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Presidente da Fiocruz marca presença no Centro de Estudos do IOC


01/12/2022

Ciro Oiticica (CCS)

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A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, foi a convidada da semana do Centro de Estudos do Instituto Oswaldo Cruz. Com a apresentação “Ciência e democracia: desafios para a comunidade científica na construção do futuro”, Nísia traçou os contornos do papel que a ciência e a tecnologia terão nos próximos anos, a partir dos aprendizados que podem ser tirados da resposta à dura experiência da pandemia de Covid-19. O Centro de Estudos é uma iniciativa do IOC e busca reunir semanalmente a comunidade científica para debater temas atuais, apresentar novas perspectivas nas áreas de pesquisa, de gestão de ciência e tecnologia e rememorar acontecimentos relacionados à cultura e à história do IOC, da Fiocruz e da ciência brasileira. 

A mediação do evento foi da diretora do IOC, Tânia Araújo-Jorge. Na presença também das coordenadoras do Centro de Estudos, Marlí Lima e Rafaela Bruno, Tânia valorizou a presença de Nísia. “Quero agradecer sua presença, dedicação e compromisso, e deixar claro que esse compromiss se reflete em muita ações de parceria. Esperamos contribuir como mulheres, cientistas e parceiras que somos nesse processo de reconstrução do Brasil”. Nísia retribuiu os agredecimentos e comentou o momento do país. “É um período intenso de trabalho, mas também de muito ânimo e esperança, em que pudemos assegurar a democracia nesse processo. É muito importante essa afirmação democrática”, pontuou. O evento está disponível no canal do YouTube do IOC.

Ciência e sociedade

Nísia iniciou sua apresentação realçando a proximidade entre a ciência e a sociedade. “A torre de marfim é indefensável quando suas muralhas são assaltadas”, afirma o trecho de um texto do sociólogo da ciência norte-americano , Robert Merton, de 1942. “O que ele afirma é que a ciência como algo autônomo frente à cultura se mostrou vulnerável a ataques e não era mais possível cientistas estarem alheios ao contexto político e cultural de suas sociedades”, comentou Nísia. 

A ciência sempre passaria por um direcionamento social e político, tendo em vista valores e fins, o que a aproximaria da questão democrática. “Sabemos que grandes avanços científicos são possíveis em contextos autoritários. No entanto, esses avanços só seguem o curso de um valor de uma ciência para o bem-estar, para a qualidade de vida, para uma sociedade que avance no processo civilizatório, de mais igualdade, em contextos democráticos”, explica. 

No contexto da pandemia, um divisor de águas, seria preciso ir além dos aspectos biomédicos. “Ela tem impacto social, econômico, humanitario e coloca desafios para toda a comunidade científica”, defende. Sete desafios têm sido abordados por Nísia para pensar os desafios desse contexto. Para o tema do Centro de Estudos, ela se concentrou em três principais: investimentos contínuos em CT&I; a mobilização de abordagens interdisciplinares diante de desafios cada vez mais complexos; e a mudança do paradigma da comunicação da ciência, a fim de aprofundar as relações entre ciência e democracia.

Centro de Pesquisa, Inovação e Vigilância em Covid-19 e emergências sanitárias

O primeiro desafio, o de manter investimentos contínuos em CT&I, teve sua importância evidenciada desde antes da pandemia. “Nenhuma tecnologia nova foi desenvolvida nesse período”, garante Nísia. “Elas já vinham em desenvolvimento com financiamentos desde pelo menos a crise do ebola, como a plataforma de adenovírus viral. A tecnologia de RNA mensageiro também tem estado em desenvolvimento para uso oncológico”. 

A construção do Centro de Pesquisa, Inovação e Vigilância em Covid-19 e Emergências Sanitárias é uma expressão de esforço. Parte do renomeado campus Maré, antes chamado de expansão, o Centro juntará pesquisa, inovação, integração e requalificação do campus, em um desenvolvimento institucional e territorial. “É um conceito abrangente que será fundamental para o trabalho de laboratórios do IOC e da ENSP”, aponta Nísia, que agradeceu às equipes envolvidas, sobretudo dessas unidades. “Trata-se de um investimento de caráter emergencial, mas estamos mirando o futuro. Significa um grande avanço na infraestrutura de C&T para o SUS”.

Correr o mais rápido possível para permanecer no lugar?

Tais avanços e desafios cada vez mais complexos exigiriam uma abordagem interdisciplinar. A articulação da ciência básica com a inovação, e a das ciências socias e humanas com as ciências exatas e da natureza seriam cada vez mais necessárias para lidar com a indissociabilidade de natureza e sociedade, bem como a de saúde e questão ambiental, bastante discutidas na recente Cop 27. 

Essa aproximação não seria apenas uma discussão epistemológica, mas programática. “A ciência tem tido muitos avanços, mas sem uma mudança profunda no modo de vida e na relação com o ambiente, estamos fadados a viver na metáfora de corrermos e ficarmos no mesmo lugar”, disse Nísia, em referência a um trecho do livro “Alice atavés do espelho”, no qual a Rainha Vermelha diz à protagonista que ela deve correr o mais rápido que puder para permanecer no lugar. 

A evolução constante de patógenos e de fenômenos socioambientais teria um ritmo maior do que a atual capacidade de resposta. “Talvez devamos pensar que precisamos ter a capacidade de superar essas barreiras entre disciplinas e um dos caminhos é a perspectiva One Health, uma só saúde, ligando seres humanos e não humanos, e pensar a própria saúde do planeta”.

“A covid-19 não é um retorno a epidemias prévias”

Por fim, a mudança do paradigma da comunicação da ciência seria fundamental para aproximá-la da democracia. “Menos uma comunicação dos enunciados científicos e mais um processo dialógico com a sociedade”, explica Nísia, que recomenda a leitura do texto do pesquisador André Botelho para o aprofundamento do tema. 

Nísia citou ainda o sociólogo Anthony Giddens ao afirmar que a covid-19 não é um retorno a epidemias prévias na história. Esta e possíveis futuras epidemias estariam relacionadas fortemente a fatores ambientais, mas também à grande trasnformação nos meios de informação e comunicação, resultando no que denomina digidemics, ou digidemia. “A informação e a comunicação passam a ser constitutivas da evolução da própria doença e da pandemia, e não podem ser vistas como apenas um fator adicional, uma variável sem grande valor explicativo”, explica.

Nísia encerrou sua apresentação lendo os versos da escritora polonesa, Wislawa Szymborska, prêmio nobel de literatura. 

Somos filhos da época
e a época é política.

Todas as tuas, nossas, vossas coisas
diurnas e noturnas,
são coisas políticas.

Querendo ou não querendo,
teus genes têm um passado político,
tua pele, um matiz político,
teus olhos, um aspecto político.

O que você diz tem ressonância,
o que silencia tem um eco
de um jeito ou de outro político.

Até caminhando e cantando a canção
você dá passos políticos
sobre um solo político. [...]

A política, nesse momento, assim como a discussão sobre a saúde, estariam em primeiro plano. “Conjunturas às vezes têm peso enorme de inflexão para tendências de futuro”, reflete Nísia. “Vemos a abertura da comunidade científica, mais que para o diálogo, para contribuir com recomendações, e não podemos pensar apenas de forma teórica em ciência e democracia no momento do país. Esse momento requer a mobilização de toda a comunidade científica, mas sobretudo da nossa sociedade, para que o caminho da democracia avance e para que a ciência, num diálogo democrático com as forças várias da sociedade, possa ajudar na construção desse caminho de futuro".
 

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