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Atividade física bem orientada melhora indicadores de saúde e previne doenças


05/12/2016

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Por Adriano De Lavor/ Revista Radis*

A rotina da cabeleireira Maria Aparecida Burgo da Silva, 42 anos, é pesada como a de tantos outros brasileiros que trabalham por conta própria. Todos os dias, ela circula pela cidade pernambucana de Olinda, para atender clientes em domicílio, onde corta cabelo, faz escova e aplica mechas, entre outros serviços de beleza. Depois de anos neste ritmo acelerado, ela começou a sentir que as horas de trabalho de pé e os deslocamentos em transportes públicos a pé a deixavam esgotada, com as pernas cansadas e os ombros pesados. Ao fim do dia, faltava disposição e sobrava mau humor. Aparecida encontrou, perto de casa, um aliado para diminuir suas dores e irritação: atividade física. Ela participa há quase 10 anos das aulas gratuitas de ginástica e dança oferecidas pela prefeitura de Olinda na Vila Olímpica do bairro Rio Doce. “Meus problemas diminuíram 80%”, contou a cabelereira à Radis.

No Rio de Janeiro, o jornalista Ricardo Boris, 48 anos, também aproveita os benefícios à saúde resultantes da prática regular de atividade física. Há oito anos, ele decidiu que queria uma melhor qualidade de vida para acompanhar o crescimento da filha e envelhecer com autonomia e boa mobilidade. Fez as pazes com sua bicicleta, matriculou-se em uma academia e, como recompensa, perdeu os quilos em excesso, controlou a hipertensão, diminuiu taxas de colesterol e glicose e ainda se sentiu estimulado para ficar de olho naquilo que comia: “Não sou nenhum atleta radical”, ponderou Ricardo, explicando que trocou “uma alimentação de excessos por uma que me permita excessos”. Aparecida e Ricardo experimentam algo já comprovado: a vida pode ser muito mais saudável quando está associada ao movimento.

São inúmeros os benefícios para a saúde, explica o médico Ricardo Munir Nahas, diretor da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE). Ao combater o sedentarismo, prevenimos a síndrome metabólica: hipertensão arterial, diabetes, dislipidemias [aumento dos lipídios (gordura) no sangue, principalmente do colesterol e dos triglicerídeos], obesidade e sarcopenia [perda de massa e força na musculatura esquelética com o envelhecimento], enumera, apontando que a prática regular de atividade física também promove um sono tranquilo e recuperador, dá maior disposição para o trabalho e lazer, além de melhorar a função do aparelho locomotor de maneira global. A orientação, segundo o médico, vale para qualquer faixa etária: “Todas as idades podem e devem praticar a atividade física regular e usufruir dos benefícios que ela gera. Eventuais restrições existem e devem receber aconselhamento médico, mas sem interromper o hábito do exercício”, argumenta.

Um dos coordenadores do projeto UniverCidade ConvidAtiva, na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), o educador físico Elton Alves Andrade aponta para o potencial do exercício físico no combate às doenças crônicas. O projeto, parceria entre o Núcleo de Aptidão Física, Informática, Metabolismo, Esporte e Saúde, do curso de Educação Física, e a Secretaria de Estado de Saúde do Mato Grosso, associa a formação de estudantes dos cursos de educação física, medicina, enfermagem, psicologia e nutrição à oferta de atividades físicas e esportivas para cerca de 400 pessoas portadoras de diabetes, hipertensão e cardiopatias, entre outras doenças crônicas. Elton informou que o acompanhamento profissional destas pessoas tem possibilitado a elas perda de peso e melhora na circulação, além da diminuição das taxas de glicose no organismo e de outros fatores associados, como retinopatias e o chamado “pé diabético”. 

Os ganhos vão além das mudanças na aparência e nos indicadores de saúde, aponta Jorge Steinhilber, presidente do Conselho Federal de Educação Física (Confef). Em conversa com a Radis, ele destacou a relação existente entre boa aptidão física e desenvolvimento cognitivo, manifestando sua preocupação com a publicação da Medida Provisória (MP) 746/2016, que entre outras mudanças no ensino médio, torna facultativa a disciplina de educação física. “Está comprovado que as crianças aprendem com maior facilidade quando em melhor condição física”, explicou. A não obrigatoriedade da atividade física nesta fase da vida, alertou Jorge, contribuirá, inclusive, para o aumento da obesidade, que segundo ele, já é considerada epidemia entre adolescentes no país.

De olho na frequência

Um aspecto importante no planejamento é a regularidade. Embora chame atenção para as diferenças que existem entre as pessoas, seus estágios de condicionamento físico, além da intensidade, da duração e do tipo das atividades físicas, Ricardo Munir afirma que uma prática aeróbica (como uma caminhada ou passeio de bicicleta) em intensidade moderada, mantida por 60 minutos, e repetida três vezes por semana já trará benefícios ao iniciante, por exemplo. De todo modo, ele recomenda que o iniciante deve, em primeiro lugar, procurar um médico, para avaliar sua condição atual de saúde, minimizar riscos e ser orientado sobre limites e possíveis restrições; conhecida essa condição, consultar um bom profissional de educação física para montar uma rotina de treinamento adequada. 

O educador físico Rossman Cavalcante concorda, lembrando que nem toda atividade física é benéfica. Com larga experiência na preparação e no acompanhamento de atletas profissionais e de praticantes recreativos, ele adverte que a atividade física saudável requer certo planejamento — o que inclui, além da avaliação da condição física do praticante, um programa que se adeque a suas necessidades e possibilidades. “Não adianta planejar cinco dias se só se tem tempo para três, ou uma hora por dia se se tem 35 minutos”, orienta, lembrando que há de se escolher uma prática que proporcione um mínimo de prazer. “Programas excepcionais baseados exclusivamente em critérios científicos não têm adesão. O melhor programa é o programa possível”, sinaliza.

Elton concorda: “atividade física, quando feita de forma inadequada, pode também trazer malefícios”, adverte. Ele lista problemas articulares (tornozelos, joelhos, coluna vertebral) e até problemas mais sérios como acidentes vasculares cerebrais (AVC) como consequências de atividades mal orientadas ou inadequadas. “Os excessos são sempre punidos pelo próprio corpo. O mais comum é recair sobre o aparelho locomotor com doenças como as tendinites, fascites, fraturas por estresse e degenerações das cartilagens”, explica Ricardo Munir.

Aliar ganhos de saúde e prazer: Aparecida e Ricardo Boris seguem, mesmo que intuitivamente, a recomendação dos especialistas. A cabeleireira de Olinda descreveu sua rotina: de segunda a sexta-feira, ela acorda às 5 da manhã para se juntar ao grupo que frequenta as aulas, que duram uma hora. Aparecida adora quando as aulas são ao som da zumba (um ritmo colombiano) e revelou que a rotina, além de benefícios físicos, também trouxe para sua vida uma turma de amigos, que frequentemente comemoram aniversários e organizam piqueniques nos fins de semana. “Hoje, poderia pagar uma academia. Mas, pelos amigos, prefiro permanecer lá”, explicou.

Ao longo dos anos de prática regular na academia (onde divide o tempo entre exercícios aeróbicos e de força), Ricardo Boris foi adaptando outras formas de se exercitar no seu dia-a-dia. Não sem antes ter orientação de um cardiologista, uma nutricionista e educadores físicos. Hoje, faz passeios regulares de bicicleta pela cidade (cerca de 20 quilômetros, cada), prefere escadas ao elevador quando tem que descer andares, não usa carro na cidade e faz pequenas caminhadas ao longo do dia, sempre que são possíveis. Atualmente assessor parlamentar na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, ele reconhece que o condicionamento físico ajuda, e muito, a desempenhar sua atividade profissional, preparando-o para situações de estresse, por exemplo.

Quem não pode pagar por um serviço especializado tem como aproveitar os ganhos da atividade física nos projetos gratuitos presentes em muitos municípios, como a Academia da Cidade, no Recife, ou utilizar equipamentos disponíveis em praças para o público da Terceira Idade. O presidente da SBMEE aponta que o SUS possui meios de avaliar a condição clínica do praticante, algo que considera indispensável. E orienta: “O exercício mais importante na prevenção dos males provocados pelo sedentarismo é o aeróbico, principalmente após os 30 anos. Caminhar e correr são excelentes nesse quesito e exigem um mínimo de gasto, pois podem ser praticados ao ar livre, em parques e nas ruas”. Ele adverte que a atividade não dispensa o alongamento, e lembra que é possível utilizar o próprio peso do corpo como estímulo para a resistência e força muscular.

Rossman alerta para o que classifica como “cultura da superação pela superação”. Ele a identifica entre atividades que recentemente têm atraído um número maior de adeptos, como as corridas competitivas e a prática de crossfit (um programa de treinamento de força e condicionamento físico geral, de alta intensidade, com movimentos baseados em levantamento de peso olímpico, ginástica olímpica e condicionamento metabólico). “As pessoas são incentivadas a superar qualquer desafio por meio de estratégias motivacionais clichês, e estimuladas a levantar cada vez mais peso, fazer cada vez mais repetições. Na maioria das vezes, não têm estrutura preparada para isso”, aponta. O mesmo acontece com corredores iniciantes que, em pouco tempo, são orientados a fazer corridas de longa distância, diz ele. O resultado?  Ou se machucam ou abandonam a atividade. “A cultura da superação se esgota”, avalia.

*Matéria publicada na edição 171 da revista (dezembro de 2016)

“O exercício mais importante na prevenção dos males provocados pelo sedentarismo é o aeróbico, principalmente após os 30 anos" (Ricardo Munir Nahas, médico)

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