13/04/2020
Simone Kropf*
Por designação da OMS, o dia 14 de abril de 2020 será reconhecido, pela primeira vez, como o "dia mundial da doença de Chagas".
A data, que diz respeito à descoberta da doença em abril de 1909, é importante por dois motivos.
Primeiro, porque evoca um marco da ciência brasileira, que deu início a uma longa e bem-sucedida tradição de pesquisa, reconhecida internacionalmente e que vem se constituindo, desde os primórdios da instituição, como emblema da excelência científica da Fiocruz.
A data é importante também porque se refere ao dia em que Carlos Chagas, na pequena cidade mineira de Lassance, fez o primeiro diagnóstico de um caso humano da doença causada pelo Trypanosoma cruzi (que ele descrevera em fins de 1908) e transmitida pelo barbeiro. Era a menina Berenice, de dois anos, moradora de uma casa de pau-a-pique infestada por aqueles insetos. Naquele e em muitos outros rostos da doença, Carlos Chagas viu também a pobreza. Segundo ele não se cansaria de afirmar Brasil afora, eram as duas faces do mesmo problema, cuja solução dependia da ação firme do Estado para a implementação de políticas públicas de saúde, visando atender Berenice e tantos outros acometidos pelas “doenças do Brasil”, como dizia.
O 14 de abril deve ser visto, assim, como uma ocasião para se pensar na ciência brasileira e nas pessoas afetadas pela doença de Chagas e outras enfermidades e populações "negligenciadas". É um dia para lembrar do passado, com os olhos no presente e no futuro.
Viver o dia mundial da doença de Chagas em meio à pandemia de Covid-19 assume um sentido muito especial e dramático. É um convite a que lembremos de Carlos Chagas não apenas como um "grande nome" da ciência, mas como exemplo de um cientista que sempre aliou conhecimento de ponta a compromisso com a saúde da população.
Vale lembrar, nesse sentido, um aspecto menos abordado em sua biografia: em 1918, já como diretor do Instituto Oswaldo Cruz, Carlos Chagas foi incumbido de organizar serviços especiais de atendimento aos acometidos pela epidemia de pela gripe espanhola no Rio de Janeiro, como hospitais emergenciais e postos de consulta. Sua atuação nesta frente seria decisiva para sua nomeação, em 1919, como diretor dos serviços federais de saúde.
Neste 14 de abril, esperamos que Carlos Chagas seja visto nos rostos de todos os cientistas e profissionais de saúde que, hoje, lutam bravamente para produzir conhecimentos e ações para enfrentar a emergência sanitária global. Que ele seja reconhecido em todos os que defendem e constroem políticas públicas de saúde. Que Carlos Chagas seja lembrado na experiência concreta das pessoas afetadas pela doença que leva seu nome e de todos os que sofrem com as doenças da pobreza e da desigualdade. Que ele seja o emblema para um Brasil em que ciência, Estado e sociedade estejam juntos em defesa da saúde como direito e elemento da cidadania. Que ele seja, no 14 de abril e sempre, o emblema da Fiocruz e, por sua vez, o emblema do nosso SUS. Este é o melhor modo de se celebrar o dia mundial de Chagas.
A iniciativa da Editora Fiocruz de disponibilizar, em acesso aberto, o livro sobre Carlos Chagas que publiquei com Aline Lopes de Lacerda, em 2009, representa, para mim, uma grande alegria. Ela vem ao encontro da minha convicção de que a ciência deve ir muito além da academia e dos laboratórios, deve estar sempre no mundo, compartilhada com os mais diversos grupos da sociedade, já que é para eles que todo e qualquer conhecimento deve ser produzido.
*Simone Kropf é historiadora e pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). Coautora, com Aline Lopes de Lacerda, de Carlos Chagas: um cientista do Brasil e autora de Doença de Chagas, Doença do Brasil: ciência, saúde e nação, 1909 – 1962, ambos pela Editora Fiocruz.
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