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Fioflix Resenha: O Índio Cor de Rosa Contra a Fera Invisível


21/03/2025

Madu Negreiros (Icict/Fiocruz)*

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Cartaz do vídeo 'O Índio Cor de Rosa Contra a Fera Invisível' | VideoSaúde Distribuidora

A Fioflix compõe um catálogo repleto de filmes contemporâneos e atuais, tanto pelas suas imagens quanto pelo conteúdo. O documentário O Índio Cor de Rosa Contra a Fera Invisível  embora seja inteiramente composto por registros feitos entre as décadas de 40 e 70, é - infelizmente - bastante atual em seu conteúdo. Composto inteiramente por filmes em película, o filme constrói-se como uma coletânea de vídeos e fotos das documentações feitas pelo médico sanitarista Noel Nutels - que percorreu o interior do Brasil atendendo populações indígenas, sertanejas e ribeirinhas. Logo em seus primeiros minutos, uma montagem – composta por nada além de fotos e uma trilha bem ritmada - de registros pessoais do médico nos ambienta no que seria a sua vida. Os dizeres estampados na tela nos contextualizam de seus feitos e de um detalhe importante para esta narrativa: o único registro da voz de Noel é uma gravação de seu depoimento dado à “CPI do Índio”, em 1968. É este registro que ilustra as mais diversas imagens de seu trabalho em uma montagem engenhosa e significativa.  

Mesmo que o registro sonoro seja apenas um, ele é repleto de falas potentes sobre a saúde indígena. Embora limitem-se ao olhar de um homem branco na década de 60 – com a utilização de termos datados como “índio” ao invés de indígena, “civilizados” ao invés de não indígenas, “descobridores” ao invés de colonizadores e “descobrimento” ao invés de simplesmente “chegada dos europeus às Américas” - possuem uma visão consideravelmente progressista. Além de afirmar que são os indígenas que tentam pacificar os “civilizados” há 500 anos e sem sucesso, Noel é bastante pontual em cada uma de suas falas - como a que ele atesta: “na escola, aprendi a admirar os bandeirantes, mas, depois de velho, quando soube da verdade, tive uma enorme decepção. A grande fonte de renda dos bandeirantes não foi o minério, foi a escravização do índio.” Sem dar pontos sem nós, o médico sanitarista costura um discurso que poderia ser proferido por qualquer ativista da atualidade. Falas estas que conectam-se diretamente à saúde da população indígena, visto que saúde não se limita à integridade física apenas. Ela também depende da integridade espiritual e do acesso à cultura, sendo os povos indígenas historicamente privados de sua própria. Para além de questões sociais pertinentes, Nutels traz uma perspectiva médica indispensável sobre a “ausência de resistência imunológica a doenças infectuosas introduzidas pelo descobridor na América”.  

Apenas os registros que compõem o documentário já são interessantes o suficiente para gerar uma pertinente discussão, mas o formato empregado à obra traz vida ao que poderiam ser peças perdidas de um quebra cabeça. O trabalho de som é muito bem construído, sendo composto por uma pesquisa excelente de ruídos e gravações de voz. O som da água, o roncar do avião, as vozes das crianças brincando, as músicas tradicionais. Toda a ambientação sonora amarra os diversos registros em uma única linha de raciocínio e traz as gravações à vida, nos fazendo imergir na realidade retratada em filmagens de 80 anos atrás. O documentário explicita como a linguagem cinematográfica - tanto em imagem quanto em som - é expressiva e pode divulgar conceitos de saúde pública relevantes à toda a população. Os próprios enquadramentos capturados há 80 anos são bastante interessantes, exibindo uma composição de imagem que vai além da intenção de registro e passa a trazer uma estética própria e enriquecedora. Em diversos momentos do filme, esses enquadramentos se relacionam diretamente ao que é falado por Noel em seu depoimento na CPI do Índio. Um em especial chama a atenção por ser o único em que Noel se refere ao que é mostrado em cena, justamente por serem imagens que fazem parte do seu discurso gravado. Ele fala sobre questões culturais – como o rio em que navegavam e o impacto, por muitas vezes, negativo da catequização dos povos indígenas – e também sobre as questões médicas que ele acompanhava – em especial, as crescentes mortes que, ao invés de serem causadas pela tuberculose, eram causadas pela fome. O próprio Noel reconhece a estética da imagem neste momento ao dizer que “o diretor teve intenções quando filmou o índio encostado na cruz”, nos deixando livres para ponderar quais seriam estas intenções. 

“A catequese religiosa não faz bem ao índio [...] ela abala a estrutura cultural daquela gente [..] é uma espécie de suborno místico, [...] eles terminam completamente desfigurados e descaracterizados, deixam de ser índios e não chegam a ser coisa nenhuma.” O momento em que esta fala é proferida é um bom exemplo da relação entre imagem e áudio. Diferente da mencionada anteriormente, o significado desta foi construído pelos documentaristas. As imagens de crianças indígenas brincando de ciranda na catequese nos trazem um ar de ordem. O mesmo corte de cabelo, as mesmas roupas, um círculo perfeito e uma freira em seu centro. Esta ordem é posta em contraponto às ricas imagens de diversidade estética mostradas momentos antes, quando diversos indígenas brincam no rio. Eles se deixam levar pela forte correnteza, cada um com a sua aparência única com semblantes de felicidade estampados no rosto.  

Para além de questões estéticas, o filme aprofunda diversas questões sanitaristas. Noel fala sobre a criação de parques para que - ao invés de “pacificar” - fazer com que os indígenas vivam sua cultura livremente. Ele, brilhantemente, nos explica em poucas palavras que a garantia deste direito é, também, garantir a saúde indígena. Também é falado sobre o SUSA - serviço de unidades sanitárias aéreas - e como ele serviu não apenas populações indígenas como também sertanejas e ribeirinhas. É um momento impactante do documentário pois Noel toca em um tema bastante atual. Ao dar exemplos de contato com outros profissionais da área da saúde, Noel fala sobre uma conversa que teve com um estudante de medicina que se especializava em uma doença com apenas 19 ocorrências em todo o mundo. Ao serem exibidas imagens de Noel e sua equipe tratando de diversos tipos de pessoas nas mais isoladas regiões, ele pontua que “profissionais que falam a língua de poucos, não sabem se comunicar com o povo brasileiro”. 

 Dentre muitas questões relevantes, pode-se dizer que o filme se pauta muito pela cobiça da terra e como ela causa o genocídio de populações indígenas. De forma bastante significativa, o filme se encerra com imagens da construção de Brasília em um território que costumava ser indígena. Diferente de outros momentos do filme, a trilha sonora é costurada em tons de luto. Somos deixados muito mais com uma sensação do que convicções concretas. É um filme que nos toca de diferentes formas, nos deixando com uma sementinha no canto dos pensamentos que desabrocha sempre que o assunto “saúde indígena" volta a nos encontrar. Para assistir O Índio Cor de Rosa Contra a Fera Invisível e outros 500 filmes sobre saúde, ciência e tecnologia, acesse a nossa plataforma Fioflix: VídeoSaúde em https://videosaude.icict.fiocruz.br/.

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