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Nas ondas da saúde: estudo analisa papel do rádio no Sistema Único de Saúde


10/09/2013

Por: Danielle Monteiro/ Agência Fiocruz de Notícias

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Há quatro anos, a pesquisadora Danielle Barros teve a oportunidade de participar de um curso de locução de rádio promovido pela webrádio Revolução FM e pela Biblioteca Pública de Niterói. Durante o período, ouviu depoimentos de usuários em sofrimento psiquiátrico que participavam da oficina, relatando que as atividades traziam bem-estar à sua vida e que, por conta disso, muitas vezes, não precisavam fazer uso da medicação. Ficou claro, então, para ela, que a atividade psicossocial tinha um significado importante para essas pessoas. Mas a experiência, de fato, poderia ajudar na construção de cidadania e ressocialização do usuário em saúde mental? Quais as expectativas e anseios das pessoas que buscam a oficina de rádio? Há outras experiências do tipo no Brasil? Essas e outras inquietações instigaram a estudante a fazer uma investigação mais aprofundada sobre o tema, que resultou em uma dissertação de mestrado em informação e comunicação em saúde no Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz). O estudo revelou que o rádio pode se mostrar como um forte dispositivo de cidadania e inclusão social.

"As oficinas de rádio têm se constituído num lugar de expressão e afirmação de um sujeito diante de outros sujeitos, no qual convergem os princípios da cidadania e da comunicação, possibilitando assim a comunicação entre eles e o enfrentamento dos estigmas e preconceitos sociais e culturais", observa Danielle. As oficinas midiáticas são encontros que ocorrem geralmente na própria unidade de saúde, os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), nos quais os participantes desenvolvem a produção e apresentação de programas, utilizando mídias como rádio e/ou webrádio, jornais e/ou sites, fotografia, TV e/ou produção de vídeos.

O estudo analisou o uso do rádio como atividade psicossocial na perspectiva da inclusão social a partir do mapeamento das experiências realizadas no Brasil e do estudo de caso da webrádio Revolução FM, que surgiu no contexto da Reforma Psiquiátrica, e da comunicação radiofônica comunitária, em prol da consumação de direitos de sujeitos em desvantagem social. Nas oficinas oferecidas pela rádio, que está sediada no Instituto Municipal Nise da Silveira, no Rio de Janeiro, são os próprios usuários que produzem os programas. Nelas, eles aprendem técnicas como pesquisa e clipagem de matérias, redação de texto, respiração e impostação da voz, seleção musical, entre outros saberes necessários ao trabalho do radialista. O curso, que dura cerca de dois meses, inclui aulas teóricas e práticas e se encerra com a produção de um programa de rádio pela turma, que é apresentado no ar. Para a pesquisa, foram coletados depoimentos de participantes das oficinas da rádio, que são dirigidas a usuários de saúde mental, deficientes visuais do Instituto Benjamin Constant, pessoas da Terceira Idade, grupos de alcoólicos anônimos, usuários de hospitais, meninos em situação de rua, moradores de comunidade, entre outros.

O mapeamento de oficinas de rádio com usuários de saúde mental mostrou que há registros de 16 experiências do tipo no Brasil. O estudo também apontou o uso do rádio no campo da saúde mental como tentativa de estreitar a comunicação horizontal entre usuários e profissionais de saúde, promover processos educativos e comunicativos por meio das oficinas e estabelecer a comunicação entre hospital (seus usuários, profissionais de saúde, servidores) com a família, a comunidade e a sociedade civil, incentivando, com isso, uma reflexão sobre o tratamento digno, humanizado e livre de estigmas. "As oficinas radiofônicas evidenciaram sua importância não somente por sua característica educativa, mas também por propiciar espaços de mediações, que provocam efeitos terapêuticos", afirma Danielle.

O estudo mostra que os papéis desempenhados pela webrádio Revolução na vida dos participantes da oficina estão intimamente ligados com a motivação e/ou necessidade que conduziu cada uma delas à rádio e ao que nela vivenciou. "Com isso, podemos afirmar que não existe um ‘papel’ ou 'significado' unívoco para a rádio e sim uma interpretação ou apropriação pessoal de acordo com os anseios, necessidades e buscas dos participantes", reflete. A pesquisadora ainda observou que, nem sempre, o veículo de comunicação desempenha um papel de ressocialização da pessoa. "No depoimento de um dos participantes, por exemplo, a rádio não teve papel de ressocialização, nem de reabilitação em relação à sua deficiência visual, com a qual já se adaptou, já que convive com ela desde a infância. A rádio, para ele, se constitui um espaço para exercer sua profissão, pela qual ele declara ter paixão: o rádio esportivo", exemplifica. A rádio ainda mostrou papel de destaque no campo da expressividade. "Um dos entrevistados comentou que a experiência o ajudou a se expressar melhor em público e a superar o medo de sair de casa e andar na rua sozinho após perder a visão", narra Danielle.

Além do desenvolvimento de habilidades e da oportunidade de se inserir, manter ou retomar o campo profissional, o papel do rádio nas apropriações sociais teve outros sentidos, como a reabilitação da saúde; lazer e afinidade; terapia ocupacional; ampliação do status social; oportunidades para novas perspectivas de vida, trabalho e estudo; meio de retomar o protagonismo da vida; local de aprendizado ou uma escola nãoformal; e espaço para socialização, para falar e ser ouvido e para superar estigmas. "A análise das narrativas demonstrou que, para além de contribuir para o desenvolvimento de habilidades, a Revolução FM ajudou pessoas a se adaptarem a uma nova forma de sentir, ser e estar no mundo, com foco nas potencialidades de cada um e não em suas restrições, sejam elas físicas, mentais ou
motoras", observa Danielle.

Embora haja o reconhecimento de que a rádio na web rompa barreiras geográficas, os relatos, no entanto, evidenciaram o desejo de que a projeção de seus discursos seja ecoada na própria comunidade, no entorno do hospital. "De acordo com os ideais e contexto no qual a rádio foi formulada, buscava-se o estreitamento de laços com a comunidade, visando transpor a representação da loucura e do medo para a corresponsabilização da comunidade à causa da luta antimanicomial. Dessa forma, de acordo com as narrativas, salvo algumas poucas exceções, o papel da rádio em promover aproximação com a comunidade não estaria sendo cumprido", alerta. A pesquisa ainda revelou que, apesar de a rádio estar localizada em um instituto dirigido a usuários em sofrimento psiquiátrico, muitas das pessoas que ali trabalham desconhecem o engajamento do veículo de comunicação na luta antimanicomial. "Os estigmas em relação à loucura e ao sujeito em sofrimento mental permanecem, apontando para a necessidade de se explorar melhor a potencialidade do rádio com o objetivo de atingir também este importante tipo de público", conclui a pesquisadora.

Acesse a reportagem na íntegra.

"As oficinas de rádio têm se constituído num lugar de expressão e afirmação de um sujeito diante de outros sujeitos" (Danielle Barros, pesquisadora do Icict/Fiocruz)

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