22/10/2024
Nathalia Mendonça (Cooperação Social da Fiocruz)
O projeto “Tecnologias Sociais em Saúde na Bacia Hidrográfica do Canal do Cunha no Complexo do Lins” encerrou no dia 10 de outubro o ciclo de quatro oficinas sobre tecnologias sociais em saneamento no Complexo de favelas do Lins, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Cerca de 130 pessoas participaram das atividades que tinham como objetivo ensinar a população formas alternativas de tratar a água e o esgoto usando tecnologias sociais – isto é, métodos ou produtos que utilizam o conhecimento científico e popular para resolução de problemas sociais. O projeto é desenvolvido pela coordenação colegiada do Observatório da Bacia Hidrográfica do Canal do Cunha, Coordenação de Cooperação Social da Presidência da Fiocruz, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), Centro de Inteligência Comunitária - A Voz do Lins de Vasconcelos e conta com o apoio da Associação de Moradores da Santa Teresinha.
O roteiro do projeto era: oferecer um ciclo de quatro oficinas em duas localidades do Lins para um público estimado de 20 pessoas, de novembro de 2023 a outubro de 2024. Mas em algumas ocasiões, os encontros atraíram até 80 pessoas de forma espontânea. O primeiro encontro apresentou o projeto e abriu espaço para a escuta dos diagnósticos realizados pelos moradores sobre a situação do território; o segundo apresentou uma análise das nascentes do território e dos terrenos para implementação das tecnologias; o terceiro compartilhou um mapeamento realizado no território e os resultados do projeto; o quarto, e último, apresentou as tecnologias sociais que foram construídas. A atividade final foi realizada na Associação de Moradores.
Tecnologias implantadas
A instalação dos equipamentos foi aproximou pesquisadores integrantes do projeto e representantes do território, que serão multiplicadores das tecnologias implantadas. A escolha e análise dos locais de implementação foram feitas a partir da pesquisa de campo realizada pela Fiocruz, com diagnóstico sobre escassez desses serviços e a necessidade de acesso ao saneamento ambiental de qualidade. Durante um ano, os integrantes do projeto realizaram, em conjunto com os moradores do Lins, o mapeamento do território, análise dos terrenos e das nascentes locais. Após diferentes análises de qualidade de água e condições ambientais, foram escolhidos dois pontos para instalação das tecnologias: a nascente de Santa Teresinha, no alto do Lins, e a sede da Associação de Moradores do Santa Teresinha.
Foram implantados dois tipos de tecnologias socioambientais vinculadas à água, ao saneamento e ao esgoto. O Biofiltro e a Bacia de Evapotranspiração (BET). Segundo a pesquisadora Natasha Berendink Handam, doutora em Ciências pelo programa de Saúde Pública e Meio Ambiente da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz), o Biofiltro permite acesso à água tratada pelo processo de remoção das impurezas utilizando-se agentes biológicos.
“Muitos moradores já utilizam a águas das nascentes sem saber como que está a qualidade dessa água. O Biofiltro é capaz de remover microrganismos e vai conseguir gerar uma água tratada para os moradores. É uma fonte alternativa de utilização de água para os moradores, quando houver o desabastecimento local”.
O Biofiltro foi construído em uma nascente da comunidade de Santa Teresinha, localizada na parte alta do Complexo do Lins. Após a implementação das tecnologias, os pesquisadores do projeto farão visitas regulares para análise de condições da água após a instalação do sistema. A pesquisadora Natasha Handam também alertou que é preciso que a população tenha atenção à qualidade da água consumida por conta de doenças como cólera, hepatite, gastroenterite, entre outras.
A geógrafa, mestre em Dinâmica dos Oceanos e da Terra pela Universidade Federal Fluminense, integrante do Observatório da Bacia Hidrográfica do Canal do Cunha e pesquisadora da Cooperação Social da Fiocruz Rejany Ferreira dos Santos, apresentou o funcionamento da Bacia de Evapotranspiração (BET), sistema que faz coleta e tratamento de esgotos de casas, diminuindo a carga de dejetos que seriam despejados nos rios, proporcionando melhoria ambiental com reflexos na saúde da população. A Bacia de Evapotranspiração também é conhecida popularmente como “fossa de bananeiras”, um sistema fechado de tratamento da água usada na descarga de sanitários convencionais e uma forma de tratar o esgoto de forma ecológica.
População envolvida
A tecnologia social foi construída por pedreiros, profissionais moradores do território que foram orientados durante o ciclo das oficinas sobre todas as técnicas de construção utilizadas nos sistemas. Os participantes dos ciclos formativos também receberam, ao longo dos meses, materiais informativos que foram apresentados pelo projeto, cartilhas de orientação sobre água potável, prevenção de doenças causadas por águas contaminadas, passo a passo da construção das tecnologias do Biofiltro e da Bacia de Evapotranspiração, tipos de materiais necessários para construção, componentes químicos, plantas que fazem parte do sistema e técnicas de manutenção a longo prazo.
Os sistemas de Biofiltro e Bacia de Evapotranspiração servem como alternativas de melhoria das condições de água e saneamento que já estão estabelecidas, colaborando para a qualidade da água quem vem da nascente, usada para consumo, e melhora do esgoto que será escoado das casas. “Não vamos construir bacias de evapotranspiração pelo território inteiro? Não é possível. A responsabilidade é do Estado. O que a gente está fazendo é construindo, trazendo e mostrando que existe uma outra possibilidade para além do que é apresentado como solução. Existem outras formas, outras tecnologias que foram criadas e nós estamos adaptando-as para os territórios de favelas”, relatou Rejany Ferreira.
A realidade enfrentada pela periferia é diferente da situação dos bairros mais nobres. As condições de acesso à água e saneamento são precárias: a grande maioria das favelas não possui sistema de abastecimento de água potável e tratamento de esgoto; o acesso à água é intermitente – ou seja, os moradores só recebem água em dias e horas específicas. Os coletivos, moradores e instituições buscam alternativas e políticas públicas que atendam as necessidades específicas da população residente nesses locais. A bacia hidrográfica do Canal do Cunha, território onde o Complexo do Lins está localizado, está inserida em uma bacia maior que é a bacia hidrográfica da Baía de Guanabara que está localizada em 17 municípios do estado do Rio de Janeiro.
Os morros são as primeiras ocupações da cidade, portanto o histórico de distribuição e acesso água demorou muitos anos para ser aprimorado e mesmo assim moradores continuam convivendo com o cenário de falta de acesso à água potável para consumo. Historicamente, ter acesso à água nos territórios de favela – em especial os morros – é muito complicado, segundo pesquisadores envolvidos no projeto. Durante as oficinas, foi explicado que para ter esse acesso é preciso ter bomba e um sistema de distribuição que muitas vezes as famílias não têm dinheiro para implementar e acabam dependendo da solidariedade dos vizinhos. Os próprios moradores do território do Complexo do Lins foram os responsáveis por garantir a distribuição de água de forma mais capilarizada pelo território.
A pesquisadora do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (DSSA - Ensp/Fiocruz), Maria José Sales, que integra o projeto Tecnologias Sociais em Saúde da Bacia Hidrográfica do Canal do Cunha, destaca sobre a importância de pensar em alternativas que sejam coerentes com as especificidades do território que irá receber o sistema de tratamento.
“A gente só consegue ficar onde tem água. Onde tem água, tem esgoto. O esgoto é produto da água. O esgoto é tratado nas grandes cidades urbanas em tubos enormes. As companhias de saneamento – seja as públicas ou particulares – elas não querem saber de fazer projetos alternativos no Brasil. O Brasil é um só? Não é. As favelas do Rio de Janeiro não são iguais a Zona Sul, então há diferenças. Isso é uma possibilidade de contribuir para que esse esgoto que não é tratado vá para os rios”.
Sobre a cobrança dos serviços que nem sempre são prestados o presidente da Associação de Moradores do Complexo do Lins, Francisco Valdinar, relatou: “Tudo que temos relacionado à sistema de distribuição de água por aqui é improvisado pelo próprio morador. Não tem como deixar essa memória morrer. O morador que dá o jeito dele, que cola o tubo. A concessionária não fez o que deveria ser feito para cobrar os moradores e agora ela vem querendo cobrar. É uma cobrança de algo que não está acontecendo”.
Seminário final do projeto
No dia 5 de novembro (terça-feira), das 9h30 às 16h, acontece o seminário final do projeto “Tecnologias Sociais em Saúde na Bacia Hidrográfica do Canal do Cunha no Complexo do Lins”. A atividade será realizada na sala 410 (4º andar) da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp). O seminário é gratuito e aberto ao público. As pessoas interessadas em participar da programação deverão realizar inscrições através de um formulário.
Serão apresentados, durante o evento, os resultados gerais da carência em saneamento do território analisado no Complexo do Lins; o processo de instalação das tecnologias sociais em saneamento e o processo de formação das oficinas que foram realizadas com a população local. A recepção com coffee break acontece às 9h30, a mesa de abertura será iniciada às 10h, às 13h será realizado um brunch para interação com os participantes, às 14h acontece a continuação das apresentações. O encerramento está previsto para 16h. Todos os inscritos no formulário terão acesso ao coffee break e ao brunch. A atividade possui certificação.
* Fotografias: Nathalia Mendonça – Cooperação Social da Fiocruz