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Parceria entre Fiocruz e instituições britânicas contribuiu para entender os aspectos sociais da epidemia de Zika no país


06/04/2023

Por Laís Jannuzzi - PMA/VPPCB

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Em 2015, a síndrome de infecção congênita pelo vírus Zika (SCZ) foi um desafio para a ciência mundial que transformou a sociedade brasileira e seus efeitos são estudados até hoje. Para fazer um balanço de uma destas iniciativas, conversarmos com pesquisadores de quatro projetos de pesquisa que foram apoiados pela Fiocruz, pelo Programa PMA/VPPCB, em parceria com o Conselho Britânico e Fundo Newton, entre 2017 e 2019. 

Esses trabalhos trouxeram questões territoriais, de gênero e dos serviços de saúde para uma melhor compreensão desse cenário sanitário do país. Todos buscaram qualificar ainda mais as análises e proposições para otimizar as políticas públicas voltadas para profissionais da saúde, crianças, mulheres e suas famílias. Os resultados foram compilados no Portfólio Zika, disponível na página do PMA.
Gustavo Matta, coordenador da Rede Zika Ciências Sociais e da pesquisa “Epidemia de Zika no Brasil: agindo em um mundo incerto”, teve a Universidade de Oxford como parceira e falou a respeito do efeito do trabalho multidisciplinar sobre a epidemia: “A Zika descortinou toda a invisibilidade das pessoas que vivem com múltiplas deficiências [...] A luta não deveria ser só contra a SCZ, não deveríamos fragmentar isso”.

Ele também afirmou que a parceria entre Fiocruz, por meio do PMA, e Embaixada Britânica via Fundo Newton, junto com o Zika Aliance, foi fundamental para desdobramentos da pesquisa e da própria Rede Zika. Foi a partir das discussões técnico-científicas entre cientistas sociais, da área biomédica e da participação dos movimentos sociais que o conhecimento técnico e científico foi produzido. “Ao mesmo tempo que era uma atividade de pesquisa, também tinha o trabalho participativo com as famílias, era uma coisa híbrida. [...] Nós analisávamos e intervíamos”, observou Gustavo.

Todo esse conhecimento especializado serviu para a criação de uma rede de cientistas com foco em emergência sociais para a discussão de crises sanitárias – uma vez que, para o coordenador, as ciências sociais e a comunicação eram vistas sob uma perspectiva muito instrumental. Essas conexões multidisciplinares, criadas durante o período da pesquisa, foram fundamentais para o enfrentamento à Covid-19 sob a mesma perspectiva.

O coordenador falou sobre a importância dessa rede até os dias atuais: “Como fizemos uma rede muito potente durante a epidemia do Zika, no momento que surgiu a Covid-19, isso nos possibilitou acionar rapidamente essa rede para que pudéssemos nos debruçar sobre a discussão da pandemia”. Essa nova mobilização resultou no livro “Os impactos da Covid-19 no Brasil: populações vulnerabilizadas e respostas à pandemia”. A publicação foi finalista da categoria ciências, eixo não-ficção, do 64º Prêmio Jabuti, no final de 2022. “Esse trabalho não teria sido possível sem essa construção anterior”, avaliou. 

Flávia Elias foi coordenadora adjunta da pesquisa “Auxiliando profissionais da saúde a prover os cuidados necessários às famílias de crianças com síndrome congênita relacionada ao Zika vírus no Brasil” (Fiocruz/DF). Ela lembra que a equipe brasileira detinha o conhecimento específico a respeito da arbovirose e a equipe londrina, do Centro Internacional de Evidências em Deficiência (Iced), era especializada em capacitar cuidadores familiares das crianças com deficiência. 

No entanto, desde o desenho do projeto Flávia e Luciana Sepúlveda, coordenadora geral da pesquisa, sabiam que apesar da complementaridade, a transferência de conhecimento deveria ser adaptada à realidade brasileira. “Não dá para pegar um curso internacional e colocar direto aqui”.  Foram feitas revisões sistemáticas sobre o que já havia sido produzido a respeito das temáticas de transtorno do neurodesenvolvimento e saúde dos familiares somado ao trabalho de campo. Essa abordagem serviu de base para a construção do curso de atualização “Cuidado Integral à Saúde de Crianças com Distúrbios de Neurodesenvolvimento e às Famílias”, modalidade ensino à distância (EAD). Os interessados podem acompanhar a página do curso no site da Escola de Governo – Fiocruz/DF para a possível reabertura de vagas em 2023. 

Já o projeto coordenado por Denise Pimenta (Fiocruz/MG) olhou a fundo para a vivência das mulheres e mães de crianças com SCZ que participaram ativamente das discussões técnico-científicas.  Junto com a Universidade de York e a Articulação Nacional de Mulheres do Campo (Rede Nacional de Mulheres País) do estado de Minas Gerais, “Movimentos sociais femininos e a resposta à síndrome de Zika no Brasil: mitigando negligências por meio de abordagens centradas na comunidade” gerou uma série de publicações a respeito do impacto da epidemia de Zika sob uma perspectiva de gênero.

A equipe de pesquisa constatou fragilidades do Sistema Único de Saúde (SUS) que contribuem para vulnerabilizar mulheres periféricas – especialmente as que têm filhos com deficiência. Problemas no acesso aos serviços de saúde e a oferta regular desses mesmos serviços, são alguns obstáculos enfrentados pelas famílias das crianças com SCZ. Olhar para a questão da mulher durante esse episódio crítico da saúde pública no Brasil não consistiu em apenas diagnosticar os problemas, mas inserir quem realmente foi afetado pela epidemia no debate científico para elaborar e melhorar o atendimento a crianças com a síndrome e suas cuidadoras. 

Se a ação de identificar lugares que acumulam água e viram criadouros do Aedes aegpyti, realizada pelos ACS, é importante para interromper o ciclo de propagação do vírus, a necessidade de estocar água devido à falta de abastecimento hídrico adequado deve ser entendida como um desafio estrutural a ser incorporado e superado no enfrentamento de uma epidemia como a causada pelo Zika vírus.

Foi essa a questão motivadora da pesquisa “Modelagem e mapeamento das probabilidades estatísticas entre transmissão do vírus Zika e as condições de saneamento e drenagem na região metropolitana de Fortaleza”, coordenada por Débora Cynamon e Clarice Melamed, que também olhou para os aspectos territoriais envolvidos na epidemia causada pelo Zika vírus. 

“Olhar a saúde sob um aspecto mais amplo e saber com maior precisão o alcance da implementação de saneamento ou a falta dela, para a saúde da população é importante para garantir a qualidade da política pública a ser pensada e desenvolvida”, afirmou Débora.  

A investigação apontou que apenas 31% dos dados pareados adequadamente, ou seja, que constavam corretamente nos dois bancos de informação, confirmaram a hipótese de a falta de saneamento propiciar um ambiente favorável à proliferação do vetor que propaga a Zika e, consequentemente, deixar as mulheres grávidas dessas regiões mais expostas ao vírus. Apesar de ser um número baixo, não é possível descartar a ligação entre as variáveis analisadas.

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