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Violação de direitos e injustiça ambiental são tema de documentário

Imagem de cartaz com título do filme

11/09/2014

Fonte: Informe Ensp

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Ainda nos festejos de comemoração pelos 60 anos, a Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) lançou o documentário A peleja do povo contra o dragão de ferro - Carajás 30 anos, produzido como resultado do Seminário Internacional Carajás 30 Anos: mobilizações e resistências frente a projetos de desenvolvimento na Amazônia oriental, dirigido por Murilo Santos. A atividade reuniu pesquisadores em torno do tema da violação dos direitos e da injustiça ambiental, em consequência da implementação de grandes empreendimentos no país, tema do vídeo. O diretor da escola, Hermano Castro, assumiu um acordo de cooperação com a Ordem dos Missionários Cambonianos e o Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs) para o desenvolvimento de pesquisas. "Temos o papel social de qualificar a informação em saúde", afirmou.

Segundo Castro, empresas como a Thyssenkrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) sonegam informação aos trabalhadores e à sociedade de um modo geral. “Muitas vezes eles adoecem e morrem sem nem saber o porquê. Mesmo assim, o tempo todo, muitas indústrias negam o óbvio para tentar se livrar da responsabilidade de morte e dos danos causados à saúde dessas pessoas”, declarou. A mesa também contou com a presença do missionário camboniano irmão Antonio Soffientini; da coordenadora do Pacs, Sandra Quintela; do coordenador de Ambulatórios e Laboratórios da Ensp, Marco Menezes; do pesquisador do Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Escola, Marcelo Firpo; e do pesquisador da Escola Politécnica em Saúde Joaquim Venâncio, Alexandre Dias Pessoa.

Além do documentário de Carajás, que aborda o Programa Grande Carajás (PGC) de exploração mineral da Empresa Vale e engloba terras do sudeste do Pará, norte de Tocantins e sudoeste do Maranhão; também foram apresentados os filmes TKCSA sem licença para operar, mas com permissão para poluir e Pulmões de aço, que trata da emissão de poluentes e as experiência de movimentos sociais nas localidades de Santa Cruz, no Rio de Janeiro; em Pequiá de Cima, no município de Açailândia, no Maranhão; e na maior siderúrgica da Europa, em Taranto, na Itália.

Marco Menezes ressaltou a importância dessa atividade na Ensp. Para ele, esses momentos são oportunidade para discutir os grandes desafios colocados atualmente para a saúde pública brasileira. “Apesar de seus 60 anos, a Escola tem muito vigor e sua permanente renovação está diretamente ligada à interação com os movimentos sociais. Essa particularidade da Ensp é uma marca que a nova gestão vem buscando aprofundar cada fez mais. Sobre as injustiças ambientais, esta é uma discussão muito cara para nós, principalmente porque a Escola atua há anos nesse campo com linhas e grupos de pesquisa.

Vivemos em um sistema de mortes

Irmão Antonio Soffientini, missionário camboniano italiano que está há nove anos em Pequiá de Cima, denuncia: “Aqui há violação de direitos!” Ao iniciar sua fala, Irmão Antônio relembrou a militante da área da saúde, Dona Marta Trindade, moradora de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, e dedicou à ela essa mesa de discussão. Dona Marta faleceu no ano de 2013, vítima de uma parada cardiorrespiratória, consequência de complicações de saúde ocasionadas pela exposição à ‘chuva de prata’, emissão de partículas resultado da produção de ferro gusa pela TKCSA em Santa Cruz.  

Segundo irmão Antonio, vivemos em um sistema de mortes que tira vidas. “Um sistema que mata qualquer tipo de vida não pode ser considerado um sistema justo. Que a memória dessas pessoas possam continuar nas lutas e na busca por uma vida melhor para a população”, lamentou ele. Sobre o Pequiá de Baixo, comentou que, atualmente, as reivindicações são para conseguir retirar as pessoas de onde estão e coloca-las em um lugar seguro, longe da poluição. A siderúrgica invadiu os quintais de 350 famílias e os moradores pedem o reassentamento já. São mais de 20 anos de prejuízos à vida e à saúde dessas pessoas.

Santa Cruz, no Rio de Janeiro, Pequiá de Baixo, no Maranhão, e Taranto, na Itália, se juntaram ao redor de uma causa: contra o sistema que mata. Para tanto, teve início o movimento de intercâmbios, em que cada localidade conhece a história da outra região atingida e suas lutas. “Hoje, estamos interligados além do problema. Utilizamos o intercâmbio para empoderar o povo e dar visibilidade às suas questões. Essas populações não são vistas como um problema para o poder público, pois sequer são vistas. Daí a grande importância da cooperação com instituições públicas de pesquisa, como a Fiocruz. São elas que nos ajudam a compreender o que passamos, fortalecer nossas reivindicações e também os instrumentos que temos na pesquisa para embasar as nossas lutas”, salientou Irmão Antônio.

Santa Cruz: uma enorme população invisibilizada

A coordenadora do Pacs, Sandra Quintela, reforçou a ideia de um modelo de desenvolvimento que adoece e mata as pessoas invisibilizadas pelas políticas públicas. Desde a implantação e início de suas operações em Santa Cruz, em 2010, a TKCSA tem produzido danos terríveis, principalmente aos moradores daquela localidade. “Apesar de ser o quarto maior e mais populoso bairro do Rio de Janeiro, é, assim como a sua população, praticamente invisível aos olhos do poder público”, disse. Destacou ainda a importância de uma instituição como a Fiocruz assumir essa bandeira em prol da saúde e dos impactados em uma região “que não tem tradição em movimentos sociais e está completamente à margem das políticas públicas”.

Sobre as emissões de poluentes, ela ratificou a fala de Irmão Antonio dizendo que a ‘chuva de prata’, tema de material produzido pelo Pacs, não acabou. Segundo Sandra, o fenômeno é permanente e, de acordo com os moradores, à noite eles aumentam produzindo danos terríveis à saúde da população. “A TKCSA está à venda, mas, apesar disso, tem a perspectiva de lucro operacional e pretende direcionar-se ao mercado interno com a reformulação de sua planta e, assim, produzir subprodutos para a área da construção civil, abrangendo um mercado para o qual ela não foi aprovada no Brasil. Existe cerca de 5 bilhões de reais de dinheiro público enterrado em Santa Cruz. São 2,5 bilhões em empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e mais 2,5 bilhões em isenções fiscais. O que seria possível fazer com esse dinheiro em Santa Cruz? Isso é desenvolvimento? Para quem?”, questionou Sandra.

A TKCSA é apenas uma ponta de lança de algo muito maior, disse a coordenadora do Pacs, apontando que, o projeto prevê a industrialização da Baia de Sepetiba com a implantação de quase 20 plataformas de petróleo naquela região. “Isso sem comentar sobre o submarino nuclear que já está sendo construído na Ilha da Madeira, ao lado do Porto de Itaguaí, local onde a Vale tem um grande terminal. É absolutamente assustador e a nossa tarefa é suscitar o debate, desenvolver massa crítica e dar continuidade a um trabalho de educação popular que estamos realizando com os moradores e militantes, ou seja, as pessoas que estão na ponta dessa situação. Nosso desejo é construir, onde hoje funciona a TKCSA, uma universidade ecotecnológica para que possamos ter uma instituição de ponta no campo das tecnologias ecoambientais. A ideia é trabalhar com foco naquela região, afinal de contas, já existe uma dívida social, ambiental e financeira da empresa com o estado brasileiro, em especial com Santa Cruz”.

Processos de cooperação efetivos podem capacitar as lutas comunitárias

Marcelo Firpo comentou que assumir publicamente o convênio que está sendo estabelecido entre a Ensp, o Pacs e a Ordem dos Missionários Cambonianos é um marco da continuidade desse compromisso com a população. Ele falou ainda sobre as dificuldade e estratégias utilizadas dentro de uma instituição de saúde coletiva para avançar na aproximação com os movimentos sociais e nas lutas por justiça ambiental. Segundo ele, neste momento, discutir o tema da justiça ambiental, seus conflitos, a dimensão territorial e essa relação com os movimentos se constitui em uma estratégia fundamental da saúde coletiva para tentar resgatar e trazer para a Ensp uma revitalização das dinâmicas políticas e sociais de compromissos históricos, que são um marco de fundação da própria saúde coletiva.

O pesquisador destacou também a função social da ciência. “É importante que as pessoas saibam que a Fiocruz busca, mesmo com dificuldade, ser, a partir da perspectiva do compromisso social e da abertura intelectual para as necessidades sociais, uma instituição voltada para a redução das iniquidades em saúde. Isso é uma estratégia central, política e de produção de conhecimento da instituição. Hoje, nós somos fruto da história da luta da medicina social dos anos de 1970, da luta política de emancipação e enfrentamento das ditaduras e do processo de redemocratização do país. Porém, principalmente a partir da institucionalização do SUS, nas últimas décadas houve um processo de anestesiamento da própria saúde coletiva e certa perda de vitalidade dos pesquisadores engajados e críticos”, detalhou ele, dizendo ainda que esta configuração vem levando o país também a um processo de despolitização e de uma produção científica fragmentada que acaba seguindo na direção de uma perspectiva domesticada.

De acordo com Firpo, o resultado de um processo de cooperação efetivo é a capacidade de fortalecimento das lutas comunitárias por meio do que é chamado de monitoramento comunitário. “São os próprios moradores, que vivem a realidade local, que tem mais chance de acompanhar de perto o que ocorre. Portanto é muito importante que se empoderem com a qualidade e o suporte técnico-científico das instituições. A direção da Ensp firmou um compromisso político e institucional absolutamente estratégico que envolve formação, treinamento e acompanhamento da qualidade de produção de pesquisa sobre os impactos da mineração no nordeste e sudeste, que está sendo celebrado neste momento”, descreveu Firpo.

O conflito somente se instala quando o território apresenta resistência

O pesquisador da Escola Politécnica em Saúde Joaquim Venâncio e docente da ENSP, Alexandre Pessoa alertou que, caso não existisse uma estratégia de atuação para o caso da TKCSA no Brasil, o enfrentamento não teria dado certo e as iniciativas fracassariam. Segundo ele, atuar frente ao maior empreendimento siderúrgico da TK fora da Alemanha foi difícil, pois também envolveu questões referentes ao grande poder político e econômico da empresa. “Lutar contra estas injustiças – não apenas pela poluição causada e os diferentes impactos à saúde, mas também uma gama de conflitos e cooptações gerados pela siderúrgica no território -, nos mobilizou interna e externamente, principalmente porque a demanda de acompanhamento e pesquisa veio da própria localidade, que chegou até nós de forma altamente comprometida e qualificada”, relatou Pessoa.

A verdade é que no Brasil o número de áreas sob injustiça é muito maior do que as áreas em conflito. Este só se dá quando existe uma mínima capacidade dos atingidos em dizer que o conflito está interferindo nas condições de vida e trabalho da população. É, então, que o conflito se materializa. O ‘atingido’ virou uma categoria sociológica, disse Alexandre, explicando que existem hoje inúmeros movimentos sociais que estão se autointitulando ‘atingidos’. Segundo ele, isso é um indicador de que o modelo de desenvolvimento atual do país é mais do que atrasado. “Ele expressa o que está por trás da palavra desenvolvimento, que nada mais é do que a reedição da nomenclatura progresso, cujo termo não é mais utilizado em questões de exploração da natureza e do homem”.

Pessoa falou sobre as dificuldades de desenvolver o relatório intitulado Análise atualizada dos problemas socioambientais dos problemas e de saúde decorrentes da instalação e operação da empresa TKCSA. O mesmo foi, oficialmente, entregue ao Irmão Antônio e Sandra Quintela nesta cerimônia. Segundo ele, não é fácil fazer um documento que tenha uma estrutura que aborde questões como a evolução da siderurgia no Brasil; siderurgia, saúde, o caso da TKCSA e antecedentes na Fiocruz; análise das falhas do processo de licenciamento e gestão ambiental; problemas levantados após o início da operação: estudos e evidência acerca do problema; avaliação clínica dos trabalhadores: estudo epidemiológico; fragilidades do SUS no território: comunicação, saúde e negação de direitos, entre outros. “Este relatório foi um desafio para nós e convido a todos para acessá-lo e conferir seu conteúdo. Mais do que as evidências técnico-científicas e toda a discussão, este documento expressa a capacidade e criatividade de resistência, pois está muito claro qual foi a observância do Estado, o papel da Fiocruz no processo e qual o papel dos movimentos sociais. O que esperamos é que ele possa ser um instrumento de luta pela saúde e pela vida nos outros territórios”, defendeu Alexandre.

 

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