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Em entrevista, pesquisador fala sobre como a desinformação afeta a saúde

22/10/2019

Por: André Bezerra (Icict/Fiocruz)

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Já faz algum tempo, uma expressão em inglês vem causando preocupação e debates na sociedade: fake news. Traduzida como notícias falsas, o termo muitas vezes é usado para se referir aos conteúdos que envolvem boatos e informações fora de contexto com um único objetivo: confundir e desinformar a população. “O fenômeno não é novo e, obviamente, não é natural, mas faz parte de uma configuração cultural constitutiva dos processos da comunicação humana”, explica o pesquisador em comunicação e saúde Igor Sacramento, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz). 

Nos últimos anos, observa-se um impacto direto da disseminação de notícias falsas e boataria no campo da saúde. Um deles relacionado à vacinação. “Em relação à vacina e às suas tecnologias, o boato sempre existiu como uma expressão de um conjunto de sentimentos como medo, pânico, receio, às vezes até aversão. Com o aumento do uso de dispositivos móveis e aplicativos de mensagens instantâneas, houve uma proliferação desses discursos”, aponta Sacramento.

Quando o país enfrentou, entre 2016 e 2017, um surto de casos de febre amarela, as autoridades de saúde buscaram compreender se o fenômeno que vem sendo chamado como desinformação contribuiu para o aumento dos casos e diminuição da cobertura vacinal. Hoje, o reaparecimento de doenças como sarampo e caxumba mantém o alerta ligado e levanta questionamentos sobre como ampliar o alcance de campanhas educativas e mecanismos de checagem de informação.

Há cerca de um ano, o Ministério da Saúde lançou a iniciativa Saúde sem Fake News, que vem recebendo informações virais que circulam pelas redes e apurando os fatos relacionados às mensagens, que são publicadas periodicamente em seu site, redes sociais e programas de podcast, disponíveis em plataformas digitais. Na entrevista a seguir, Sacramento oferece pistas para compreender melhor o assunto e aborda algumas das estratégias que vêm sendo utilizadas na promoção da informação correta neste novo cenário.

Qual a diferença entre boato e fake news?

Igor Sacramento: São dois fenômenos distintos, com natureza enunciativa diferente. O boato é intrínseco ao processo de comunicação humana e da própria sociabilidade. Vários trabalhos dizem respeito a isso, como o do sociólogo Norbert Elias, que investigou o papel da fofoca na vida de uma comunidade específica. As notícias falsas, ou fake news, colocam outra dimensão a essa problemática da verdade, que é a da simulação. Elas simulam os dispositivos e procedimentos relacionados às notícias factuais.

Que motivos poderiam explicar a maior proliferação dessas mensagens?

Sacramento: É preciso pensar nos dois pontos de vista: para quem aquela notícia é falsa? Do ponto de vista contemporâneo, o falso e o verdadeiro não são mais vistos como valores absolutos. Além disso, parece que a ciência não é mais vista como capaz de autentificar aquilo que é verdadeiro e aquilo que é falso. No contexto contemporâneo, chamado por alguns autores como a pós-verdade, observa-se uma dogmatização do espaço público, onde as pessoas passam a aceitar somente aquilo em que já acreditam. Tem uma dimensão cultural muito forte dessa dogmatização do espaço público, permeado por dogmas, crenças e convicções. A convicção é uma amarra muito forte em relação a um determinado sistema de crenças, em que você passa a se relacionar com o mundo a partir deste sistema, sem a capacidade de questioná-lo criticamente.

No caso das vacinas, como observa o impacto das fake news?

Sacramento: No meu trabalho, procuro pensar a imunização de um ponto de vista histórico e cultural, tentando entender de que maneira, em determinado momento, você tem um conjunto de manifestações e discursos na cultura que configuram o sentido do que é a vacina e a imunização, suas características e efeitos, para um determinado recorte da sociedade. Vejamos os exemplos da febre amarela e da influenza. Acredito que, no contexto da febre amarela, de 2016 para cá, com a vacinação especificamente, surgiu uma questão que tem a ver com mudanças na própria cultura brasileira, canalizadas pelas mudanças comunicativas dos dispositivos como as redes sociais. Já no caso da gripe influenza (causada pelo vírus H1N1), a lógica da novidade promoveu uma maior circulação do boato. Em 2010, várias mensagens anônimas na internet criaram uma tensão em relação ao conhecimento factual sobre o tema.

Como as campanhas mais recentes de vacinação podem contornar a questão da desinformação?

Sacramento: É preciso considerar o lugar que a internet e as redes sociais ocupam na vida contemporânea e o papel que a confiança desempenha nesse contexto. A lógica das campanhas deve considerar isso. Não é possível se restringir a meios como a TV, muito mais forte nas décadas de 1980 e 1990. Além das redes sociais, as estratégias devem pensar como funciona o WhatsApp (aplicativo de mensagens instantâneas), que é muito eficiente em alcançar as pessoas. O Brasil é um país com enormes desigualdades sociais, e não apenas no que diz respeito à classe econômica, mas também questões de saneamento, alimentação, moradia, acesso a bens culturais e informação, acesso à internet, e isso tudo deve ser levado em consideração ao se formular uma campanha. Também é importante pensar em ações de conscientização de forma permanente e associadas ao processo de formação e educação. Outro ponto importante é discutir ações não só nacionais, mas também localizadas, considerando especificidades regionais.

E os cidadãos, seja como leitores ou usuários dos serviços de saúde, podem contribuir? 

Sacramento: Certamente. No contexto contemporâneo, a experiência está muito associada à participação e à mobilização. Um exemplo disso são os youtubers pró-ciência. São comunicadores da internet que tentam aproximar o público de temas de saúde e ciência, com grande alcance. São iniciativas muito importantes e espontâneas. Eles estão cobrindo diferentes temas, desde história até neurociência. São linguagens capazes de trazer cada vez mais pessoas ao debate público. Não podemos ficar só com o ponto de vista dos pares, uma fala hermética e fechada. A gente tem que ser capaz de se abrir, sem se reduzir e, também, seduzir quem não é deste campo, ou pelo menos demonstrar a sua importância.

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