10/01/2020
Por: Antonio Fuchs (INI/Fiocruz)*
A Rede de Pesquisa Clínica Aplicada a Chikungunya (Replick), iniciativa coordenada pelo Instituto Nacional de Infectologia (INI/Fiocruz), realizou, no dia 8 de janeiro, um encontro reunindo investigadores da Replick e diversos especialistas nacionais e internacionais para debater temas relativos às arboviroses no país e discutir a realização de estudos de tratamento e prevenção que possam ser adotados em futuro próximo. A abertura da oficina contou as presenças da diretora do INI, Valdiléa Veloso, do diretor do Departamento de Imunizações e Doenças Transmissíveis (DEIDT/SCTIE/MS), Julio Croda, do coordenador da Replick e pesquisador do Laboratório de Pesquisa Clínica em Doenças Febris Agudas do INI, André Siqueira, do coordenador de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da Fundação Oswaldo Cruz, Rivaldo Venâncio, do consultor da Opas/OMS, Carlos Melo, da representante do Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit/MS), Livia Vinhal, e do pesquisador do National Institutes of Health (NIH/EUA), Mark Challberg.
A diretora do INI iniciou sua fala expressando satisfação pelos progressos da rede desde o seu lançamento, em maio de 2019. “A Replick será um modelo para nosso país no campo da pesquisa clínica ao envolver diversas instituições e manter uma forte articulação com o Ministério da Saúde. É inovador o fato de que as descobertas obtidas sobre a chikungunya serão implementadas quase que imediatamente pelo sistema de saúde brasileiro, gerando assim benefícios rápidos e diretos para a nossa população”, afirmou Valdiléa.
Ao destacar que a Fiocruz é patrimônio da sociedade brasileira e deve ser orgulho de todos, o médico infectologista Rivaldo Venâncio, representando a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, reconheceu o esforço do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas em estruturar esse importante projeto multicêntrico, que conta com o financiamento do Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit), do Ministério da Saúde. “A chikungunya é uma doença inquietante. Imaginávamos que a conhecíamos e a cada dia ela apresenta uma surpresa, seja no espectro clínico da infecção, seja na gravidade por ela causada e, sobretudo, em relação aos fatores envolvidos na persistência das formas crônicas”, destacou.
Ao falar sobre a situação das arboviroses urbanas transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti, o diretor do DEIDT/SCTIE/MS, Julio Croda, ressaltou que desde a sua introdução, no ano de 2014, os casos e óbitos da doença se concentraram na região Nordeste, com destaque para o Ceará, em 2017, e que no ano de 2019, 80% das ocorrências de chikungunya aconteceram no estado do Rio de Janeiro. Segundo Croda, Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) registrou, até 18 de dezembro de 2019, um total de 130,8 mil casos de chikungunya no país, com uma incidência de 62,3 casos/100 mil hab. Em 2018 houve uma redução de 55% pois foram registrados 84,2 mil casos. A previsão para 2020 é que a epidemia se concentre no Nordeste, uma vez que os dados epidemiológicos coletados mostram uma constante circulação do vírus nesta região, mesmo no período interepidêmico.
Durante a sua apresentação, o diretor do DEIDT destacou ainda que 2019 foi o ano em que o Ministério da Saúde fez o maior investimento em doenças negligenciadas e que o desenvolvimento de uma vacina para chikungunya é uma prioridade. “A pasta está aberta para discutir recursos, desenvolvimento e testagem da imunização”, concluiu.
Desenvolvimento da Replick
André Siqueira, coordenador da Replick e pesquisador do INI, lembrou que os desafios que a iniciativa enfrenta são múltiplos. “A cronificação/complicação da doença, como tratá-la de forma mais efetiva ou quais são as consequências da infecção, não sabemos ainda. Quando começamos a fazer uma discussão mais ampliada sobre os casos com base nas diferentes vivências ambulatoriais, pensamos na infecção ósseo-articular e musculoesquelética por conta das questões da dor, além dos edemas e inflamações causados pela chikungunya”, explicou André. “Aprofundando ainda mais percebemos que há questões como rigidez, fadiga crônica e os impactos que os sintomas acarretam em outros aspectos da vida dos pacientes, como o psicológico, o social, a capacidade funcional e laboral do indivíduo e sua qualidade de vida”, ponderou. A Replick espera apresentar, ao longo do estudo, melhores estratégias terapêuticas, medicamentosas ou não, para tratar os pacientes, entender a gravidade da doença, compreender a dinâmica da transmissão, seu espectro clínico e os fatores associados ao óbito.
A coordenadora de Estudos Clínicos da Replick, Giselle Duarte, informou que 11 centros de pesquisa em nove estados brasileiros (Amazonas, Bahia, Ceará, Mato Grosso do Sul, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rondônia e São Paulo) estarão aptos, já em fevereiro de 2020, para o recrutamento dos pacientes que farão parte das pesquisas. Ao todo, serão oito mil participantes selecionados, sendo dois mil com diagnóstico positivo para a doença e outros seis mil negativos, mas que serão também investigados e terão amostras coletadas para inclusão no biorepositório que poderão ser compartilhadas visando a avaliação de testes diagnósticos. “Esperamos avançar no entendimento e no melhor manejo clínico-terapêutico dos pacientes com chikungunya e voltaremos a nos encontrar, em março de 2021, para mais um encontro nacional de apresentação de dados obtidos ao longo das pesquisas”, disse.
Foto: Rogério Fiocchi
Desafio das arboviroses
Os representantes do National Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIAID), um dos institutos que integram o National Institutes of Health (NIH/EUA), Jean Patterson e Mark Challberg, explicaram que o NIAID apoia a pesquisa básica e aplicada para prevenir, diagnosticar e tratar doenças infecciosas, incluindo HIV/Aids e outras doenças sexualmente transmissíveis, arboviroses, tuberculose, malária, entre outras. O volume de financiamento do Instituto vem crescendo gradativamente ao longo dos anos e pesquisadores que queiram desenvolver estudos pré-clínicos de vacinas podem apresentar suas propostas para a instituição. Nessa busca por novas vacinas, o NIAID quer ampliar suas parcerias com centros de pesquisa de doenças infecciosas emergentes de três grandes regiões mundiais: o Brasil, por conta das constantes epidemias de arboviroses, centro-oeste da África e sudeste asiático.
A Global Research Collaboration for Infectious Disease Preparedness (GloPID-R), importante grupo de trabalho parceiro da Replick no campo das arboviroses, apresentou o andamento dos estudos clínicos envolvendo os vírus da chikungunya, O'nyong-nyong e Mayaro. Coube a Laura Pezzi falar sobre o papel da GloPID-R, rede de organizações que financia pesquisas na área de doenças infecciosas, reunindo 28 agências de fomento. A rede congrega esforços em escala global, de modo a facilitar respostas eficientes a surtos significativos de doenças infecciosas novas ou recorrentes, que podem se tornar pandemias. No caso da chikungunya, a instituição vem estudando a circulação da doença nas Américas desde 2013, coletando amostras de pacientes infectados para desenvolver novas ferramentas de diagnóstico mais eficazes para combater possíveis epidemias. No momento seguem na contínua implementação de protocolos clínicos que possam contribuir para reduzir a morbimortalidade aguda de chikungunya.
Fabrice Simon, da Laveran Military Teaching Hospital, na França, falou as diferenças clínicas entre a dengue e a chikungunya e os desafios que se apresentam para os pesquisadores e profissionais de saúde quando precisam de um diagnóstico preciso para definir tratamentos. O pesquisador apresentou pontos comuns das doenças que devem ser explorados pelos pesquisadores em seus trabalhos, como a definição dos determinantes, preditores e biomarcadores do hospedeiro e dos vírus para a ausência ou presença de sintomas, ou a evolução e persistência dos vírus em diferentes órgãos de forma a buscar significantes reduções na letalidade da dengue e da morbimortalidade aguda e morbidade duradoura da chikungunya.
Ao apresentar suas reflexões sobre uma possível abordagem conjunta das arboviroses urbanas (dengue, zika e chikungunya), o professor da Faculdade de Medicina São Leopoldo Mandic, André Ricardo Freitas sugeriu uma alteração no protocolo atual adotado para a dengue, de forma a servir a outras arboviroses, usando critérios mais sensíveis durante períodos epidêmicos ou para populações especiais. Segundo André Ricardo, além das quatro classificações já existentes (ausência de sinais de alarme; presença de fatores de risco; presença de sinais de alarme; sinais de choque), sugeriu a criação de um quinto grupo que envolva as complicações associadas a lesões em órgãos-alvo ou descompensação de doença de base, sugerindo ainda que o paciente nessa faixa seja internado e que se adote o tratamento específico de acordo com a complicação existente.
O pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Ricardo Lourenço, falou mais detalhadamente sobre os vetores das arboviroses. Durante sua fala explicou que a história natural da transmissão do vírus Mayaro ocorre em primatas neotropicais, mas que pouco se sabe sobre a capacidade de transmissão do vírus dos demais animais silvestres para os seres humanos. Entretanto, no caso da chikungunya, os mosquitos silvestres poderiam ser infectados pelo vírus e atacar os animais, potencializando ainda mais a doença. “Sabemos que os vírus não são erradicáveis a não ser que vacinas sejam criadas para combatê-los. No momento, assim como ocorre com a febre marela, o que pode ser feito é evitar o contato com o mosquito e a utilização de equipamentos de proteção individual (EPIS)”, destacou.
Já o professor da UERJ, Geraldo Castelar Pinheiro, médico reumatologista, abordou a importância do tratamento adequado das manifestações musculoesqueléticas da chikungunya. “São inúmeros os desafios para as equipes de saúde no tratamento dos pacientes com a doença. A ausência de vacinas específicas ou medicamentos antivirais efetivos limita muito o atendimento. Deve-se sempre prezar o acolhimento destas pessoas, explicando a elas a sua condição, a evolução da doença, o prognóstico, orienta-los sobre os riscos da automedicação e abordar os aspectos emocionais envolvidos”, explicou.
O pesquisador Hugh Watson, da Evotec Infectious Diseases (França), apresentou a experiência com tratamentos alternativos que utilizam anticorpos monoclonais retirados do sangue de pacientes recuperados de chikungunya, recombinados geneticamente em laboratórios e testados em primatas não humanos. Esse método, quando ministrado antes da infecção, impediu significativamente a carga viral e a inflamação pelo vírus, processo que futuramente poderá se tornar um tratamento eficaz para a população.
Encerrando o seminário, o chefe do Laboratório de Pesquisa Clínica em Medicina Intensiva do INI, Fernando Bozza, apresentou brevemente sua experiência na condução de Redes de Pesquisa Clínica envolvendo diversas instituições nacionais e internacionais. Durante a sua fala afirmou que o trabalho em parceria é o caminho para que os sistemas de saúde obtenham evidências com as investigações e assim optar pelas melhores alternativas para cuidar da saúde da população.
* Edição: Juana Portugal
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