13/11/2019
Por: Mayra Malavé Malavé (IFF/Fiocruz)
Ser escritor nem sempre foi uma tarefa fácil, mas ser escritora é ainda mais difícil. Mesmo sem o reconhecimento que autores homens têm recebido, as mulheres também integram o mundo da literatura, não só como leitoras, mas como escritoras. Nas últimas décadas, a literatura feita por mulheres ganhou maior visibilidade por construir narrativas com elemento das temáticas: gênero, sexualidade, trabalho, racismo, cotidiano e cuidado. Por esse motivo, a 18° sessão da Agenda Laranja do Instituto Nacional de Saúde da Mulher da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) teve como objetivo refletir sobre a Literatura como campo de empoderamento de mulheres e meninas.
O encontro aconteceu (29/10) no Auditório A do Centro de Estudos Olinto de Oliveira (CEOO) da instituição, sob organização dos professores Corina Mendes e Marcos Nascimento, coordenadores da Agenda Laranja do IFF/Fiocruz, projeto voltado à construção de uma cultura institucional comprometida com a igualdade de gênero. A iniciativa se alinha à campanha criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2008, com o propósito de promover o empoderamento das mulheres e a erradicação da violência contra mulheres e meninas, ações centrais para o desenvolvimento sustentável do planeta.
O evento teve como convidadas Bianca Lopes, psicóloga clínica e biblioterapeuta; Paula Ferraz, escritora, promotora social, pedagoga e contadora de histórias negras. Representando o Instituto participaram Magdalena Oliveira, coordenadora do Núcleo de Apoio a Projetos Educacionais e Culturais (Napec), Cynthia Magluta, escritora, médica e coordenadora da Oficina Literária IFF/Texto Território, e Roberta Tanabe, escritora, pediatra e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher do IFF/Fiocruz.
Literatura Feminina
A presença das mulheres no mundo das artes está longe de ser igualar a dos homens, mas a literatura tem se ampliado como um campo de resistência e empoderamento feminino. Com essa reflexão, Corina Mendes deu abertura à Agenda. Nessa linha de debate, Cynthia Magluta ressaltou as possibilidades que a literatura dá ao autor de criar mundos reais a partir do imaginário e como as escritoras podem aproveitar isso para antecipar a vivência do real, idealizar um mundo sem violência e com mais equidade, para assim concretizar este universo imaginado.
Apesar das dificuldades atravessadas ao longo da história, é certo que mulheres alcançaram notoriedade com suas obras, refletiram sobre o exercício da escrita e a produção literária feminina, como Virginia Wolf no livro Um teto todo seu, e contemporaneamente Marina Colasanti, Chimamanda Adichie e Elena Ferrante. Bianca Lopes incitou uma reflexão sobre a importância das escritoras apoiarem o trabalho literário de outras mulheres para dar maior visibilidade e contribuir, assim, para a construção de um mundo com igualdade de gênero.
Para Bianca, esse não é um assunto apenas de solidariedade de gênero. Para ela, as mulheres hoje têm a necessidade de acessar histórias e narrativas contadas através das perspectivas de outras mulheres e não só pela ótica do homem. Exemplos da literatura infantil servem para ilustrar como ainda hoje os escritores homens publicam mais, mesmo em temas que envolvem o gênero feminino. “Essa é uma preocupação que me perpassa, se nós somos construídos a partir de narrativas, que textos estamos oferecendo para as meninas, nestes tempos quando a discussão é o empoderamento?”, questionou a psicóloga, convidando o público a ler obras escritas por mulheres.
Equidade não só de gênero
Já Paula Ferraz trouxe novos enfoques às reflexões quando abordou os recortes de raça e gênero, afirmando que, se a literatura produzida por mulheres enfrenta dificuldades, os espaços para a literatura feminina negra são ainda mais raros e escassos. Por isso, para ela, os movimentos literários de mulheres e para mulheres são vitais para que essas escritoras tenham mais visibilidade e para o fortalecimento da identidade e do empoderamento da mulher negra. “Nós sabemos a nossa história, os nossos sacrifícios, nossas vitórias. Nós entendemos muito mais disso. Portanto, é essencial essa empatia uma com a outra e é muito importante que todas tenhamos a consciência do valor curativo que a escrita tem para nós mulheres”, apontou.
Poder curativo da Literatura
Magdalena Oliveira enfatizou justamente o valor terapêutico da escrita e leitura, através da sua experiência com crianças internadas e em assistência ambulatorial, suas mães e outros acompanhantes, trabalhadores e voluntários que frequentam o IFF/Fiocruz.
“A leitura nos permite viajar a lugares que nunca imaginamos estar, e assim nossas crianças hospitalizadas e suas cuidadoras, podem conseguir por alguns momentos esquecer um pouco da situação de saúde que estão atravessando. Eu vejo em cada fala de nossas mulheres uma vida preciosíssima de muita coragem e muita esperança. Elas nos ensinam também outro olhar. Não é só dor o que temos para contar, temos alegrias e muitas vitórias. Por isso, convido elas a fazer o exercício de escrever um pouco sobre a suas vidas, porque a escrita é um terapeuta silencioso. Enquanto a leitura lúdica torna a vida neste hospital muito mais tranquila”, refletiu Magdalena.
Ainda neste sentido, Roberta Tanabe falou sobre sua experiência como escritora de histórias baseadas na sua vivência no atendimento e cuidado de crianças no IFF/Fiocruz. A pediatra compartilhou como para ela a literatura passou a ser mais que um hobbie, tornando-se um exercício de cura. “Eu estava extremamente mobilizada pelas histórias das mães das crianças e acumulava muito tudo isso, até que descobri a escrita como um caminho de extravasar”, comentou sobre esse poder curativo da literatura não só para quem lê, mas também para quem escreve, e como isso é importante para mulheres que vivem com condições crônicas na saúde de seus filhos.
Durante o evento, foram feitas leituras de trechos de livros das convidadas e de outras autoras mulheres. No encerramento, livros foram sorteados para os assistentes, como acontece a cada encontro da Agenda Laranja, e todos foram convidados para o lançamento do livro de Roberta Tanabe, Mosaico: Vidas em reinvenção da Editoria Texto Território, à venda aqui.
Mais em outros sítios da Fiocruz