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Defesa de terapia com psicodélicos é tema do 7º Seminário ‘A epidemia das drogas psiquiátricas’


14/11/2023

Por: Barbara Souza (ENSP/Fiocruz)

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Com o tema ‘Estratégias e Iniciativas Contemporâneas de Desmedicalização’, o 7º Seminário Internacional ‘A epidemia das drogas psiquiátricas’ foi realizado de 9 a 10 de novembro, no auditório térreo da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz). “O tema da desmedicalização e despatologização da vida é prioritário para nós do Laps, está nos nossos processos de pesquisa, de formação e de intervenção no campo da reforma psiquiátrica brasileira”, afirmou Ana Paula Guljor, coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps/ENSP/Fiocruz), que organiza o seminário em parceria com o Centro de Estudos Estratégicos (CEE-Fiocruz). Todas as mesas estão sendo transmitidas pelo canal da Vídeo Saúde no Youtube, com tradução para inglês, espanhol, português e libras. Os vídeos ficam disponíveis após a transmissão.

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Pesquisador e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e do CEE/Fiocruz, o também escritor Sidarta Ribeiro foi o primeiro palestrante do seminário. Ele falou sobre o tema ‘Renascença psicodélica e a indústria farmacêutica’. Sidarta defendeu a prática de terapias assistidas por psicodélicos - e que seja no SUS, apresentou evidências científicas sobre o aumento da plasticidade neural com o uso dessas substâncias e explicou que as origens delas são naturais, oriundas dos povos originários. Ao comentar o cenário político atual, o pesquisador ressaltou que, apesar da mudança do governo este ano, “o fascismo está aí”. Ele afirmou que, mesmo que haja ainda um “pânico moral” quando o assunto é a maconha e suas diversas substâncias e aplicações, houve alguns avanços. Mas Sidarta quer mais e vai além: “temos três anos para fazer uma aceleração dos avanços recentes incluindo também as substâncias psicodélicas”.

Certamente, não se trata de um tema simples. Ao destacar a complexidade e os perigos envolvidos na aceitação e uso terapêutico dos psicodélicos, Sidarta fez um alerta. Ele afirmou que é preciso ter cuidado, pois há empresas tentando patentear substâncias de uso ancestral e milenar. Além disso, disse ser uma armadilha acreditar que a aplicação dos psicodélicos significaria a substituição de substâncias “más”, que são os medicamentos psiquiátricos

amplamente utilizados hoje em dia, por “boas”. “A indústria vai tentar monetizar”, disse ao explicar que é esse o discurso adotado por um mercado que já reconhece que não será mais bem sucedido com os remédios alopáticos usados atualmente.

Sidarta Ribeiro afirmou que o Brasil é o terceiro país que mais tem publicado estudos científicos sobre psicodélicos, atrás apenas dos Estados Unidos e do Reino Unido. Ele credita este fato à permissão que o país dá ao uso da ayahuasca. “Essa é uma oportunidade que temos”, disse. “Há um grande potencial disruptivo e contrahegemômico porque se trata de produtos naturais. A gente precisa aproveitar que o Brasil está muito avançado nisso”, defendeu o pesquisador.

 

Abertura: homenagem a Fernando Freitas

A abertura do evento foi marcada por homenagens a Fernando Freitas, um dos fundadores do seminário e do Mad in Brazil, que morreu em 30 de janeiro de 2023. “Com sua dedicação e insistência para que fosse realizado todo ano, ele deixou esse seminário como um legado”, afirmou o pesquisador sênior da ENSP/Fiocruz, professor emérito Paulo Amarante, que é também presidente de honra da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme). Paulo Amarante mencionou ainda a perda de José Carlos Trindade, outro pesquisador do Laps/ENSP que também faleceu em janeiro. 

Presidente da Abrasme, Ana Paula Gujor  reforçou a homenagem e o legado de Fernando Freitas. “Já estamos na sétima edição do seminário, uma atividade que, ao longo dos anos, foi ganhando uma representação também internacional, com a parceria frutífera com com Robert Whitaker, do Mad in the World, que está aqui conosco. Isso nos leva a capilarizar, enquanto Escola e pesquisa, essa discussão para outros países. Fernando Freitas era um pesquisador aguerrido e um dos responsáveis mais marcantes para que a gente tenha conseguido consolidar os seminários internacionais ‘A epidemia das drogas psiquiátricas’. Deixamos nosso profundo agradecimento”, disse. Emocionado, o presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), Carlos Fidelis, definiu Fernando Freitas como uma “presença fundadora” e um “militante incansável” que, com sua amabilidade e dedicação não buscava os holofotes, mas sim o avanço. 

Após também render homenagens a Fernando Freitas e Carlos Trindade, o diretor da ENSP, Marco Menezes, transmitiu as saudações do presidente da Fiocruz, Mario Moreira, aos realizadores do evento. Menezes disse que o 7º Seminário Internacional ‘A epidemia das drogas psiquiátricas’ ocorre num momento importante de elaboração de políticas públicas no país, do Plano Nacional de Saúde e de movimentação para as eleições municipais de 2024. “Esse seminário tem como característica muito importante mobilizar a sociedade em torno desse debate e ampliar o diálogo com os movimentos sociais”, reconheceu o diretor.

Marco Menezes lembrou que o evento é realizado poucos meses após a 17ª Conferência Nacional de Saúde, na qual foi debatida, por exemplo, diretrizes para a formação de profissionais com um olhar de humanização e de acolhimento. Além disso, precede aa 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental, que será de 11 a 14 de dezembro em Brasília. O diretor da ENSP ressaltou que é um momento de esforços de diferentes atores, incluindo os governamentais, de ampliar a participação social nas mais diferentes ações institucionais, nos territórios e nas unidades de saúde tema importante para ampliar o debate na sociedade. “A medicalização da vida gera impactos no dia a dia na vida de cada um de nós. Este evento do Laps, que constituiu o corpo técnico da nossa Escola, é estratégico para nós”.

Em seguida, ainda na abertura, o presidente do Cebes, Carlos Fidelis, relatou que tem visto a luta que se trava pelo direito de envelhecer, de ter uma vida com dignidade, com o direito de realizar toda a potência criativa. “Nosso campo é, hoje, uma trincheira de luta das mais importantes da defesa da civilização. Esse conceito de saúde ampliada, da determinação social, é uma das trincheiras das mais importantes diante da barbárie do mercado”, disse ao defender a “radicalização da democracia”.

 

Novo podcast no ar

Durante a primeira manhã do seminário, foi lançado o podcast ‘Enloucast’, uma iniciativa do Mad in Brasil, em parceria com o Laps/ENSP e o Centro de Estudos Estratégicos (CEE/Fiocruz). O Enloucast é um podcast de entrevistas que visa conversar com pesquisadores, usuários, profissionais da saúde, familiares e sobreviventes sobre saúde mental e desmedicalização, procurando trazer diferentes olhares e experiências sobre o tema, e ampliando o debate sobre o assunto. “Queremos mostrar que saúde mental é um assunto muito mais rico, complexo e extenso que o debate reducionista sobre transtornos psiquiátricos e remédios que vemos hoje em dia em muitos meios de comunicação”, disse Camila Motta, que é uma das criadoras e apresentadoras. A equipe é coordenada Paulo Amarante, o primeiro entrevistado, e conta ainda com Jéssica Marques, Matheus Folly, Lincoln Xavier e Lucas Gonçalves. O primeiro episódio já está no ar e pode ser acessado no Spotify e no YouTube do Mad in Brasil.

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