10/06/2019
Débora Alcântara e Raquel Tavares | PMA
Comunidade científica e sociedade civil debateram estratégias de engajamento e políticas participativas para levar a produção científica à sociedade
Conectar a ciência com as práticas sociais e ampliar a escuta na comunicação da Fiocruz com a sociedade civil, sistema legislativo e judiciário foram as principais estratégias defendidas no seminário Advocacy: O que é? Como se faz? Realizado no auditório do Museu da Vida no dia 27 de maio, o seminário abriu as comemorações dos 119 anos da Fiocruz e reuniu um público de pesquisadores, profissionais de saúde e da administração pública, além de interlocutores da sociedade civil. O evento foi organizado pelo programa Políticas Públicas, Modelos de Atenção e Gestão de Saúde da Vice-presidência de Pesquisa e Coleções Biológicas da Fiocruz (PMA/VPPCB/Fiocruz).
O público teve oportunidade de dialogar com especialistas que realizam advocacy nos seus campos de atuação, como a advogada Luciana Simas, que participa de um projeto de pesquisa na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp) sobre Assistência pré-natal, o advogado do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), João Telésforo, o coordenador de relações institucionais da Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD), Gabriel Santos Elias, o coordenador do Observatório Tuberculose Brasil (OTB) e membro do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030, Carlos Basília, e a pesquisadora Joyce Schramm, do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE), que coordena um projeto sobre a carga do Diabetes. O evento contou com a participação do Vice-presidente de Pesquisas e Coleções Biológicas, Rodrigo Correa e a abertura e mediação do seminário foram feitas por Isabela Soares Santos, pesquisadora da Ensp e coordenadora geral do PMA.
Para Rodrigo Correa é um tema que a presidência tem trabalhado muito e a "Fiocruz ter um processo mais maduro sobre essa discussão de advocacy. A instituição tem que participar cada vez mais, trabalhando de maneira muito ativa junto às organizações sociais, com a participação social que deve ser cada vez mais preservada e estimulada junto á população."
Isabela apresentou a proposta do PMA de induzir que as pesquisas fomentadas produzam resultados que necessariamente sejam utilizados pelo público-alvo e pontuou a relevância do desenvolvimento de pesquisas atuarem em redes colaborativas e que incluam a participação de seus interlocutores em todas as fases do projeto. A pesquisadora compartilhou com o público a experiência do PMA em investir no trabalho de disseminação dos resultados de pesquisa. Ela explicou que esses profissionais atuam junto aos diversos interlocutores de uma pesquisa, ressaltando a importância da articulação dos pesquisadores com os demais atores envolvidos no processo de construção e uso do conhecimento produzido. Pensando no peso que tem o papel da articulação desses atores para a formulação e implementação de políticas públicas, reforçou que “saber fazer advocacy é estratégico para contribuir com o fortalecimento do SUS e a melhoria das condições de vida da população”.
Para Gabriel estamos vivendo um “cenário de equívocos e de depreciação do conhecimento científico”, em que a comunidade científica deverá se engajar para revertê-lo. “Não podemos usar o conhecimento científico de forma elitizada. Precisamos pensar em como traduzir esse conhecimento para que outros públicos os compreendam”, advertiu. Gabriel mencionou o esforço de tradução de conhecimentos científicos feito pela PBPD, que disponibiliza informações científicas em linguagem acessível para o uso por deputados, senadores, entre outros atores estratégicos da vida política nacional, como os movimentos sociais.
Para além da simples “tradução” do conhecimento, Luciana defendeu que é preciso construir o conhecimento “junto às pessoas” para quem a comunidade científica trabalha, dissolvendo a ideia de uma hierarquia entre uma elite científica e uma suposta “base social” a ser acessada. “Não é simplesmente uma questão de nos conectarmos com a base. De que base estamos falando? Quem é a base? É preciso uma conjugação de diferentes vozes”, convocou. A advogada, que se dedica aos temas de saúde da mulher e saúde prisional, esclareceu ao público que advocacy é um campo de práticas de promoção, defesa e pressão política em torno de uma causa específica. “Não é um conceito que pertence a um campo específico, mas a uma diversidade de campos. A pressão feita pela advocacy é importante para a conquista e a manutenção dos direitos sociais”, explicou.
João defendeu um engajamento de forma conectada à realidade dos territórios locais, além de destacar que o fluxo de advocacy não deve ser caracterizado apenas por levar informações científicas aos tomadores de decisão. “Além desta atuação, é preciso que as noções estejam em contato permanente com os públicos e que saibamos também ler e utilizar a influência de uma ideia sobre o tecido social”, concluiu.
Após ler uma nota pública do GT da Sociedade Civil para a Agenda de 2030, repudiando o Decreto 9.759/2019 que extingue centenas de conselhos e outros colegiados da política participativa brasileira, Carlos contou que já militava pela saúde pública antes do termo ser uma convenção entre os grupos de pressão organizados. “Sou da era do pré-advocacy, mas incorporei esse termo estrategicamente. E esse é um momento muito oportuno para falar e debater advocacy”, defendeu. Psicólogo com atuação no campo social, Carlos trouxe o problema do HIV/AIDS como a primeira grande pauta defendida via advocacy: “A luta era pela dignidade do tratamento às pessoas infectadas, que sofriam diversos estigmas, como a associação da doença com a ideia de uma ‘peste gay’ e a culpabilização de grupos sociais como deflagradores do risco social”, lembrou.
A debatedora Joyce convocou a comunidade científica para atuar: “precisamos voltar para as bases, mas não da mesma forma que nas décadas de 1970 e 1980”, alertou para que a escuta dos pesquisadores seja mais atenta ao que está sendo “dito” e feito pelos públicos-alvo convencionais da saúde pública. A pesquisadora destacou a importância do uso estratégico dos resultados das pesquisas científicas e da necessidade de pensar projetos que tenham uma interlocução com a modificação da saúde pública, observando a escolha dos atores que serão envolvidos no processo de advocacy.
O seminário Advocacy: O que é? Como se faz? contribuiu para o debate do processo de disseminação dos resultados de pesquisa e possibilitou a articulação entre profissionais de diversas áreas interessados nesta temática no âmbito da saúde pública. Este evento fez parte de uma série de celebrações dos 119 anos da Fiocruz ocorridos durante a última semana de maio. Por meio deste evento o PMA reforça em suas ações a missão institucional de produzir, disseminar e compartilhar conhecimentos e tecnologias voltados para o fortalecimento e a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) contribuindo assim, para a melhoria da saúde e da qualidade de vida da população brasileira.
Para assistir ao debate completo sobre advocacy clique aqui.
*Colaboração: Bruno Pizzi, Fernanda Turino e Letícia Milena