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Justiça protege crianças e adolescentes contra movimento antivacinação

Menina tomando vacina

22/10/2019

Por: Julia Neves (EPSJV/Fiocruz)

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Em julho, uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo ganhou destaque nacional. O TJ-SP determinou que um casal do município de Paulínia vacinasse o filho de três anos. Nos autos do processo, os pais apresentaram um conjunto de justificativas: o fato de a criança ainda não estar na escola e, portanto, segundo eles, estar “longe de riscos de infecções”, a adoção da “filosofia vegana” e a posição contrária a “intervenções invasivas”. A ação, movida pelo Ministério Público após aviso do Conselho Tutelar da cidade, precisou “subir” para a segunda instância, pois as alegações dos pais foram aceitas na primeira como “argumentos filosóficos”. Com a vitória no TJ, a criança, que nunca tinha sido vacinada, enfim, receberia os imunizantes num prazo de 30 dias. Em caso de resistência, a Justiça autorizou a busca e apreensão do menino.

No mesmo mês de julho, outro Tribunal de Justiça, desta vez o de Santa Catarina, foi ao encontro do interesse de três crianças, obrigando sua imunização. “As convicções pessoais dos responsáveis não estão acima da saúde como um direito fundamental das crianças e adolescentes”, observa a decisão. Novamente, os responsáveis alegaram que “as crianças eram saudáveis”. Além disso, afirmaram que um deles precisou ser hospitalizado por apresentar reação alérgica quando vacinado no Chile, onde a família morava.  O TJ-SC foi buscar no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) a justificativa que precisava. A lei de 1990 diz ser “obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. E, como medida de prudência, determinou que a Secretaria de Saúde de Rio do Sul, cidadezinha no Vale do Itajaí onde as crianças residem, realizasse consultas para confirmar se não havia nenhuma contraindicação no caso do menor que apresentou a alergia.

Em vários pontos do globo histórias como essas tornam-se cada vez mais corriqueiras à medida que avança o movimento antivacinação. Mas alguns países são mais vulneráveis do que outros no combate a essa onda. Nos Estados Unidos, por exemplo, 17 estados têm leis que permitem que os pais optem por não vacinar seus filhos com base em crenças pessoais, dando margem a situações inusitadas. 

Em 2017, Ethan Lindenberger, então com 17 anos, buscou ajuda no site Reddit. Ele queria saber o que fazer para conseguir se vacinar, já que sua mãe é contra a imunização. Com base na consulta, ele procurou o departamento de saúde do estado de Ohio para requerer vacinação contra hepatites A e B, gripe e HPV. Só conseguiu receber as vacinas ao atingir os 18 anos. Mas tornou-se uma liderança jovem, advogando os riscos dos “anti-vaxxers” – os antivacinas – inclusive no Congresso dos Estados Unidos.

Volta do sarampo

O marco histórico da onda antivacinas é o ano de 1998, quando um artigo com informações adulteradas que ligava vacinas a autismo foi publicado no prestigioso periódico científico The Lancet. Em 2011, a revista viria a reconhecer o erro e retirar o texto. Mas era tarde demais. De lá para cá, o movimento tem se valido da internet e, particularmente, das redes sociais para propagar dúvidas sobre a segurança das vacinas e disseminar teorias que ligam imunização a doenças e até à morte.  

“Imagine só: você é uma pessoa que nunca viu sarampo na vida e já viu em algum lugar na mídia que as vacinas causam prejuízos à população. Isso tem uma repercussão muito negativa através das redes sociais. As pessoas se orientam muito pelas fake news, quando deveriam confiar nos órgãos responsáveis pelas informações verdadeiras, como o Ministério da Saúde”, alerta o infectologista pediátrico do Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), Marcio Nehab. 

A professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Bárbara Valente, acrescenta que o sucesso das muitas campanhas de vacinação possibilitou que a população não adoecesse com a mesma frequência por doenças imunopreveníveis. “Este fato pode ter encorajado pessoas a não vacinarem seus filhos”, observa.

A questão ficou mais evidente quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu a “hesitação em se vacinar” entre as dez maiores ameaças globais à saúde em 2019. De fato: o número de casos de sarampo registrados no primeiro semestre deste ano é o maior desde 2006, somando 364.808 em 182 países. A OMS revelou ainda que, somente nos três primeiros meses de 2019, os casos da doença cresceram 300% em comparação ao mesmo período de 2018. 

De acordo com boletim epidemiológico do Ministério da Saúde divulgado no dia 4 de setembro, 13 estados do Brasil registraram casos da doença, que havia chegado aos 2.753 confirmados. O estado mais afetado é São Paulo, que concentra 98% dos casos, ou 2.708. Até aquele momento, quatro mortes foram confirmadas no país, três delas em São Paulo e uma em Pernambuco.

No Brasil, o reaparecimento da doença aconteceu em 2018 – a princípio, na região Norte – e o total de casos chegou a 10.326. A transmissão contínua do vírus no país ao longo de um ano fez com que o país perdesse a certificação de país livre sarampo, conferido pela Organização Pan-americana da Saúde (Opas/OMS). 

Diante da queda nas coberturas

No Brasil, o histórico de vacinação é antigo e data dos anos 1920. Décadas depois, a institucionalização dessa estratégia foi coroada em 1973, com a criação do Programa Nacional de Imunizações (PNI). Em 2004, foi criado o Calendário Nacional de Vacinação, “visando o controle, eliminação e erradicação das doenças imunopreveníveis”, conforme a portaria nº 597, do Ministério da Saúde. O calendário contempla não só as crianças e adolescentes, mas também adultos e idosos. 

Atualmente, são disponibilizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) cerca de 300 milhões de doses de imunobiológicos ao ano. Segundo Bárbara Valente, o PNI é considerado referência mundial. “Porém, apesar dos avanços conquistados nas últimas décadas, a queda nas coberturas vacinais gera um cenário preocupante”, contrapõe. Isso porque sete das oito vacinas obrigatórias para crianças encerraram 2018 com a taxa de cobertura abaixo da meta, segundo balanço do Ministério da Saúde. Apenas a vacina BCG alcançou o nível desejado, com mais de 90% de imunização do público-alvo. 

Eduarda Motta é aluna da habilitação de Gerência em Saúde e curso o 3º ano do Ensino Médio na EPSJV/Fiocruz. Para ela, o movimento antivacina é muito perigoso porque expõe pessoas a riscos desnecessários. Por isso, argumenta, é necessário que o tema seja discutido nas escolas: “Na EPSJV já tivemos rodas de conversa sobre vacinação e sempre há cartazes com avisos sobre as campanhas. É a partir dessas conversas que os alunos passam a se interessar mais pelo assunto”, conta a jovem que está com todas as vacinas do calendário em dia. 

Segundo Barbara, a recusa em vacinar os filhos é negligência e, em alguns casos, pode configurar até crime. Ela afirma que é dever constitucional da família assegurar à criança o direito à saúde. Também de acordo com o texto do ECA, a garantia do cuidado com a saúde dos filhos é um dever familiar e, assim, o descumprimento pode levar desde a aplicação de medidas leves até à destituição da guarda, dependendo das circunstâncias. A legislação brasileira prevê, conforme o artigo 249 do ECA, multa de três a 20 salários, aplicando-se o dobro em caso de reincidência, para pais que descumprirem a obrigatoriedade. “Ao optar por não vacinar, as famílias colocam em risco não apenas seus filhos, mas todos os que têm contato com eles”. 

Cada país tem seu calendário de vacinação nacional, que segue as recomendações globais e regionais da OMS e pode mudar de acordo com questões locais. Entre as vacinas recomendadas mundialmente estão a tríplice viral, as contra a difteria, tétano, hepatite B e coqueluche; e a vacinação anual contra a influenza. 

Na Europa, as leis de vacinação estão sendo reforçadas, principalmente em países onde a queda da imunização tem causado além do sarampo, um aumento de doenças como catapora e caxumba. No início de 2019, o governo italiano proibiu a matrícula escolar de crianças com até seis anos que não tenham todas as dez vacinas obrigatórias em dia. E instituiu multa de 500 euros para pais de crianças mais velhas que se recusem a vaciná-las. O governo alemão, por sua vez, alterou a legislação e obrigou os pais que quiserem matricular seus filhos em uma creche a entregar uma justificativa que assegurasse que tinham sido informados sobre os planos de vacinação.

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