Uma pesquisa inédita da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostra que o número de mortes por Covid-19 no Brasil em 2020 foi 18,2% maior do que o registrado. A análise indicou que foram 230.452 óbitos pela doença no ano passado e não 194.949. Os resultados do estudo, financiado pelo Programa Fiocruz de Fomento à Inovação (Inova Fiocruz), serão publicados no painel Monitora Covid-19 da Fiocruz [1].
Coordenador do estudo, Cristiano Boccolini explica que os dados divulgados anteriormente pelo Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde não estavam errados e que a discrepância nos números se deve tanto à demora no registro de óbitos quanto à reclassificação das causas de morte, decorrente da investigação nas esferas municipal, estadual e federal. Da mesma forma, o pesquisador destaca que o Consórcio de Veículos de Imprensa cumpriu um papel fundamental no monitoramento dos números de casos e mortes de Covid-19, trabalhando com as melhores fontes de dados disponíveis no momento.
“Àquela altura, aquele era o cenário. Porém, com o passar do tempo, após a liberação de óbitos 'represados' nos municípios e a reclassificação das causas de morte, precisamos revisar os dados registrados para obter uma análise mais precisa do que ocorreu no passado. Os dados com que estamos trabalhando estão acessíveis desde de maio deste ano e não poderiam ter sido consultados antes", afirma Boccolini, que é pesquisador em Saúde Pública do Laboratório de Informação em Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz).
O pesquisador ainda ressalta que o SIM é um dos melhores sistemas de informação do mundo. “Além de ter uma cobertura quase universal das mortes que acontecem em território nacional, é bastante seguro, pois tem uma série de processos e etapas de controle de qualidade. Porém, por natureza, tem um longo tempo de processamento. Em média são 27 dias entre a data do óbito e sua consolidação no sistema nacional, e essa demora pode chegar a 190 dias. Por isso, só conseguimos ter um cenário completo de 2020 agora em 2021. Estamos olhando para esse cenário com atenção e encontrando informações muito importantes. Esperamos que as conclusões possam contribuir com políticas públicas para o enfrentamento da pandemia”, conclui.
Mortes por tipo de ocupação
Um dado que chama atenção é a distribuição das mortes por tipo de ocupação. Dentre as declarações de óbito que registram essa informação, médicos somam apenas 2% do total de mortes por Covid-19 em 2020. As ocupações com maior número de mortes foram dos setores de produção de bens e serviços industriais (22%), comércio (19%) e agropecuário, que inclui atividades florestais e pesca (18%). Dentre os profissionais de saúde, 44% eram médicos, 27% enfermeiros, 13% dentistas, 8% farmacêuticos, 5% fisioterapeutas, 3% veterinários, 2% nutricionistas.
Boccolini informa que esses números podem ser ainda mais altos, uma vez que 58,7% das declarações de óbito não registraram o tipo de ocupação.“Percebemos que as categorias profissionais mais afetadas são os chamados serviços essenciais, trabalhadores que não podem parar, aderir ao home office e manter o isolamento social, o que escancara o peso das desigualdades sociais no cenário da Covid-19”, aponta.
Crianças
Em 2020, ocorreram 1.207 óbitos de brasileiros menores de 18 anos por Covid-19. Quase metade (45%) tinha até 2 anos de idade; um terço até 1 ano e 9% eram recém-nascidos (110 bebês com menos de 28 dias de vida).
“Crianças e adolescentes, que têm melhor prognóstico quando contaminados, mas não estão imunes. Transmitem, podem adoecer gravemente e até morrer em decorrência da doença.O aumento da cobertura vacinal de adultos tem que avançar mais rapidamente e gestantes e lactantes devem ser prioridade. Contudo, para conter a circulação do vírus e proteger nossas crianças, o uso de máscaras e o distanciamento social devem continuar mesmo após a vacinação”, alerta o pesquisador.
Idosos
Um dos achados da pesquisa mostra que três em cada quatro óbitos por Covid-19 aconteceram em pessoas com mais de 60 anos de idade (175.471 idosos). Nesse grupo, a faixa etária mais afetada foi a de 70 a 79 anos, que concentra 33% dos óbitos de idosos por Covid-19 em 2020. O estudo aponta que, do total de idosos mortos pela Covid-19 no ano passado, 29% tinham entre 60 e 69 anos; 27% de 80 a 89 anos; e 11% mais de 90 anos.