz segurança para o condutor, segurança para todos os cidadãos com os quais ele convive e a certeza de que não terá que arcar com todas as consequências deste ato de desrespeito ao próximo e à Lei de Trânsito”, afirma.

O Plano de Ação da ONU também destaca o papel da educação para um trânsito consciente. Para Lucas Ribeiro, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Sáude (PPGICS)/Icict, pesquisador associado do LIS e um dos co-autores do artigo “Consumo abusivo de álcool e envolvimento em acidentes de trânsito na população brasileira, 2013”, é importante reforçar o trabalho preventivo de educação no trânsito: “é necessário adaptar o material educativo aos contextos das populações vulneráveis a esse tipo de comportamento de risco. Além disso, modelar o sucesso das políticas de desestímulo ao consumo de tabaco, que ocorreu ao longo dos últimos anos, pode ser um bom caminho para o sucesso da diminuição do consumo abusivo de álcool e do comportamento de dirigir após beber no Brasil”, conclui.

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