01/03/2024
Manoel Barral-Netto, Viviane Boaventura e Thiago Cerqueira Filho*
Estamos com uma epidemia de dengue que provavelmente será uma das maiores que já vivemos. Estas epidemias têm sido tão comuns que muitos não dão a atenção necessária. Entretanto o aumento de casos de arbovirose observado esse ano não ocorre somente pela dengue.
Comparadas com as quatro primeiras semanas de 2023, esse ano houve um aumento de casos de infecção pelo vírus da chikungunya (CHIKV) de 123% no estado de São Paulo, e de 200% no Rio de Janeiro.
O maior número de casos do Brasil vem ocorrendo em Minas Gerais, com mais de 22 mil casos notificados e incidência de 110 casos de chikungunya por 100 mil habitantes.
Para complicar, o Aedes aegypti, o mosquito transmissor da dengue, é o mesmo da chikungunya e pode transmitir vários outros vírus causadores de doenças graves para os seres humanos, como a febre amarela e, a zika, causada pelo zika vírus (ZIKV).
Essas enfermidades, conhecidas como arboviroses, representam um sério problema de saúde pública em várias regiões tropicais e subtropicais ao redor do mundo.
O primeiro problema para o enfrentamento da dengue é que há vários subtipos do vírus. Os subtipos da DENV são denominados de sorotipos e são classificados em quatro tipos: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4.
A importância dos subtipos de vírus da dengue está relacionada à capacidade de causar diferentes manifestações clínicas da doença e ao potencial de reinfecção. A presença de múltiplos sorotipos dificulta o desenvolvimento de uma vacina eficaz contra a dengue, pois é necessário estimular uma resposta imunológica equilibrada contra cada sorotipo.
O monitoramento contínuo da circulação dos sorotipos é essencial para melhorar as intervenções de saúde pública e reduzir o impacto da dengue nas comunidades afetadas.
Os sintomas da dengue são semelhantes aos de outras arboviroses e incluem febre alta, intensas dores musculares e nas articulações, dor de cabeça, cansaço e erupção cutânea.
A infecção pelo vírus da dengue (DENV) geralmente causa doença leve a moderada, mas pode complicar. Em casos mais graves, a dengue pode levar a complicações sérias, como a dengue hemorrágica, que pode ser fatal.
Em revisão publicada em 2022, professores da UNIVASF ressaltam a incidência elevada de eventos cardíacos na dengue, com a maior incidência de miocardite encontrada na população menor de 20 anos. Além da dengue, o envolvimento cardíaco em arbovírus não é incomum, como revisto no mesmo artigo.
Na chikungunya há febre alta, dor intensa nas articulações, principalmente nas mãos e nos pés, dor muscular, dor de cabeça e erupção cutânea na fase aguda. Em cerca de metade dos pacientes a doença causa sintomas debilitantes e prolongados que duram meses a anos, requerem assistência médica e afetam significativamente a qualidade de vida dos pacientes.
Uma das complicações mais conhecidas da chikungunya é a artralgia crônica. Após a resolução dos outros sintomas, persistem as dores articulares, inflamação e rigidez nas articulações. O risco de artralgia crônica aumenta com a idade e é maior para mulheres.
Além disso, a chikungunya pode causar manifestações neurológicas, como encefalite, meningite e mielite. As manifestações neurológicas da chikungunya são consideradas raras, mas podem ter consequências graves.
Outra complicação possível da febre chikungunya é a síndrome de Guillain-Barré. Essa condição afeta o sistema nervoso periférico e pode levar a fraqueza muscular, formigamento e, em casos graves, paralisia temporária. A síndrome de Guillain-Barré é uma complicação séria que requer tratamento médico imediato.
Alguns trabalhos sobre a chikungunya avaliaram as complicações após a infecção e apresentaram o risco de gravidade quando associados com a presença de outras condições crônicas, principalmente a diabetes.
Um estudo recente do nosso grupo na The Lancet Infectious Diseases, comparando o risco de morte entre pessoas expostas ou não ao CHIKV, mostrou um elevado risco de morte em pacientes com a chikungunya.
Na fase aguda, entre 1 e 7 dias, as pessoas infectadas tiveram um risco de óbito 8,4 vezes maior de óbito do que as pessoas não infectadas. Entre 57 e 84 dias, o risco diminuiu para 2,26 vezes maior que as pessoas sem a doença. Após esse período não houve diferença significativa no risco de morte entre os grupos expostos e não expostos.
Dentre as causas de morte das pessoas que haviam sido infectadas pelo vírus, foi observado maior mortalidade associada com diabetes e doença cardíaca isquêmica.
Baseado no nosso estudo, a infecção pelo CHIKV em 100 mil pessoas levaria a 170 mortes adicionais nos primeiros 84 dias do que em um contexto sem a doença. Estes achados, ressaltam a necessidade de um olhar mais atento frente aos casos da doença para além da dor articular.
Tudo isto aponta para a necessidade de desenvolvimento de medicamentos e vacinas específicos para o vírus chikungunya com garantia de acesso a esses avanços em países com surtos recorrentes da doença.
A primeira vacina para o vírus chikungunya foi aprovada pelo FDA (Food and Drugs Administration) no final de 2023, mas ainda não foi licenciada no Brasil. Além disso, não existem antivirais específicos para chikungunya, como é o caso do tamiflu para a influenza.
As intervenções terapêuticas contra o vírus chikungunya permanecem em estágio inicial de desenvolvimento, com nenhuma droga em estudos fase 2 ou 3.
A prevenção e o controle do mosquito Aedes aegypti são fundamentais para evitar a propagação dessas doenças. Medidas como eliminação de criadouros de mosquitos, uso de repelentes, uso de telas nas janelas, roupas protetoras e vacinação, quando disponível, são importantes para reduzir o risco de infecção.
Além disso, existe a possibilidade da liberação de mosquitos infectados com bactéria Wolbachia, que interfere na capacidade do mosquito transmitir os vírus, e tem demonstrado potencial para redução da transmissão das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti, porém são necessários mais estudos para avaliar o impacto desta intervenção.
É essencial promover campanhas recorrentes para a conscientização da população sobre a importância de eliminar possíveis focos de reprodução do mosquito e adoção de medidas preventivas para evitar a picada do Aedes aegypti.
A luta contra as doenças transmitidas pelo Aedes aegypti é um desafio global. A colaboração entre governos, comunidades, profissionais de saúde e organizações internacionais é fundamental para combater essas enfermidades e proteger a saúde da população.
*Manoel Barral-Netto, médico e pesquisador da Fiocruz Bahia;
Viviane Boaventura, pesquisadora da Fiocruz;
Thiago Cerqueira Filho, médico da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
O artigo de opinião foi originalmente publicado no site The Conversation (27/2/2024).
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