25/09/2020
Fonte: Fiocruz Pernambuco
Os norovírus são os principais agentes virais causadores da gastroenterite aguda no mundo inteiro. Todos os anos causam cerca de 200 mil mortes e 685 milhões de casos, e crianças são a parte da população mais afetada. Esses vírus se espalham facilmente pelo contato pessoa a pessoa, mas uma parte significativa dos surtos acontecem por transmissão alimentar: 14% do total de casos em países desenvolvidos - uma proporção que pode ser maior em países de condições sociais mais vulneráveis.
Os moluscos bivalves - nos quais se incluem a ostra e o sururu - são os alimentos mais implicados nessa transmissão, pois, esses animais possuem hábito alimentar filtrador e podem bioacumular microorganismos presentes nas águas circundantes. Diante desse contexto, um estudo da Fiocruz Pernambuco investigou a contaminação por norovírus nesses moluscos, coletados em 17 praias do litoral pernambucano durante todas as estações do ano. E trouxe uma boa notícia para quem os consome nessas localidades: todas as amostras se revelaram livres do vírus.
Trata-se da primeira pesquisa do Nordeste a fazer esse tipo de mapeamento, enriquecendo a literatura disponível e o conhecimento sobre a epidemiologia desse vírus em alimentos que costumam ser consumidos frequentemente pela população. Até essa publicação, os estudos brasileiros sobre contaminação de moluscos por norovírus estavam concentrados nas regiões Sul e Sudeste. Em âmbito mundial, essas investigações vêm sendo feitas, em sua maioria, em países de clima temperado. Assim, essa iniciativa tem outro aspecto de relevância, que é agregar conhecimento em condições de clima tropical.
Para essa análise foram coletados 380 moluscos, sendo 260 ostras (Crassostrea rhizophorae) e 120 sururus (Mytella guyanensis). Os moluscos (in natura) vieram de pescadores (250), de vendedores das praias (110) ou foram coletados direto de áreas de mangue pela equipe da pesquisa (20), entre fevereiro e agosto de 2017. Um total de 17 praias foram visitadas: Atapuz; Barra de Catuama; Tejucupapo; Itapissuma; Itamaracá; Pilar; Barra de Sirinhaém; Boa Viagem; Brasília Teimosa; Ilha de Deus; Gaibu; Maria Farinha; Pau Amarelo; Porto de Galinhas e Tamandaré. Durante a coleta, foram registrados fatores como a temperatura da água e do ambiente; além da fonte da água consumida pela população desses locais.
“Processamos esses animais e não detectamos o norovírus. Isso é muito bom para o turismo gastronômico do estado e para os catadores, porque sinaliza que os animais são seguros para consumo”, explica o pesquisador da Fiocruz PE Lindomar Pena. Ele foi o coordenador da pesquisa, desenvolvida no Programa de Biociências e Biotecnologia em Saúde da Fiocruz PE pela doutoranda Klarissa Guarines e pela mestranda Renata Mendes. O estudo teve a colaboração das pesquisadoras Laura Gil e Marli Tenório, que, assim como Lindomar, atuam no Departamento de Virologia e Terapia Experimental da instituição. Foram parceiros no projeto o Laboratório de Virologia Comparativa e Ambiental da Fundacão Oswaldo Cruz (RJ) e o Laboratório de Doenças Infecciosas do National Institutes of Health (EUA).
O artigo com esses resultados, intitulado “Absence of norovirus contamination in shellfish harvested and commercialized in the Northeast coast of Brazil”, foi publicado no dia 18/09 no Brazilian Journal of Medical and Biological Research. Confira abaixo o estudo anterior desse grupo:
Estudo sequencia norovírus circulante em Pernambuco
Um estudo desenvolvido na Fiocruz Pernambuco fez o primeiro sequenciamento genético do norovírus que circula no estado. Principal causador de surtos de gastroenterites, esse vírus é responsável por cerca de 200.000 mortes por ano, no mundo inteiro. Antes dessa pesquisa, a literatura dispunha de pouca informação sobre o norovírus no Nordeste. Especificamente em Pernambuco, havia apenas com um estudo publicado em 2004, que avaliou crianças até cinco anos do Recife.
O trabalho teve abrangência estadual e incluiu pacientes de todas as faixas etárias. Além do feito inédito de descrever as cepas de vírus circulantes em Pernambuco – que agrega conhecimento às caracterizações já feitas em São Paulo e Sul do Brasil - também conseguiu reunir informações clínicas e epidemiológicas completas sobre a maior parte dos casos observados. Os resultados da pesquisa foram divulgados em dois artigos publicados: no Microbiology Resource Announcements (jan/2020) e no Journal of Medical Virology (nov/2019).
As análises incluíram o período de 2014 a 2017 e foram desenvolvidas na Pós-Graduação em Biociências e Biotecnologia em Saúde da Fiocruz PE. Para a autora e doutoranda Klarissa Guarines, trata-se de um vírus com muito destaque no mundo, sobretudo após a implementação da vacina contra o rotavírus, que costumava ser o maior causador de diarreia aguda viral. Ela defende a realização desse tipo de estudo de forma continuada, pois o norovírus tem variantes extremamente diversas geneticamente e ainda não possui imunizante disponível para a população. “Saber a evolução molecular dessas cepas, é um passo muito importante para os grupos que trabalham no desenvolvimento de vacinas”, declara.
O Laboratório Central de Saúde Pública do estado (Lacen-PE), parceiro no projeto, forneceu as amostras de pacientes com gastroenterites – um total de 1135. Dentre elas, 125 foram confirmadas para norovírus, por meio de testes laboratoriais. A investigação permitiu reunir informações clínicas e epidemiológicas completas, no Lacen e por meio do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), para 88 dos casos confirmados. Uma ferramenta valiosa para os profissionais de saúde, no manejo clínico dessa virose e no trabalho de prevenção.
As crianças com menos de três anos representaram 88% dos casos observados, o que corrobora dados encontrados em outros estudos. Os registros aconteceram ao longo de todos os meses do ano, mas a maioria das notificações ocorreu de dezembro a junho, no verão e outono, diferentemente de locais de clima frio, que têm maior incidência dessa doença no inverno. Todos os pacientes estudados apresentaram diarreia. Os outros sintomas mais comuns foram vômito (68%), febre (52%) e fezes sanguinolentas (10%).
Em adultos a doença costuma ter um curso autolimitante e duração relativamente rápida, mas ela pode se apresentar de forma mais severa em crianças, idosos e imunocomprometidos, explica a mestranda Renata Mendes, coautora do estudo. “A partir desses principais sintomas gastroentéricos, a norovirose pode levar os indivíduos a uma intensa desidratação e até mesmo à morte”, complementa.
O orientado do trabalho e pesquisador da Fiocruz PE, Lindomar Pena, lembra que o norovírus é o principal causador de surtos em locais como creches, instituições de longa permanência para idosos e em navios de cruzeiro, onde leva à quarentena de passageiros e tripulantes. Pode ser transmitido de pessoa para pessoa (por contato direto e pelo ar), pelo consumo de água ou alimentos com o vírus e por contato com superfícies contaminadas.
Para se ter uma ideia da facilidade de transmissão, o pesquisador informa que a norovirose é mais contagiosa que a gripe. “O H1N1, por exemplo, precisa de 10 milhões de vírus para iniciar uma infecção. Já o norovírus necessita de apenas 18”, compara. No período da infecção, são expelidos de um a dez milhões de norovírus por grama de fezes ou vômitos. Se tudo isso já não fosse o bastante, esse microrganismo também é muito resistente ao ambiente. Enquanto o vírus da gripe não sobrevive muito tempo ao ar livre, o norovírus permanece ativo por semanas em maçanetas, corrimões e outros objetos. Os cuidados preventivos, que valem para outras viroses, incluem a lavagem frequente das mãos, em especial após usar o banheiro. A recomendação é que a pessoa com gastroenterite não prepare alimentos, para não contaminar outras pessoas e gerar novos surtos.
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