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Estudo aponta baixa assistência pré-natal em mulheres indígenas no MS


07/03/2023

Regina Castro (Agência Fiocruz de Notícias)

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Uma pesquisa da Fiocruz mostra que os baixos percentuais de assistência pré-natal de mulheres indígenas no estado de Mato Grosso do Sul (MS) revelam as desigualdades no acesso e no cuidado adequado às necessidades das gestantes indígenas. Aprovado no edital Políticas Públicas, Modelos de Atenção e Gestão do Sistema e Serviços de Saúde (PMA), o estudo foi realizado no período de novembro de 2021 a agosto de 2022, e avaliou a cobertura e qualidade da Atenção ao Pré-natal e Parto ofertada às mulheres indígenas no estado do MS.

Pesquisadores da Fundação entrevistaram 469 mulheres indígenas que receberam assistência ofertada ao parto em 10 municípios do estado (amostra representativa): Dourados (121, 25,8%), Amambai (110, 23,5%), Caarapó (30, 6,4%), Campo Grande (48, 10,2%), Aquidauana (24, 5,1%), Miranda (63, 13,4%), Iguatemi (12, 2,6%), Antônio João (11, 2,3%) e Tacuru (37, 7,9%). Além das entrevistas individuais, também foram analisadas as informações da caderneta da gestante.

A maioria das mulheres indígenas que participaram da pesquisa era das etnias Guarani e Kaiowá (296/63,4%) e Terena (158, 33,8%), residia em aldeia (404/86,1%) e fez pré-natal em Unidade Básica de Saúde Indígena (402, 85,7%). Cerca de metade das mulheres receberam sete ou mais consultas de pré-natal (241, 51,5%), 157 (37,2%) entre 4 e 6 consultas e 53 (11,3%) não tiveram nenhuma ou de uma a três consultas, estes percentuais ainda refletem o baixo acesso à assistência ao pré-natal, potencializando complicações para a saúde materna infantil. 

Um total de 311 (66,3%) iniciaram o pré-natal no primeiro trimestre e cerca de 158 (33,7%) no segundo e terceiro trimestre de gestação. Pesquisadora da Fiocruz Mato Grosso do Sul e coordenadora do estudo, Renata Picoli ressalta que o percentual de mulheres indígenas com início do pré-natal no segundo e terceiro trimestres de gestação evidencia dificuldades no acesso ao pré-natal, o que pode sugerir desafios na organização do Sasi para a oferta de cuidado.

Em relação ao parto, 355 (75,7%) realizaram parto normal e 114 (24,3%), cesárea. Dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) podem ser utilizados para as comparações com os resultados deste estudo. Segundo o Sinasc, a taxa de partos cesárea de mulheres não indígenas  foi de 64,3%, em 2020. Este percentual é cerca de três superior quando comparados às mulheres indígenas. "A compreensão das situações de vulnerabilidades sociais vivenciadas pelos povos indígenas do Estado, caracterizadas pelos conflitos territoriais, iniquidades em saúde, podem ajudar a compreender os piores valores de assistência pré-natal", destaca a pesquisadora.

Cesárea

Desde 1985, a comunidade médica internacional considera que a taxa ideal de cesárea seria entre 10% e 15%. Nos últimos anos, governos e profissionais de saúde têm manifestado crescente preocupação com o aumento no número de partos cesáreas e suas possíveis consequências negativas sobre a saúde materna e infantil. 

Segundo estudos na área, uma cesárea pode acarretar riscos imediatos e a longo prazo. "Os riscos podem ser maiores para as mulheres indígenas que vivenciam dificuldades na acessibilidade geográfica e que moram em terras indígenas localizadas em municípios com oferta de cuidados obstétricos limitados”, observou a pesquisadora.

Os resultados da pesquisa irão subsidiar a análise da situação da atenção pré-natal e parto das mulheres indígenas, e serão discutidos juntos as comunidades indígenas e entidades que prestam assistência à saúde para esta população, a fim de propor a organização de uma Linha de cuidado à gestante e puérpera indígena. Como estratégia de disseminação, será lançado um documentário Oguata das gestantes e puérperas Indígenas de Mato Grosso do Sul, produzido pela Associação de Jovens Indígenas (AJI) e pela Fiocruz Mato Grosso do SUL, que será um diferencial ao trazer as perspectivas e os saberes indígenas sobre as especificidades do pré-natal, parto e pós-parto da mulher indígena, pontua Pícoli.

Conflitos em áreas indígenas do MS x concentração de terras

O Mato Grosso do Sul foi responsável por 39% dos 1.367 assassinatos de lideranças indígenas no Brasil, de 2003 até 2019, segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). É o estado com maior número de conflitos em áreas indígenas e também o vice-campeão nacional em concentração de terras. 

Segundo o coeficiente de Gini (medida de desigualdade desenvolvida pelo estatístico italiano Corrado Gini) de concentração fundiária, Mato Grosso do Sul possui índice de 0,84, perdendo para a Bahia (0,85) e acima da média do Brasil, de 0,73. Esse indicador é feito com base em uma escala de 0 a 1, onde 0 é a igualdade total, ou seja, situação em que todos têm a mesma porção de terra, e 1 significa a desigualdade máxima.

Propriedades privadas são 92% de todo estado, enquanto as Terras Indígenas (TIs) representam apenas 2,5%, segundo análises de georreferencimentos. As fazendas, superior a mil hectares, são 83% do total de propriedades rurais, já as pequenas propriedades são apenas 4%. Um hectare é cerca de um campo de futebol.

Avaliação da saúde e nutrição de mulheres e crianças: uma coorte materna e infantil

Com o objetivo de acompanhar estas mulheres indígenas e seus filhos nascidos vivos que participaram da pesquisa de pré-natal e parto, será realizado um estudo de coorte prospectiva, com início previsto para fevereiro de 2023. Equipes de campo formada por pesquisadores da Fiocruz Mato Grosso do Sul e pessoas da comunidade indígena irão visitar as mulheres que foram entrevistadas no hospital no ano anterior. Serão 11 aldeias visitadas no estado, com a perspectiva de avaliar a saúde e nutrição de mulheres e de crianças até os dois anos de vida, além do acesso aos programas e serviços com repercussões sobre a saúde. 

Serão realizadas visitas domiciliares para a mulher e a criança em dois momentos. Considerando a data de nascimento da criança, as visitas serão programadas aos 12 meses e ao completar 24 meses de idade. Por meio de entrevistas, haverá uma avaliação sobre o atendimento e o acesso aos programas de registro civil, transferência de renda e segurança alimentar e de saúde; o levantamento de registros sobre a caderneta da criança e a antropometria (verificação de peso e altura da mãe e da criança) e dosagem sanguínea de hemoglobina da mãe e da criança (anemia), aferição da pressão arterial e dosagem de glicose (sorologia para Covid-19, hipertensão arterial e diabetes na mulher). 

“Este estudo de acompanhamento é inédito, e pode proporcionar resultados sobre as condições de saúde das mulheres e crianças indígenas, a fim de subsidiar políticas públicas adequadas com ênfase nas especificidades da população indígena”, informa Renata Picoli.

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