26/07/2022
Agência Fiocruz de Notícias
O I Fórum Internacional de Tecnologias e Inovação Social para as Pessoas e o Planeta encerrou seus debates apresentando a Carta da Bahia e deliberando, principalmente, sobre o tema da segurança alimentar e nutricional. Palestrantes nacionais e internacionais, líderes comunitários, pesquisadores, especialistas em tecnologia, autoridades do poder público, representantes indígenas e quilombolas se reuniram em Salvador para pensar propostas de inovação social, de combate às mudanças climáticas e suas consequências, além de apresentarem e conhecerem iniciativas inovadoras na área. A Carta busca resumir estas discussões e apresentar diretrizes e compromissos assumidos pelas instituições presentes.
Os signatários se comprometeram também em estabelecer a Rede de Tecnologia Social para as Pessoas e o Planeta (ST4PP) com o intuito de acelerar a adoção de novas tecnologias e promover o protagonismo das comunidades nos processos de inovação (foto: Fiocruz)
Realizado de forma híbrido (online e presencial), o fórum recebeu 800 pessoas e antecede a participação da Fiocruz em futuros eventos organizados pela ONU, como o The Global Sustainable Technology and Innovation Community (G-STIC), em 2023. “O Brasil é um país único em sua forma de unir prática social com tecnologia. Há casos semelhantes em outros países, mas não com a mesma pujança e união entre políticas públicas e sabedoria social”, afirmou o coordenador da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030 (EFA 2030), Paulo Gadelha, que organizou o evento ao lado do Atlantic International Research Centre (Air Centre) e da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura no Brasil (FAO Brasil). O fórum teve patrocínio da Fundação de Apoio à Fiocruz (Fiotec).
Ações imediatas
A Carta da Bahia pede ações imediatas pelo desenvolvimento sustentável, tendo como estratégias o combate às desigualdades e a identificação de processos de transformação social para um futuro sustentável e considerando a tecnologia social como metodologia inovadora. Os signatários se comprometeram também em estabelecer a Rede de Tecnologia Social para as Pessoas e o Planeta (ST4PP) com o intuito de acelerar a adoção de novas tecnologias e promover o protagonismo das comunidades nos processos de inovação.
Todas estas ações buscam resolver questões como a insegurança alimentar, tema principal das palestras do último dia de evento, nas quais foram dados exemplos de como se pode combater a fome utilizando a sabedoria popular para criar projetos que valorizem a capacidade local e a biodiversidade. Rafael Zavala, do escritório da FAO Brasil, apontou que a segurança alimentar está sob “tempestade perfeita”, com “suas diferentes causas ocorrendo ao mesmo tempo: conflito armado, o choque econômico, e a crise climática”.
A pesquisadora e diretora da Fiocruz Bahia, Marilda de Souza Gonçalves, moderou o debate de encerramento. Entre os participantes da mesa estava Ananias Viana, representante do Turismo Étnico Comunitário da Rota da Liberdade, e afirmou que “a Rota da Liberdade é uma tecnologia sustentável, criada com base num modelo de envolver para desenvolver, não acreditamos em um turismo convencional, mas com a produção associada, para fortalecer a localidade”, contou.
Alguns participantes do Fórum viram na prática esta Rota da Liberdade na programação extra, realizada na última sexta-feira em uma visita técnica ao Quilombo Kaonge, uma das comunidades quilombolas na zona rural de Santiago do Iguape, em Cachoeira, a cerca de 110 quilômetros de Salvador. Foi apresentado aos visitantes um pouco da culinária local especializada em ostras, assim como a produção de farinha de mandioca e do óleo de dendê: um exemplo prático de como a valorização do saber e de produtos locais pode ser o caminho para resolução de problemas como a fome e a escassez da água e para o desenvolvimento sustentável.
Participantes do Fórum na visita ao Quilombo Kaonge (foto: Fiocruz)
Inovação inclusiva
Nos primeiros debates do Fórum destacou-se o papel da tecnologia social na solução de problemas globais. Para além dos conceitos referentes ao tema, os participantes do evento debateram como se pode criar uma inovação social inclusiva. Na sessão de abertura, o arquiteto e designer ganense DK Osseo-Asare apresentou um projeto que desenvolveu em Agbogbloshie, uma comunidade de Acra, em Gana. Há quase uma década, Asare e sua sócia Yasmine Abbas desenvolvem workshops numa região que convive com um enorme depósito de eletrônicos descartados por diversos países e que ganhou a alcunha de “o local mais tóxico do mundo”.
Asae e Abbas focaram na resiliência e conhecimento empírico da população local na reutilização daqueles materiais. Eles uniram diferentes linhas de conhecimento para produzirem tecnologia de forma única e inovadora e, assim, desenvolveram oficinas na comunidade, das quais nasceu o projeto AMP (Agbogbloshie Maker Place) Spacecraft, que são quiosques construídos com material retirado do lixão e formam um espaço móvel, híbrido – digital e analógico – onde se pode ter acesso ao conhecimento para realizar e desenvolver a tecnologia que desejar.
“Temos uma sociedade dividida. Há pessoas que não terminam a escola e aprendem muito fazendo e outras que vão até a faculdade, sabem como fazer muitas coisas, mas não têm experiência na prática. Nós conectamos esses grupos para trabalharem juntos”, conta Asare.
Na mesa Marco conceitual da tecnologia social, o vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, Hermano Castro, ressaltou: “Estamos tratando de tecnologias sociais num mundo conturbado em que 828 milhões de pessoas estão em situação de fome. Precisamos compreender este contexto, pois muitas das tecnologias nascem na base social”.
Tecnologia social, saúde e combate à pandemia
“Inspiração” foi a palavra que o assessor de Relações Institucionais da Fiocruz, Valcler Rangel Fernandes, usou para definir a mesa de encerramento do primeiro dia do fórum, Exemplos de tecnologia e inovações sociais para a saúde. “Quero destacar as presenças de territórios e histórias diversas: temos terreiros, favela, histórias diferenciadas, universidade, conhecimento, inovação, dados… Temos Portugal aqui conosco. Esta é a nossa percepção, do estabelecimento de diálogos permanentes entre estes campos, este diálogo é fundamental”, afirmou ele.
Na mesa foram apresentadas iniciativas de desenvolvimento de tecnologias em parceria com comunidades locais e como isso pôde ajudar no enfrentamento da pandemia. O diretor da Associação Nacional Cultural de Preservação do Patrimônio Bantu, Taata Konmannanjy, e a diretora da Redes da Maré, Eliana Souza Silva, apontaram como a parceria com a Fiocruz foi fundamental para salvar vidas nestas comunidades. Entre as ações conjuntas, estão a produção de cartilhas, de protocolos comunitários e ajuda na distribuição de alimentos.
Tecnologias sociais para o clima
A proteção da água, a arte e o combate às mudanças climáticas foi tema central no segundo dia do fórum. No início do dia, o professor da Universidade de Lisboa e ex-ministro de Ciência e Tecnologia de Portugal, Manuel Heitor, palestrou sobre a era do antropoceno e a complexidade da crise climática: “A pandemia, a guerra, a mudança no mercado de trabalho, as fake news… É preciso ter uma visão holística para enfrentar este problema complexo”, afirmou Heitor.
Esta visão holística guiou a fala do pesquisador da Fiocruz Léo Heller em sua participação na mesa Estado da arte e tecnologias sociais, mediada por José Luiz Moutinho, do Centro de Pesquisa Atlântico, de Portugal. Partindo dos ODS, Heller destacou os desafios no acesso global aos serviços básicos, à água e os riscos de tratar este recurso como “mercadorias”.
Também no segundo dia, a pesquisadora da Fiocruz Márcia Chame apresentou um diagnóstico de zoonoses emergentes e reemergentes ligadas às mudanças climáticas. “Isso não tinha alertado ninguém até vermos o impacto da Covid-19”, disse. Para ela, a humanidade deve pensar no seu papel ecológico neste cenário, “somos uma espécie ativa 24h por dia, comemos quase qualquer coisa e somos excelentes amplificadores de patógenos”.
A pesquisadora destacou a importância do Sistema de Informação em Saúde Silvestre, um aplicativo desenvolvido pela Fiocruz que permite a qualquer pessoa fotografar e informar qualquer evento relacionado a mortes de animais por zoonoses em qualquer parte do país, envolvendo diretamente a sociedade na vigilância da disseminação de doenças.
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