Fiocruz

Fundação Oswaldo Cruz uma instituição a serviço da vida

Início do conteúdo

Brasil e Fiocruz contribuem para agenda universal contra a pobreza


20/02/2019

Por: Renata Augusta (Icict/Fiocruz)

Compartilhar:

Um mundo sem pobreza, fome, doença e com acesso universal à educação de qualidade, proteção social, água potável, saneamento, agricultura sustentável, igualdade de gênero, entre outras melhorias. O cenário pode soar utópico, mas tais conquistas são plausíveis para 193 Estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU), que se comprometeram a realizar 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) até o ano de 2030.

Com participação da sociedade civil, a chamada Agenda 2030 tem 169 metas e foi aprovada na Assembleia Geral da ONU em 2015. O documento reconhece como indispensável para o desenvolvimento sustentável a erradicação da pobreza, o que inclui a pobreza extrema (pessoas vivendo com menos de US$ 1,90 por dia). Nunca tantos líderes mundiais haviam firmado uma agenda política tão ampla, segundo a ONU. "Ninguém deixado para trás" é o lema do novo programa de ação, que aprimora os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), aprovados no ano 2000.

Temas de impacto na qualidade de vida das pessoas e no futuro do planeta estão contidos em cinco princípios orientadores: Pessoas, Prosperidade, Paz, Parcerias e Planeta. Dessa vez, o projeto abrange medidas urgentes sobre os efeitos da mudança climática. Embora seja primordial seu caráter universal, cabe aos países, de modo soberano, ajustar as diretrizes ao contexto nacional.

A contribuição do Brasil e da Fiocruz para aprimorar a visão sobre o desenvolvimento sustentável e o desenho tanto da Agenda 2030 quanto dos ODS remonta à Cúpula do Rio de Janeiro (Rio 92). A culminância dessa participação ocorreu com a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável (Rio+20). Para abordar questões como o protagonismo do Brasil – determinante para se ampliar os temas sociais e reconhecer o papel central da ciência, tecnologia e inovação na realização dos ODS –, convidamos Guilherme Franco Netto, secretário executivo da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030.


Por favor, comente sobre esse protagonismo do Brasil

A agenda adotada na Rio+20, que ocorreu em 2012 no Rio de Janeiro, e era alusiva aos vinte anos da Rio 92, teve uma importância imensa, porque foi o momento em que os representantes dos países-membros das Nações Unidas debateram uma agenda muito ampla sobre as grandes questões enfrentadas pela humanidade e pelo planeta. A base desse pensamento envolvia dimensões sociais, econômicas e ambientais. Foram então criados os ODS, recuperando e aproveitando o que houve de bom na agenda anterior desenvolvida pelas Nações Unidas. Eles têm a ver com a questão dos objetivos do milênio, que existiu até o período de 2015 – de lá para cá, numa forma de aproveitar a metodologia utilizada, mas ao mesmo tempo de ampliar o seu escopo de atuação, se modelou essa plataforma.

Quais são os pontos mais relevantes da Agenda 2030?

Ela traz toda a questão realmente relevante do pensamento sobre o que pode ser a vida lá para 2030 e tem uma perspectiva muito integradora dos objetivos. Não é mais um somatório de metas que têm assuntos distintos, mas uma agenda integrada que traz as dimensões sociais, econômicas e ambientais, passando por inúmeras questões tratadas pelos 17 ODS. Outro ponto chave é que os desafios para a ciência, tecnologia e inovação trazidos por essa agenda são enormes, e a Fiocruz, com toda a sua estrutura e forma de agir sobre os problemas que vivemos, tem uma possibilidade de contribuição muito grande, como já está acontecendo. É, sem dúvida, a agenda mais abrangente e compreensiva que temos no mundo hoje. Óbvio que isso é um desafio também político. No momento em que os países acordaram a agenda, existia toda uma expectativa dos caminhos que apontavam a superação da crise financeira que o mundo viveu a partir da quebra do sistema de financiamento imobiliário americano. Agora, o mundo assumiu facetas que não conhecíamos até então, e, obviamente que isso influi nos desafios colocados em termos do cumprimento da Agenda 2030.  

Como avalia a participação da Fiocruz nessas agendas mundiais?

A Fiocruz fez um 'dever de casa' grande. Desde a Rio 92, temos estado muito atentos à agenda do desenvolvimento sustentável. Adotamos essa abordagem na leitura formal da presidência da Fiocruz, o que trouxe desafios do ponto de vista, inclusive, dos arranjos institucionais a serem estabelecidos. Desde então e para a Rio+20, a Fiocruz teve um papel importante. Quando acessamos o primeiro relatório, chamado 'draft zero', que propunha o que seria a Rio+20, tomamos um susto imenso, porque a palavra 'saúde' não existia no relatório. Eram quase cem páginas, um 'draft' inicial que as Nações Unidas submeteram aos países para apreciação. Constatado que não havia uma abordagem da saúde, a Fiocruz articulou-se com o Ministério da Saúde, com áreas técnicas da OMS e com outros países, e alcançamos um espaço muito importante de colocar a saúde no centro da atenção. Quando se começou a buscar a implementação dos ODS (da Agenda 2030), fizemos um importante trabalho na Fiocruz – coordenado naquele momento pela presidência através do Centro de Relações Internacionais, pelo Paulo Buss –, em que realizamos uma consulta interna para construir a proposta de trabalho. Isso resultou na concepção da Estratégia (Fiocruz para a Agenda 2030). A coordenação do ex-presidente da Fundação Paulo Gadelha nessa dimensão tem sido fundamental, articulando com as outras iniciativas da presidência e das unidades da Fiocruz ligadas à Agenda 2030. A ação da Fundação alcança o plano internacional, participando da iniciativa junto com outras organizações. Temos uma representação importante no mecanismo de ciência, tecnologia e inovação estabelecido para apoiar os ODS. As iniciativas da Fiocruz se articulam com a Comissão Nacional para a Agenda 2030 e outras instituições. Destaco ainda a proposição de agendas subnacionais, em que temos ação tanto no nível de estados quanto de territórios. Esse é escopo da atuação da Fiocruz, sempre puxando o debate e o entendimento de como as questões da Agenda 2030 dialogam com os campos da saúde e da ciência e tecnologia.

Tendo em vista os 30 anos do SUS e a constatação de que a saúde é uma das maiores preocupações da população, como avalia o ODS 3-Saúde e Bem-Estar?

Como disse, logramos um espaço muito importante para a saúde, completamente atual. Acabamos de ter a conferência de Astana, que era a Alma-Ata de 40 anos atrás, então, todo o debate de Atenção Primária à Saúde, que suscita o debate sobre os modelos de sistemas universais de saúde, está colocado. A Fiocruz tem tido contribuições extraordinárias nesse campo. Fizemos toda uma revisão agora, inclusive, com um livro de especialistas publicado pela editora Fiocruz, em que se faz uma análise sobre os 40 anos da Atenção Primária à Saúde no sistema brasileiro, particularmente, no SUS, e os benefícios que isso trouxe para o nosso padrão de saúde. Temos uma oportunidade relevante a ser explorada de forma que a saúde possa estar ainda mais presente no cenário internacional.

Segundo uma corrente de especialistas, o Brasil não cumpriu a meta do milênio em relação à água e também não está próximo de cumpri-la até 2030. Qual a sua análise sobre o ODS 6 - Água Potável e Saneamento?

Alcançamos a meta sobre questão da oferta de água. Temos ainda um déficit importante com o esgotamento sanitário e não alcançamos a meta. Na política de saneamento, sempre é a parcela mais difícil. Quando se trata da questão de resíduos sólidos e manejo das águas impuras, sempre é de maior dificuldade porque exige maior investimento. O trabalho da Fiocruz tem sido bastante relevante nesse aspecto, inclusive, lançamos agora uma coleção temática de Saúde e Ambiente que trata dessa agenda desde os anos 80. A questão da água está muito presente na análise, e o que a Fundação compreende é que precisamos tratar o tema, primeiro, com uma dimensão ampliada, para além da questão de ofertas, de cobertura de serviços, e entender a água como elemento central no ciclo da vida, não só para o ser humano, mas para o planeta. Estamos numa cooperação com a Universidade do Minho, em Portugal, com a produção de um livro sobre a questão da água e do saneamento na perspectiva dos países de língua portuguesa e de outras iniciativas. Também destaco os aportes que tivemos no ano passado no Fórum Alternativo das Águas, espaço muito importante de diálogo da sociedade tanto nacional quanto internacional em relação a essa temática. Teremos elementos importantes de contribuição da Fiocruz.

Por favor, fale mais sobre o Fórum Alternativo das Águas

Participamos da coordenação. Foi um fórum alternativo porque se colocou, vamos dizer assim, como uma alternativa ao debate do Fórum Mundial das Águas, que ocorre de maneira regular, mas que é principalmente sustentado pelas grandes companhiasde abastecimento de água e do interesse dos setores privados. No caso do fórum alternativo, tivemos um debate sobre essa perspectiva com a sociedade, tanto nacional quanto internacional. A Fiocruz esteve presente em diversas atividades, de forma que tivéssemos a construção de um projeto, um modelo de atuação que faça com que a leitura da água seja mais ampliada.

Considerando que a mudança global do clima (ODS 13) afeta mais as pessoas em situação de maior vulnerabilidade nos países em desenvolvimento, como avalia as chances de êxito dessa ODS?

É um enorme desafio, porque não há como alterar a perspectiva da mudança climática se você não afetar o modelo de desenvolvimento em nível global, e para isso, obviamente, você mexe com valores e escalas de interesse financeiro, que são determinantes dessa questão. O elemento central da mudança climática é a forma como o homem se apropriou da natureza; em consequência da geração de gases, a temperatura da terra aumenta e você tem todo um transtorno no ciclo das águas e outros elementos. É uma questão crucial e a Fiocruz, pioneiramente, adotou essa agenda há vários anos. Temos o Observatório de Clima e Saúde como resultado dessa aposta, no sentido de que tínhamos que ter uma competência técnica e científica robusta para poder tratar do tema, produzindo informação e fazendo análises como o Observatório faz, inclusive nesse evento sobre o desastre de Brumadinho. Não tem como você falar mais da saúde pública em nível global, contemporaneamente, se você não tratar da mudança climática. É uma agenda que chegou para ficar. Não é fácil ser solucionada, porque implica nas mexidas que citei, mas temos que entender como um desafio de todos nós.

Vivenciamos a tragédia de Brumadinho pouco tempo após a de Mariana: esses desastres impactam a Agenda?

Claro. Não podemos mais tratar os desastres como episódios isolados. Eles integram o sistema de funcionamento do modelo de desenvolvimento que temos, do modo de vida das pessoas, e, obviamente que isso afeta enormemente, porque só esse caso agora de Brumadinho nos mostra que milhares de pessoas têm sua vida completamente afetada em função de um episódio que poderia ser prevenido caso os devidos cuidados fossem tomados. Essa questão dos desastres seja de origem natural como tecnológicos precisam ser tratados e inclusive estão integrados aos ODS. O entendimento é que particularmente a saúde tem que dar uma atenção de maneira estratégica à questão dos desastres.

Voltar ao topoVoltar